segunda-feira, 29 de março de 2021

Um olhar sobre a juventude Lajeadense.

 “Eles dizem que você é doente,

e que isso é fase adolescente,

mas não, não vá se entregar.

Dê uma outra chance pra você, 

não se isole por que você, 

Você é alguém...”.

Cólera 

Uma breve nota introdutória 

Esse artigo foi escrito há quase um ano. A ideia era publica-lo ainda em 2020 no Blog Das Barrancas do Rio Tocantins, como uma contribuição ao debate local sobre políticas públicas, sobretudo tendo em vista que estávamos em ano eleitoral. No entanto acabei não fazendo. Faço agora por acreditar que as reflexões que trago, continuam pertinentes.

Políticas Públicas para juventude

“Até quando vou aguentar,/ essa cidade parada,/ que não se movimenta,/ e nem me deixa movimentar?”. Esse verso é do poema “Até quando?” escrito por mim no meu tempo de colegial. Recordei dele quando ouvi de vários jovens lajeadenses frases que remetiam a esse mesmo sentimento. Não pude deixar de pensar comigo: - As coisas não mudaram tanto por aqui. O discurso desses jovens é exatamente o mesmo da minha geração.

É importante destacar que não ouvi isso de uma meia dúzia de jovens mas de algumas dezenas. Desse modo ainda que não tenha o peso de uma pesquisa, creio que temos ai elementos para refletirmos sobre a juventude Lajeadense. Daí o objetivo desse texto – que ele possa ser um estímulo para se buscar ouvir a juventude, pensar, discutir e elaborar políticas para esse segmento da comunidade de Lajeado. 

O episódio relatado aconteceu durante uma dinâmica que desenvolvi nas turmas do Ensino fundamental (6° ao 9° ano) e Ensino médio (1° a 3° Série) do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Eles deveriam responder as seguintes questões: 1- Nome; 2- Onde nasceu; 3- Gosta de...; 4- Lajeado é...; e 5- O que espera da disciplina. O objetivo da dinâmica era apenas estabelecer um contato inicial onde eu pudesse ter uma idéia do perfil daqueles jovens (com os quais iria trabalhar) e a relação deles com a cidade onde moram. Mas ai fui surpreendido com as respostas que ouvi, sobretudo em relação a questão quatro. A surpresa não foi por discordar das respostas mas pela semelhança entre elas e o discurso da minha geração. 

Para no mínimo 90% dos jovens ouvidos Lajeado é uma cidade parada que não oferece oportunidades para que possam se desenvolver tanto no aspecto educacional como cultural. Em suma, uma cidade onde não há política pública para juventude.

É exatamente o mesmo discurso da minha geração, como podem perceber pelo verso do poema “até quando?” de minha autoria, mas que reflete o espírito daquela geração. Para mim isso mostra em grande medida, que apesar das mudanças econômicas e sociais pelas quais a cidade passou (sobretudo após a construção da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães), para a juventude as coisas permanecem iguais. E uma das consequências disso é a ausência de um sentimento de pertencimento ao lugar. E quando você não se sente parte do lugar, acaba não se importando muito com os problemas locais e suas resoluções.

Por isso para muitos desses jovens o caminho é jogar uma mochila nas costas e partir em busca de um lugar onde tenham oportunidades para se desenvolver. Depois de algum tempo alguns até retornam, mas a grande maioria não. Outros dividem a vida entre  Lajeado e Palmas. E como a capital oferece oportunidades que não existe no Lajeado, a tendência é esses jovens viverem mais em Palmas e ter Lajeado como um lugar de repouso – uma cidade dormitório.

Esse foi o destino de muitos da minha geração, como também de outras. E se não houver uma quebra de paradigma será também o desta.

