Como não temos condição de abarcar toda essa infinidade vamos pegar apenas três exemplos de artistas do punk rock – a opção pelo punk rock é pelo seu caráter subversivo e anticapitalista – pela sua visceralidade, por não fazer concessão ao status quo, por meter o dedo no problema sem meias palavras. E alguns artistas que encarnam muito bem esse espírito são os “Ratos de Porão, a “Cólera” e os “Inocentes”. E é exatamente canções dessas bandas que destacarei aqui – se nosso objetivo é falar do punk rock em defesa do meio ambiente as canções que destacarei creio que cumpre muito bem esse papel.
Cólera e a canção “Verde”
“Onde haviam riachos limpos/ hoje só vemos estrume humano/ o chão que era coberto de folha seca/ está encoberto pelo concreto./ Quem quer que mate atoa/ quem queima e corta/florestas e reservas/ só pensa em lucrar/ mas isso é roubar/”. Com esses versos a banda punk paulista Cólera inicia a canção “Verde” do icônico álbum “Verde, não devaste” lançado em 1989. Desde então essa canção se tornou um clássico da banda sendo executada nos shows ao vivo.
A composição chama atenção para o avanço da destruição ambiental alertando para as consequências não apenas á fauna e á flora, mas á nós mesmos que dependemos da natureza para sobreviver como enfatizam no refrão – “Minha vida/ sua vida/ nossas vidas/ depende do verde/ e depende do verdejar/”.
Infelizmente nem todo mundo olha para a natureza como nossa fonte de sobrevivência mas como um meio de obter mais e mais lucro. Não importando o quanto de flora e fauna tenha que ser destruído para tanto. Fazem isso, segundo eles, em nome do desenvolvimento. Mas o que estão fazendo é roubar como ressalta a canção: “O homem não pensa muito/ na hora de explorar/ por mais que destruam vidas/ só pensam em lucrar/ mas isso é roubar/.” Roubar terras, roubar recursos naturais, roubar as vidas dos povos tradicionais que são obrigados a abandonar seus territórios.
Boa parte da devastação dos recursos naturais, especialmente nas florestas é para produzir produtos que serão consumidos nas cidades. Desse modo quando consumismo determinados produtos também estamos dando a nossa cota de contribuição para que essa destruição continua. Por isso precisamos nos conscientizar e dá uma basta nesse modelo de desenvolvimento. Pois afinal de contas como diz a canção – “nossas vidas dependem do verde”.
Ratos de Porão e a “Amazônia nunca mais”
Quem já foi num show dos Ratos de Porão provavelmente já ouviram o João Gordo alertando antes dessa canção – “Cuidado se não Amazônia nunca mais”. Essa composição é do álbum “Brasil” lançado em 1989. E se tornou um dos muitos clássicos da banda que é executado frequentemente nas apresentações ao vivo.
“A mãe terra não é de ninguém/ assim dizia quem morava aqui/ a mata virgem é força do bem/ e os animais vida e razão/”. A canção inicia mostrando a visão dos índios sobre a Amazônia para em seguida denunciar – “mas o homem branco/ com seu sujo poder/ escravizou e prostituiu/ se aproveitou da pura inocência/ dos verdadeiros filhos do Brasil”.
Ai temos de um lado os guardiões das florestas – os povos indígenas que vive numa relação de comunhão com matas e bichos. Do outro lado o homem branco com sua sede por lucro que não pensa duas vezes em aniquilar tudo que se oponha em seu caminho. “Morte!/ Para quem defende o verde e os animais/. Doenças!/ Misérias, queimadas, devastação/. Por que ninguém faz nada para os deter? Cuidado!/ Senão, Amazônia nunca mais/.”
É uma canção escrita há mais de 30 anos, mas é como se tivesse sido escrita hoje. A destruição da floresta amazônica, a violência contra os povos tradicionais e aqueles que os apoiam nunca avançou tão a passos largos como agora. Há 30 anos os Ratos de Porão alertam: “cuidado! Senão, Amazônia nunca mais”. Desde então muita gente tem se mobilizado pela urgência dessa pauta. Mas infelizmente o alerta continua necessário, cada vez mais necessário. Pois “o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/”.
Inocentes e a “Miséria e fome”
O Clemente – vocalista, guitarrista e compositor da banda – relata que a primeira vez que essa canção foi gravada não passou pela censura da ditadura militar. E mesmo modificando algumas partes depois da primeira tentativa continuou censurada. De modo que só foi lançada oficialmente em 1988 quando já havíamos superado o regime ditatorial. Ao contrário das duas canções anteriores “Miséria e fome” não fala diretamente da questão ambiental mas de algumas das suas consequências.
“É tão difícil viver entre a miséria e a fome/ senti-la na carne e ter que ficar parado/ calado./ É tão difícil entender como homens armados/ expulsam outros homens das terras em que/ Eles nasceram e se criaram/ que são deles por direito/ para lá plantarem nada/ nada/.”
Essa composição mostra de maneira magistral as consequências do progresso prometido pelos ruralistas – enquanto alguns poucos lucram – a maioria, especialmente indígenas, quilombolas e camponeses pobres – sobrevivem entre a miséria e a fome. Isso quando não são expulsos dos seus territórios para dá lugar a desertos verdes. E ao serem expulsos de suas terras acabam engrossando as periferias das grandes cidades aumentando mais ainda a miséria e a fome.
Desse modo a luta em defesa do meio ambiente passa também pela denúncia da situação de miséria e fome pelo que passa a maioria dos povos do campo – povos que são submetidos a uma situação de opressão continua.
Para combater a miséria e a fome tanto no campo como na cidade precisamos de um modelo agrícola voltado para produção de alimentos de forma sustentável e não voltado para o lucro. Um modelo agrícola que proteja o meio ambiente e não que o tenha como uma barreira.
Essas três canções de ícones do punk rock nacional mostram de forma contudente as agressões ao meio ambiente e suas consequências – uma situação que não é de hoje e que ao contrário de melhorar tem piorado. Por isso mais do que nunca continuam necessárias.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.