João, Paulo, José e Raimundo irão disputar uma corrida. Durante a disputa um grupo de pessoas entram na pista e intencionalmente segura Paulo, José e Raimundo, contribuindo assim para que João obtenha vantagem e ganhe a corrida. João afirma que não mandou ninguém entrar na pista e prejudicar seus adversários. E inclusive, nada garante que ele não ganharia a corrida sem essa intervenção. Mas o fato é que ela aconteceu e o beneficiou. Diante disso o que fazer? Anular a corrida e realizar outra dando condições iguais para os competidores? Mas ao fazer isso não se estará penalizando o João que não teve culpa na ação que prejudicou seus adversários?
Eis ai camaradas um belo dilema ético que nos permite fazer uma analogia com a situação que ocorreu nas eleições municipais de 2016 em Lajeado – onde um candidato derrotado entrou na justiça eleitoral pedindo a anulação do pleito em questão e a realização de novas eleições devido a uma possível intervenção (uso da máquina pública e abuso do poder econômico ) favorecendo o candidato que acabou sendo eleito. Diante dessa suposta interferência cabia a justiça eleitoral decidir se anulava o pleito e convocasse novas eleições para o executivo municipal ou não. E se a opção fosse não, não estaria prejudicando o prefeito eleito (Tércio Neto) que apesar de beneficiado, não autorizou ninguém a cometer qualquer ato ilícito, segundo ele?
Na primeira instância a decisão seguiu a lógica de que apesar de ter havido interferência ilegal no processo (por parte da então prefeita Márcia Reis e alguns vereadores e ex-vereadores como Adão Tavares, Nilton Soares, Ananias Pereira, Manoel das Neves, entre outros) o prefeito e seu vice (Tércio e Gilberto) não tiveram participação direta por tanto não poderiam ser penalizados. Já no pleno do TRE-TO (por 6 x 1) a decisão seguiu a lógica de que ainda que o prefeito eleito e seu vice não tenham tido interferência direta, é óbvio que o processo não ocorreu com a lisura devida e por tanto se faz necessário uma nova eleição.
Do ponto de vista ético, para nós, a decisão do Tribunal Regional Eleitoral do Tocantins seguiu a única lógica possível. Ainda que se aceite a tese de que Tércio e seu vice não tenha tido envolvimento direto nas ilicitudes que ocorreram no pleito eleitoral de 2016 em Lajeado, não se pode negar que ele se beneficiou. E tendo se beneficiado significa que a disputa não foi justa e se a disputa não foi justa é preciso garantir uma disputa justa entre todos os competidores.
Não é de agora que defendemos essa tese (Ler os artigos: “Balanço das análises de conjuntura políticas de Lajeado”, “Se as provas são frágeis à sentença é fragilissima: Sobre a decisão judicial que julgou improcedente ação contra o prefeito de Lajeado – Tércio Neto (PSD)”, e “Á passos de jabuti: Sobre a decisão judicial acerca do pleito eleitoral de 2016 em Lajeado”.
Antes mesmo da posse alertavamos para o fato de que o prefeito e seu vice, assim como alguns parlamentares poderiam nem assumir e se assumissem poderiam não chegar ao fim do mandato. Por tanto não foi nenhuma surpresa para nós a decisão da justiça eleitoral. Mas não é com alegria que recebemos essa notícia, sobretudo pela demora excessiva da justiça eleitoral em tomar uma decisão final sobre esse caso.
Ora, decidir por uma nova eleição faltando pouco mais de um ano para as eleições regulares e para a finalização do mandato atual é algo difícil de compreender. E quando a justiça demora em demasia para se fazer valer, acaba virando injustiça. Uma injustiça sobretudo com a população de Lajeado que é quem paga a conta pelo caos político que impera na cidade – por essa insegurança permanente em relação aos seus representantes políticos locais.
Mas por outro lado, ainda que tarde, se a decisão de realizar novas eleições não fosse tomada, seria pior. Seria lavar as mãos diante da corrupção eleitoral dando carta branca para que práticas nesse sentido se repetisse nos pleitos futuros. Aliás, isso já estava se repetindo se analisarmos o que não foi o evento de inauguração da avenida Norte-Sul (com direito a show de forró e churrasco para população).
No mundo ideal, espera-se que a decisão do TRE-TO sirva sobretudo como um efeito pedagógico – que os políticos locais aprendam que aqui não é uma terra sem leis, que não podem fazer o que bem quiserem pois se não, serão punidos. Mas sabemos que no mundo real as coisas não funcionam assim. É só lembrarmos o que fez Mauro Carlesse nas eleições estaduais logo depois da cassação do então governador Marcelo Miranda. O que acontece em grande medida devido a morosidade da justiça eleitoral. Mas a população também tem a sua cota de responsabilidade – o fato é que cobramos ética dos nossos mandatários, mas não agimos tão eticamente assim. E ao fazer essa afirmação talvez eu esteja sendo kantiano em demasia – que defende que agimos de tal modo que a máxima de nossa ação possa sempre valer como princípio universal de nossa conduta. Isso é, aja de acordo como você gostaria que todos agissem, inclusive com você.
Nesse contexto, João devia ser o primeiro a reconhecer que a corrida não foi justa devido a intervenção que atrapalhou seus adversários. Pois se ele fosse um dos prejudicados provavelmente iria questionar. Da mesma forma Tércio deveria ser o primeiro a reconhecer que a disputa pela administração da prefeitura de Lajeado não foi justa entre ele é seus adversários. Mas esperar isso numa sociedade onde a moral burguesa impera – onde o importante é vencer e dominar independente dos métodos utilizados para tanto – é um tanto de ingenuidade da nossa parte.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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