Há também aqueles que optam (ou não conseguem sair). Para esses as perspectivas são ainda piores. Sem uma qualificação melhor e um mercado de trabalho escasso não há muito alternativa de escolha. Alguns constituem famílias muito jovens – as meninas engravidam ainda na adolescência e são obrigadas a abandonar a escola – os meninos encontram no álcool e outras drogas ilícitas uma fuga da realidade. Aliás, o alcoolismo e a gravidez na adolescência são duas expressões da questão social muito comum na juventude lajeadense – que não serão extintas sem políticas públicas que enfrente esses problemas.

Diante disso, faz-se necessário pensar em políticas públicas para juventude lajeadense, ou continuaremos perdendo talentos  (e sua energia) que poderiam ser utilizados para a melhoria das condições de vida na cidade, para outros municípios, outros Estados ou ainda pior, para as drogas e para o crime. Isso, no entanto, não significa que o enfoque dessas políticas públicas deva partir da ideia da juventude como problema social, mas sim como sujeitos sociais. 

Seguindo essa linha, é importante destacar a diferença entre essas duas perspetivas. De acordo com Groppo (2017) quando a juventude é tida como um problema social, “ela aparece na figura do perigo, risco ou regressão às drogas, à promiscuidade e a violência”. Já quando o jovem é visto como sujeito social, se reconhece “ a importância de se ouvir, entender e considerar as vozes juvenis no mundo público: na escola, no trabalho e na política, inclusive na formulação das políticas públicas para a juventude”. 

Para Andrade (2010) houve uma mudança, á nível nacional, no que consiste a elaboração de políticas públicas para juventude e a problematização dos diretos dos jovens. De acordo com essa autora “na última década, a juventude conquistou uma posição de destaque na agenda nacional. No campo das políticas públicas específicas para este segmento social, considera-se que o país avançou a passos largos”. Ela ressalta como exemplo a criação do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), o Pro Jovem e a criação de estruturas administrativas a níveis estaduais e municipais. Ainda de acordo com Andrade (2010) “direitos e oportunidades são palavras-chaves na linguagem que caracteriza a atual Política Nacional de Juventude. São reafirmados os direitos à saúde, à educação de qualidade, às oportunidades de inserção no mundo do trabalho, à moradia, ao lazer e à segurança, ou seja, consolidam-se políticas que visam direitos universais”. 

Diante disso o desafio é fazer com que essa política chegue efetivamente a toda a juventude brasileira – o que não é uma tarefa fácil, ainda mais com o desmonte do estado brasileiro que tem sido levado a cabo pelo governo Bolsonaro. Nos municípios pequenos como Lajeado então, ainda é mais difícil. Sobretudo pela falta de articulação e organização da juventude para se fazer ouvir pelo poder público local. Desse modo as parcas políticas que existem acaba tendo como visão o jovem como problema social. 

Para se contrapor a esse processo é fundamental que a juventude se articule e se organize (seja em movimentos populares, movimento estudantil, sindicatos, associações entre outros) para reivindicar e lutar pelos seus direitos. Em Lajeado já houve alguma iniciativa nesse sentido, mas que se perderam sobretudo pelo fato dos lideres desses movimentos terem se deixado cooptar. Hoje o que restou foram alguns grupos de jovens ligados as igrejas (católicas e protestantes), mas que não representam e nem tem capacidade de dialogar e organizar a juventude de Lajeado em torno de pautas comuns.

A juventude lajeadense não pode ficar de braços cruzados esperando que a iniciativa de criar políticas públicas parta somente do poder público. Afinal de contas ninguém melhor do que ela própria para dizer o que quer ou pelo menos o que não quer. Aliás, eis aí uma diferença entre a minha geração e a geração atual. Se a minha geração não teve uma participação efetiva na política institucional da cidade, discutindo e contribuindo na elaboração de políticas públicas. Pelo menos não se acomodou e protagonizou movimentos culturais importantes que rompia com a mentalidade conservadora local. Num momento que era bem mais difícil ter acesso a produtos culturais (pois não havia internet, radio, ginásio de esportes e Palmas não era tão acessível como é hoje) não nos acomodavamos e construiamos alternativas para que não tivéssemos que “cortar os pulsos” para escapar do tédio. 

