sexta-feira, 13 de setembro de 2019

Crônicas do Post Mortem: Matanza Inc e a filosofia Nietzschiana

Á minha sobrinha, Nathany

O álbum de estréia da nova fase do Matanza (com Inc no nome e Vital Cavalcante no vocal) me fez lembrar do velho Nietzsche e a sua crítica contudente a moral cristã – que nega a vida impedindo assim que possamos vive-la em sua plenitude. O Matanza Inc nas suas “Crônicas do Post Mortem” nos apresenta indivíduos que não negam a vida, pelo contrário, buscam vive-lá plenamente, sem despresar os prazeres da carne, sem medo do que vem depois. 

Aliás, deixam isso claro em “Péssimo dia” onde Vital berra: “não faço a menor ideia do que vem depois, nunca foi até o momento uma preocupação, por isso vai embora padre não me fale em absolvição”. Nietzsche despreza os conselhos dos teólogos, elege esses como seus inimigos – como a antitese da sua filosofia. Pois eles são os responsáveis por difundir valores decadentes que negam a vida. Como por exemplo, a compaixão.

Em “Para o inferno” temos um desprezo de forma mais contudente ao espírito de teólogo: “disseram para eu me preocupar com minha alma, pois haveria no meu dia um julgamento, e numa lista conta quem está devendo. Eu só posso responder com muita calma, que não vejo nisso mero cabimento, não acredito em nada do que estão dizendo. Mas se for como você me diz: para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”. 

E em “Tudo de ruim que acontece comigo” deixam claro: “se fiz errado eu fiz consciente”. Não há arrependimento, não há lamentação. O que há é consciência de que nossas escolhas tem consequências boas e más, e que a questão portanto é estarmos preparados para lhe dar com essas consequências. E para lhe dar melhor com essa essas consequências é necessário superar os velhos conceitos de verdadeiro e não verdadeiro fundados na moral cristão – é o que propõem Niestche. 

Marco Donida (Guitarrista e Compositor da banda) mostra o seu gênio criativo mais uma vez através de canções com frases icônicas. E até ouso dizer (na condição de leitor de algumas obras de Niestche) que ele assinaria em baixo várias dessas frases, como por exemplo: 

“A derrota muito me serviu de aprendizado, não se mistura certo com errado”.

“Se deixar  a vida fica muito chata”.

“São muitas maneiras de arruinar a sua vida, não precisa escolher uma só”.

“A vida é uma peça fadada ao fracasso, a esperança uma péssima atriz”.

“Tantas mulheres eu tive e não tive o amor de nenhuma. De tantas garrafas de whisky não guardo lembrança qualquer”.

“A gente pensa que sabe o que faz, a gente pensa que sabe o que diz, percebe o erro sempre tarde de mais, acaba sempre infeliz”.

“Se fiz errado eu fiz consciente, sempre soube onde tudo termina, estou num trem com destino a ruína, onde não há mais recomeço”.

“Para o inferno irei feliz, pois tudo o que fiz valeu muito apena”.

“Nunca procurei na vida algum sentido”.

“Não deixe nada pra depois, termine tudo que puder, use o tempo que tiver, faça diferença”.

“Não se resolve nada no desespero, não há problema que não possa piorar”.

“O delírio impede de raciocinar”.

“Resta você reconhecer que se saiu muito mal, sinceridade em admitir que sabia de menos”.

Aos que não conhecem e querem ter uma idéia dos aforismos Nietzschianos, e assim compreender melhor a relação estabelecida aqui. Recomendo a leitura de “Nietzsche para estressados: 99 doses de filosofia para despertar a mente e combater as preocupações”. O livro contém 99 máximas do nosso filósofo relacionadas a questões do cotidiano seguidas de interpretações de Allan Percy. Mas, mais recomendável ainda é a leitura das obras do próprio filósofo, cito algumas: Humano demasiado humano (1878), A Gaia Ciência  (1882), Além do Bem e do Mal (1886) e Ecce Homo (1908).

Mais sujo e pesado

Foi o que senti ouvindo Crônicas do Post Mortem – e eu particularmente gosto bastante dessa pegada. Marco Donida (Guitarra), Mauricio Nogueira (Guitarra), Doni “Don” Escobar (Baixo) e Jonas Cáffaro (Bateria) estão cada dia numa sintonia melhor. E o vocal do Vital Cavalcante encaixou perfeitamente. E o melhor é que ainda há uma boa margem para que a sintonia entre o vocal e a banda fique cada vez mais afiado – o que se dará a medida que eles forem adquirindo mais quilometragem de estrada fazendo shows. 

Outro ponto a se destacar é que mesmo com as mudanças a banda mantém o seu DNA, tanto no som como nas letras. O que muito me agradou e creio que a muita gente também – é só analisarmos a receptividade do álbum e o feedback do público nos shows cantando as músicas novas. O que é uma prova de que não havia muito sentido o fim da banda que está em pleno auge criativo e tem um público fiel.

Em tempos de ascensão do discurso fundamentalista cristão 

O Matanza Inc ousa desafiar esse discurso com um álbum que tem como subtítulo Guia para demônios e espíritos obssessores e que trás nas suas faixas estórias de figuras que transgride os valores que o discurso fundamentalista tenta nos impor. Sobretudo em canções como Seja o que Satan quiser e Para o inferno. Não há um protesto explícito nas canções, é mais uma provocação (no melhor estilo Matanza), uma boa dose de desdém ao discurso hegemônico atual. E talvez ai esteja uma boa forma de resistência a esse discurso – o menosprezo.

Aliás, questionado em uma entrevista sobre a alusão ao diabo presente  nas composições do Matanza ao longo da sua discografia (e o álbum dessa nova fase não é exceção), Donida responde que:

“O diabo é uma invenção da igreja católica para controlar as pessoas através do medo. Quando se glorifica o diabo você afronta os controlados e principalmente os controladores. Nossa música não serve á essas pessoas. O Diabo pra nós é um símbolo de liberdade artistica. A maldade está no coroação dos homens e não em alegorias”.

Tal declaração do Donida deixa bem evidente que a ideia da banda é provocar mesmo, desafiar o discurso hegemônico fundamentado nos valores juidaicos-cristãos. Tal com fez Niestche através de sua filosofia e com declarações incompreendidas como acerca da morte de Deus.

Para finalizar, ainda acerca da relação entre as Crônicas do Post Mortem e a filosofia Nietzschiana. Em “O nascimento da tragédia” Nietzsche nos diz que “devemos reconhecer que tudo aquilo que nasce deve estar preparado para um doloroso declínio, somos obrigados a mergulhar nosso olhar nos horrores da existência individual – e, contudo, não devemos ficar congelados pelo terror”. Essa é a atitude dos personagens das Crônicas do Post Mortem, ainda que essa atitude nos leve ao destino do personagem da canção “a cena do seu enforcamento” condenado a ver eternamente a cena do próprio enforcamento.

“A vida não é muito curta para que fiquemos entediados?”.
Nietzsche 

Por Pedro Ferreira Nunes – “um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior “.

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