No interior da Irlanda um grupo de jovens é fortemente reprimido pelo famigerado – Black and tan - esquadrão inglês formado para reprimir o movimento de independência daquele país. Tal repressão culminará na morte de um jovem e mudará a trajetória de vida de outro.
É assim que se inicia o filme “Ventos da liberdade” do cineasta Ken Loach. Uma verdadeira obra prima do cinema que se sagrou vencedora da Palma de Ouro do Festival de Cannes, no ano de 2006. Em 127 minutos Loach nos apresenta o drama do povo irlandês na luta pela independência do seu país da Inglaterra. Tal como muitos países o fizeram mundo afora. Sobretudo após o abalo mundial causado pela revolução bolchevique em 1917 na Rússia.
Damien (Cillian Murphy) estava se preparando para deixar o interior da Irlanda e seguir para Londres onde pretendia seguir carreira na medicina. Mas a morte brutal de um amigo pelos ingleses o fez mudar os planos. Ele, então, não só decide abandonar o projeto de cursar medicina na capital Inglesa, como também decide engrossar as fileiras da luta armada nacionalista.
Era a segunda década do século XX – inegavelmente um século marcado por lutas por independência em todas as partes do globo (entre elas a Revolução Russa, Chinesa e Cubana). E uma dessas lutas teve como cenário a Irlanda onde se formou uma frente ampla (IRA) composta de diversas tendências políticas em torno da bandeira por independência. E uma das tendências mais forte nesse movimento era dos socialistas e comunistas, mas também havia tendências nacionalistas.
Antes da ação, Demien mais outros jovens seguem para um treinamento. E é ali que eles percebem que estão entrando num lugar onde não há retorno – um lugar onde não há espaço para vacilações. Pois essas são pagas com a própria vida. Eles aprendem isso da forma mais dura possível ao ter que punir com a morte um companheiro que traiu o movimento.
Treinamento finalizado eles partem para o enfrentamento. E a partir desse enfrentamento (numa guerra de guerrilha) onde conseguem importantes vitórias. Começa-se um debate de cunho mais político-ideológico acerca dos rumos que o país deverá seguir após conseguir sua independência. Nesses embates as divergências entre os grupos que compõem a frente de resistência ficam bastante explicitos e acaba cuminando numa divisão do movimento entre os que defendiam um acordo com a Inglaterra (acordo que passava pelo abandono da luta armada). E os que defendiam a continuidade da luta armada numa perspectiva ainda mais radical defendendo o socialismo como único horizonte possível para garantir verdadeiramente a independência da Irlanda e não uma independência tutelada como defendiam os partidários do acordo com a Inglaterra.
Damien no início não tinha a intenção de participar da resistência armada, se o fez, num primeiro momento foi mais por uma questão pessoal do que por patriotismo. Já seu irmão mais velho era totalmente envolvido, inclusive ocupando posições de comando. Mas ao longo da luta isso foi se modificando sobretudo a partir da aproximação de Damien das ideias socialistas. O que ficou mais evidente no momento da ruptura interna do movimento pela independência da Irlanda. Damien acompanhou os que defendiam a continuidade da luta armada e a construção da Irlanda socialista, já o seu irmão defendeu um acordo com a Inglaterra.
A partir daí eles passam a atuar em campos opostos, a partir daí – os que lutavam na mesma trincheira passam a lutar entre si. E como consequência disso Demien é preso. Na prisão tentam convencê-lo a abandonar a luta armada e a aceitar o acordo com a Inglaterra. Mas ele não dobra e cita James Connely para justificar sua posição: “Se retirarem o exército britânico amanhã e hastearem a bandeira verde no castelo de Dublin, a não ser que organizem uma república socialista, todos os seus esforços terão sido em vão e a Inglaterra ainda os governará por meio dos donos de terra, dos capitalistas e das instituições comerciais”.
Connely e Damien estavam correto, e não só em relação a Irlanda. Hoje essa dominação de uma país pelo outro não se dá mais através das forças armadas mas por meio “dos donos de terra, dos capitalistas e das instituições comerciais”. Em suma, mudou-se os instrumentos de opressão e dominação, não o fato de que uma determinada classe continua oprimido e dominando outra.
Marx na sua obra “Miséria da filosofia” dizia que “uma classe oprimida é a condição vital de toda sociedade fundada no antagonismo entre classes” como é o caso da sociedade burguesa. Por tanto só é possível a libertação da classe oprimida se se criar uma nova sociedade. Não adianta reformas, melhorias aqui e ali – não será isso que colocará fim a opressão e por conseguinte a dominação.
Bem, essa tarefa continua atual sobretudo num contexto onde muitos acreditam poder acabar com a opressão humanizando o capitalismo através de reformas. Que acreditem nessa ilusão não é problema. O problema é tentar justificar tal posição usando o nome do velho Marx. O filme Ventos da Liberdade é um ótimo material de estímulo para que refltamos acerca dessa e outra questões necessárias para o fortalecimento da luta anticapitalista mundo afora.
Pedro Ferreira Nunes – É Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
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