Não se trata aqui de dizer que uma geração foi melhor que a outra (o discurso saudosista do tipo: - Ah, na minha geração as coisas eram diferentes) pois como pontuamos no início o discurso de ambas as gerações acerca do Lajeado não é diferente, a diferença é a atitude. Enquanto aquela geração buscava agir (mesmo com todas as limitações), a geração atual se acomoda. E se fazendo alguma coisa já é difícil mudar, imagine não fazendo nada. 

Isso no entanto não exime o poder público no sentido de garantir, estruturalmente, condições para que os jovens possam se desenvolver. Esse foi um dos limites da minha geração – não ter consciência política para cobrar do poder público direitos e oportunidades para se desenvolver. De modo que se essa geração de agora conseguir alcançar essa consciência, dará um salto significativo.

Nesse sentido o primeiro ponto é desconstruir a visão que se tem acerca da política – uma visão que leva a apatia ou a negação. Uma visão construída a partir de uma compreensão reducionista da política entendida unicamente a partir da briga dos partidos políticos pelo poder, do vale tudo eleitoral e dos desvios éticos.

A política não se reduz às organizações partidárias, às eleições ou à corrupção. De acordo com Aristóteles (1961) “o objetivo da vida política é o melhor dos fins” e o melhor dos fins é a felicidade á qual alcançamos através de uma vida virtuosa. Nesse contexto o papel da política é buscar “com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”. Como podemos perceber, é o oposto do que se compreende por política na atualidade – como um meio para alcançar interesses individuais.

Diante disso, defendo o resgate do conceito clássico de política. Tal como concebida por Aristóteles. Creio que é a partir daí que será possível desconstruir a visão reducionista de política. Ora, para ter uma vida política ativa você não precisa necessariamente estar filiado a um partido político e se candidatar a um cargo público. Para ter uma vida política ativa você deve buscar contribuir para que sua cidade seja um lugar melhor para se viver. Mas como? Você deve estar perguntando. Fiscalizando as ações do poder público, denunciando os desvios e os descasos com os recursos públicos, participando das discussões acerca dos problemas locais, propondo projetos entre outros. Óbvio, essas ações terão mais eficácia se forem frutos de um coletivo e não iniciativas individuais. Esse coletivo pode ser um grêmio estudantil, uma associação, uma pastoral social, um sindicato entre outros.

Nesse contexto enfatizamos o papel da educação – educação compreendida no seu sentido abrangente tal como defendida por filósofos como Mészáros. Nessa concepção de educação o processo formativo não se reduz a escola, pelo contrário. Mészáros ressalta que, muito do nosso processo contínuo de aprendizagem se situa fora das instituições educacionais formais. De modo que se quisermos romper com a lógica educacional hegemônica, não podemos desprezar os diferentes saberes produzidos fora do ambiente formal. Ele no entanto, não nega a importância da educação formal, e inclusive acredita que apartir do momento que ela conseguir estabelecer um  intercâmbio progressivo com outros processos educativos, que não os formais, poderá realizar suas aspirações emancipadora – poderá contribuir para que os jovens possam se conscientizar politicamente. E a partir dessa tomada de consciência lutar pelos seus direitos e por mais oportunidade.

É importante destacar que em Lajeado algumas políticas do poder público local (em especial a garantia de transporte público universitário gratuito) contribuiu para que na última década o número de jovens com uma melhor formação profissional aumentasse no município. Não há números disponíveis acerca de quantas pessoas foram beneficiadas com essa iniciativa. Aliás seria interessante a Secretaria Municipal de Educação fazer esse levantamento, para que tivéssemos uma ideia melhor da importância dessa política. Ainda que não seja uma política exclusiva para juventude ela é a mais beneficiada. Não tenho dúvida que muitos jovens não teriam condições de cursar um curso técnico ou superior em Palmas se não fosse a garantia do transporte gratuito. 

Por outro lado essa iniciativa é insuficiente para atender todos os jovens que concluem o ensino médio todos os anos no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Daí a importância de buscar parceria com instituições de ensino para realização de cursos técnicos e superiores no próprio município. No final de 2019 á prefeitura de Lajeado anunciou parceria com o IFTO (Instituto Federal do Tocantins) para oferta de três cursos técnicos no município na modalidade á distância (EAD), o que sem dúvida é um avanço. Nessa linha é importante que também se pense na oferta de cursos superiores e de pós-graduação. Ainda que na modalidade EAD. 

Conjuntamente com a questão educacional deve se pensar em políticas para aproveitar a mão de obra qualificada que está sendo formada. E isso se dá a partir do investimento em diversas áreas para dinamizar o comércio local e criar novas oportunidades de negócios – como por exemplo no setor de turismo que é sempre lembrado nas campanhas eleitorais – mas só nas campanhas eleitorais. Também tem a pesca, a agricultura, o artesanato entre outros setores que tem potencial para melhorar a economia da cidade e ampliar as oportunidades de trabalho. O que não dá é a prefeitura continuar sendo o maior empregador do município, pois por mais boa vontade que tenha o gestor ou gestora de plantão, é impossível empregar todo mundo que precisa de trabalho na cidade. 

Por outro lado não tem sentido ter mão de obra qualificada na cidade e trazer pessoas de outros municípios para ocupar essas vagas (a não ser que seja por concurso público, onde prevalece o mérito da pessoa e não quem indica e por quê).

Mas como diz os Titãs (a banda) na canção “Comida” – “A gente não quer só comida. A gente quer comida diversão e arte...”. Para juventude então isso é fundamental. E é ausência disso em grande medida responsável pelo discurso de que Lajeado é uma cidade parada. Não há cinema, não há teatro, não há museus, não há exposições artísticas, não há shows musicais, não há livrarias, não há eventos culturais que valorizem a cultura da região (há não ser algo pontual). Em suma, não há eventos artísticos em Lajeado. 

No entanto não quer dizer que as pessoas não se divertem. Até por que não precisam de muito para se divertir – tendo cachaça e som as pessoas se viram. E isso os bares oferecem. Mas se quiser um programa (onde não apenas se divirta mas também aprenda e melhore como ser humano) deve se deslocar para capital. E é o que muitos jovens fazem. 

Diante disso defendemos a necessidade de se pensar em políticas públicas para juventude também no campo cultural – construindo espaços e promovendo eventos para que os jovens tenham acesso a produções artísticas diversificadas. E quiçá futuramente possam se tornar artistas, produzir  e expor seus trabalhos. Talentos a cidade tem, mas esses talentos precisam ser lapidados.

Iniciativas nesse sentido deve ocorrer também no campo dos esportes – que não pode ficar reduzido ao futebol. Lajeado tem diversos talentos em outras áreas como o skate, voleibol, ciclismo, atletismo entre outros que merecem a atenção do poder público.

Enfim, Lajeado precisa avançar muito no que consiste a instituição de políticas públicas para a juventude – políticas públicas que garanta o acesso á educação, saúde,  mercado de trabalho mas também á cultura. Esse é o caminho para que o município consiga evitar que seus jovens tenham que abandonar o lugar por falta de oportunidades. No entanto não acreditamos que isso ocorrerá enquanto a juventude não tomar consciência de que ela é quem deve protagonizar esse processo. E aí quem sabe no futuro quando se perguntar para os jovens o que Lajeado é para eles, teremos uma resposta diferente da atual.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

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REFERÊNCIAS 

ANDRADE, Carla Coelho de. Juventude e políticas públicas no Brasil. IPEA. Ano 7, Edição 60. Brasília, 2010.

GROPPO, Luís Antonio. Juventude e políticas públicas: comentários sobre as concepções sociológicas de juventude. Desindades. Vol 14. Rio de Janeiro. Mar. 2017.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. – 2º ed. – São Paulo: Boitempo, 2008.

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