Para Vásquez (2011) “uma das mistificações mais comuns consiste em identificá-la com o que nós chamamos de Arte de massas, ou arte própria do homem alienado e coisificado da sociedade industrial capitalista”. Ele salienta que não se deve confundir a arte popular com a arte mais consumida, mais “popular”, isto é, a arte de massas, tão pouco é legítimo estabelecer um sinal de igualdade entre ela e uma arte de costumes, regionalista ou provinciana; isto é, como uma arte populista. Dito isto, percebemos que para Vásquez existe a arte popular, a arte de massas e a arte populista. Esta última está ligada aos costumes, a segunda ao consumo e a primeira?
De acordo com Adolfo Sánchez Vásquez (2011) “a arte popular é expressão profunda das aspirações e interesses do povo numa dada fase histórica e, como tal, mantém certa relação com a política, mas essa relação, por um lado não é exterior, algo que se imponha de fora, e, por outro, não é direta e imediata”. É a mesma linha que segue Oliveira (2019) ao afirmar que “toda arte é potencialmente política porque, para além de sua função social, ela é resistência, afeto, insubordinação e, muitas vezes, é a tomada de consciência de que as bandeiras partidárias são menos relevantes do que o ato de existir em sociedade e nela insistir nas revoluções diárias”.
Voltando a Vásquez, ele nos diz que “a arte verdadeiramente popular – em todas as épocas – sempre esteve em estreito contato com a vida humana, com o povo, revelando assim um profundo conteúdo ideológico”. Trata-se portanto de uma arte tendenciosa. Pois “expressa os mais elevados interesses de um povo numa fase histórica dada”. Isso, porém, não significa fazer desse tipo de arte um anacronismo. Pois “sendo fiel ao seu tempo, a arte sobrevive a ele e, desse modo, continua vivendo com o próprio movimento da vida real” (2011, p. 251).
Ainda de acordo com Vásquez (2011) “uma arte popular assim entendida, sem a carga das mistificações que se associam a essa expressão, é, em suma, a arte universal de todos os tempos; a arte que não se contenta com uma forma bela e que, fundida com esta, oferece o rico e profundo conteúdo ideológico que corresponde às aspirações e esperanças de um povo, numa fase histórica do seu desenvolvimento”.
A partir dessa afirmação podemos dizer que o Adolfo Sánchez Vásquez rompe com a dicotomia entre arte popular e erudita. Sobretudo a visão de que a arte erudita seria aquela que representa valores universais e a arte popular os costumes locais. A partir da perspectiva do Vásquez sobre a arte, talvez seria mais interessante falar em arte popular x arte antipopular.
Vásquez (2011) salienta que na maioria dos países do mundo contemporâneo “não existe uma verdadeira criação popular; seus frutos, em muitos casos, não são mais do que pálidos vestígios de um impulso criador hoje inexistente”. Para nosso filósofo “uma vez que se esgotaram suas possiblidades criadoras no terreno artístico, encontramos apenas o consumidor: mas o consumidor pacífico, impessoal e desumanizado”. Nesse contexto a arte é mais um instrumento de alienação do que de libertação. Sendo assim essa arte não pode ser denominada de arte popular. Pois a arte popular, por sua perdurabilidade “compartilha do destino autêntico das grandes criações individuais: o de superar o particular humano para assim enriquecer o universal” – ao contrário da Arte descartável que domina atualmente.
A reflexão do Vásquez sobre arte popular me fez lembrar de uma discussão que se tem hoje no Brasil acerca de qual seria a verdadeira música popular brasileira. Com alguns defendendo que seria a música Sertaneja, por ser sem dúvidas, a mais ouvida atualmente. Enquanto a chamada MPB estaria mais elitizada. Mas se seguirmos a tese do Adolfo Sánchez Vásquez não é pelo fato de ser a música mais ouvida na atualidade que faz do Sertanejo a verdadeira “música popular brasileira”. Na verdade ela se encaixaria no que o filósofo denomina de arte de massas.
Tendo a seguir o que diz o filósofo. Eu particularmente sempre achei que tem mais elemento das nossas matrizes culturais na música de uma banda de rock como o Sepultura (ouça canções como Itsari, Ratamarata, Kaiowas, Phanton Self, Capital Enslavement) do que em muitos artistas da música sertaneja na contemporaneidade (não sei nem se dá para classificá-los de Sertanejos pois os elementos da cultura sertaneja estão cada vez mais ausente de suas composições). Desse modo o Sepultura, mesmo tocando metal com letras em inglês, faz arte popular mais do que muitos daqueles que são denominados de artistas populares – Vásquez nos diria que se o fator a se considerar for a popularidade certamente são – mas se o aspecto for a criação ligada as aspirações da coletividade – não.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente leciona Artes e Filosofia no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência.
****
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
OLIVEIRA, Alecsandra M. de. Arte e Política, eterna questão. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/arte-e-politica-eterna-questao/. Acesso em: 27 de jul. 2020.
VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. 3° Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.
Nenhum comentário:
Postar um comentário