domingo, 21 de março de 2021

Reflexões sobre o Bolsonarismo a partir do “Esboço para uma teoria das emoções”, de Jean-Paul Sartre

Por que nos emocionamos? Vamos da alegria a tristeza – do medo a coragem. Sentimos cólera entre outros? É o que busca responder no seu “Esboço para uma teoria das emoções” o filósofo francês Jean-Paul Sartre. Seu objetivo é fazê-lo a partir de uma perspectiva fenomenológica. Nosso objetivo aqui é a partir da leitura dessa obra refletir sobre a conduta emotiva do Bolsonaro e seus correligionários. 

Sartre é um dos grandes nomes da Filosofia e da Literatura na contemporaneidade. Deixou importantes obras nesses dois campos. Entre elas destacam-se: O ser e o nada (1943), O existencialismo é um humanismo  (1946), A náusea  (1938), A idade da Razão (1945). Já a obra em questão aqui foi publicada em 1939 e tem uma forte influência da perspectiva filosófica de Heidegger e Husserl, que ele entrou em contato em 1933 ao ganhar uma bolsa de estudo que lhe permitiu estudar no Instituto Francês de Berlim (Alemanha).

Em “Esboço para uma teoria das emoções”, Sartre inicia pontuando as diferenças entre uma abordagem fenomenológica e uma abordagem psicológica. É a partir daí que ele afirma que o fenomenólogo deve buscar o significado da emoção. Esse significado é o todo da consciência humana – que não vem de fora, como é o caso da alegria e da tristeza. Mas que certamente busca algo além. 

Sartre nos dirá que a emoção é uma forma organizada da existência humana. Desse modo ela precisa ser abordada como um fenômeno. Nosso filósofo se opõem fortemente a perspectiva de que a emoção seria desordem ou um caos puro em relação ao nosso ser psíquico com o mundo. 

Ao analisar algumas teorias clássicas sobre a emoção, em especial a de W. James – que vê a emoção como grupos de fenômenos. A saber, os Psicológicos  (Estado de Consciência) e os Fisiológicos  (Consciência das manifestações). E a teoria de Janet que a vê como uma conduta – discordando de que a mesma seria apenas distúrbios fisiológicos, mas também consciência de um fracasso e de uma conduta de fracasso. Sartre reafirma a visão de que a conduta emocional não é de modo algum reflexo de uma desordem. Pelo contrário, é um sistema organizado de meios que visam a um fim.

Nosso filósofo dirá que esse sistema organizado é usado para mascarar, substituir, rechaçar uma ação que não se pode ou não se quer assumir. Um bom exemplo que nos ajuda a entender melhor essa questão é a diferença entre o nosso comportamento na vida real e nas redes sociais (virtuais). Sartre salienta que do ponto de vista psicológico somos nos que nos colocamos em estado de inferioridade e agimos de forma medíocre, buscando soluções grosseiras. Nesse contexto, para o nosso filósofo, a cólera é uma evasão.

 O exemplo da conduta de Bolsonaro e seus correligionários, nos faz compreender bem essa questão. O discurso de ódio é sempre utilizado como uma fuga do problema ou como uma tentativa de desviar o foco da discussão. Analisando a teoria psicanalítica, Sartre nos diz que não é possível compreender a emoção se não buscarmos uma significação – que está na consciência e não fora dela. De modo que para descobrir essa significação a consciência deve ser interrogada de dentro para fora e não o contrário. 

Para Sartre tudo o que se passa na consciência só pode ser compreendida a partir da própria consciência. O que significa dizer que os fatos emotivos só podem ser compreendidos pela própria consciência. Nosso filósofo afirma que a partir da perspectiva psicanalítica, a consciência que se faz ela mesma consciência. E a partir dai organiza a emoção como resposta a uma situação exterior. 

Analisando a conduta do Bolsonaro a partir dessa perspectiva podemos afirmar que a indiferença expressa nas suas ações diante das milhares de vítimas da sua política de combate ao Coronavírus. É na verdade uma conduta organizada para esconder a sua culpa. Muitas vezes pensamos que as suas declarações são irrefletidas. E podem  até ser. Mas é importante se atentar para o que diz Sartre ao apresentar o seu esboço sobre a teoria fenomenológica, ele diz que uma conduta irrefletida não é inconsciente. Ela é consciente dela mesma.

A partir da perspectiva fenomenológica, Sartre define a emoção como transformação do mundo. