quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Quem nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra

Não estou me referindo ao que o senso comum compreende por falácia – geralmente como sinônimo de mentira, de falsidade. Estou me referindo ao conceito de falácia na perspectiva da lógica – que de acordo com Matthew trata-se de “uma falha técnica que torna o argumento inconsistente ou inválido”. Desse modo cometer uma falácia nem sempre é sinal de falta de caráter, de tentativa de manipulação, mas pela nossa incapacidade de fazermos uma argumentação lógica. 

Para Matthew argumentos falaciosos parecem válidos e convincentes, de modo que só “uma análise por menorizada é capaz de revelar a falha lógica”. Sobretudo por que não existe apenas um tipo de falácia. E algumas delas só mesmo  um especialista em lógica tem condição de perceber. Já outras são bastante comum e de fácil compreensão. Sobretudo se analisarmos os debates nas redes sociais e mesmo no Congresso Nacional, Assembléias Legislativas e Câmaras de Vereadores Brasil afora.

Para se ter uma ideia, no seu artigo intitulado “Lógica e falácias”, Matthew nos apresenta 44 tipos de falácia. E ao ler a definição de cada uma delas seguidas de exemplos do cotidiano, cheguei a conclusão que é impossível que um ser humano não diga uma falácia vez e outra. Com essa afirmação posso inclusive  está usando de uma falácia – uma tal de Ad Hoc – que segundo Matthew consiste na explicação de “um fato após ter ocorrido, mas sem que essa explicação seja aplicável a outras situações”. Ora, o fato de ter ocorrido comigo não significa que ocorrerá com os demais. 

Mas camarada, lhe desafio ler o artigo do Mathew, a analisar a definição das diferentes falácias e depois me dizer que nunca utilizou um argumento falacioso – que nunca caiu na tentação de utilizar seu exemplo pessoal para explicar um determinado fato. Nunca questionou uma fala só por que foi dita por determinada pessoa. Nunca disse: - ah, no meu tempo as coisas eram melhor. Nunca fez uma generalização apressada. Nunca apelou para a natureza para dizer que as coisas são assim e ponto. Nunca fugiu do assunto em questão. Nunca disse que algo vai acontecer sem comprovar no entanto. É, a lista é grande, paremos aqui por enquanto.

Creio que reconhecer que não raramente utilizamos esse artifício no nosso cotidiano na relação com as outras pessoas é um passo importante para que não só evitemos de cometer essa falha lógica na nossa argumentação como também para que tenhamos maior capacidade de identificar e rebater esse tipo de argumento, sobretudo aqueles que tem claramente a intenção de manipular a opinião pública – Essa manipulação da opinião pública através de discursos falaciosos é muito presente no debate político, no discurso religioso e na imprensa. 

No discurso político um bom exemplo é a fala de que o Brasil não pode virar uma Venezuela daí a necessidade de tirar a esquerda do poder, pois todo país governado pela esquerda tem como destino se tornar uma nova Venezuela. Mathew diria que se trata de uma falácia denominada de Declive Escorregadio – que consiste em dizer que a ocorrência de um evento acarretará numa determinada consequência, mas sem apresentar provas para tal afirmação. Diga-se de passagem, Bolsonaro e seus aliados são mestres nesse tipo de falácia. 

Outro exemplo do discurso falacioso no debate político atual é em relação a defesa da facilitação do acesso a armas de fogo por parte da população, sobretudo por que segundos eles, isso significa o respeito ao anseio da maioria da população. Esse tipo de falácia é conhecida como Argumentum ad Populum – que apela para popularidade de determinada demanda. Mathew salienta que “esse tipo de falácia é comumente caracterizado por um discurso emotivo”. E é justamente apelando para emoção que segue o discurso de quem defende o armamento da população, inclusive apresentando situações pessoais, recorrendo assim a outra falácia que é a Evidência Anedótica – que consiste em relatar experiências pessoais como prova de validação de um argumento.

Aliás, a Evidência Anedótica é uma falácia bastante comum no discurso religioso. Especialmente dos neopentecostais que se utilizam dos testemunhos de fiéis para convencer os demais da validade de uma crença. Mathew trás o seguinte exemplo de uma argumentação desse tipo: “há abundante provas da existência de Deus; ele ainda faz milagres. Semana passada eu li sobre uma garota que estava morrendo de câncer, então sua família inteira foi para uma igreja e rezou, e ela foi curada”. Mathew nos diz que anedotas podem até servir para ilustrar algo, porém não é prova de nada. Pois o fato de ter acontecido algo comigo não significa que ocorrerá o  mesmo com outra pessoa. 

Outra falácia comum no discurso religioso é a Dicto Simpliciter ou Generalização absoluta – que consiste em aplicar uma regra geral a uma situação particular. Essa falácia ocorre, segundo Mathew, sobretudo quando envolve questões legais e Morais. Um bom exemplo é acerca da descriminalização do aborto: “Cristãos são contra o descriminalização do aborto, você é cristão, logo é contra a descriminalização do aborto”. Ora, não necessariamente. Há cristãos que defendem sim a descriminalização do aborto assim como outras bandeiras contrárias aos dogmas morais defendidos por alguns líderes religiosos.

No caso da imprensa uma falácia bastante presente é a denominada de espantalho – que segundo Mathew “consiste em distorcer a posição de alguém, para que possa ser atacada mais facilmente”. Quando isso ocorre, não se está lhe dando com os verdadeiros argumentos. É possível perceber essa prática nas coberturas jornalísticas acerca de grandes escândalos e nos supostos debates (que na verdade não é um debate pois apresenta apenas uma posição) acerca de temas como a reforma da previdência por exemplo. 

Outro exemplo de falácia presente na imprensa é a que se denomina de Ignorantio Elenchi ou Conclusão Irrelevante – que segundo Mathew “consiste em afirmar que um argumento suporta uma conclusão em particular, quando na verdade não possuem qualquer relação lógica”. Um bom exemplo é a cobertura acerca da atuação do então juiz Sérgio Moro nos processos da operação Lava jato revelados pelo site The Intercept. Nesse caso a falácia consiste em dizer que a lava jato é importante para o país, de modo que mesmo que Moro tenha transgredido algumas regras, a mesma não pode ser destruída. Ora não se está colocando em questão a continuidade ou não de uma operação, mas a atuação de um determinado magistrado. Mathew salienta que “lamentavelmente, esse tipo de argumentação é quase sempre bem-sucedido, pois faz as pessoas enxergarem a suposta conclusão numa perspectiva mais benevolente”.

Bem fiquemos por aqui. Concluímos afirmando que aquele que nunca disse uma falácia que atire a primeira pedra – ora, sejamos honestos camaradas. É difícil, se não impossível, não cometer uma falha lógica vez e outra, até por que não somos seres puramente racionais. A questão é, como já dissemos nesse texto, ter consciência disso, sobretudo para que não caiamos em argumentos falaciosos que tem a clara intenção de manipular-nos.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

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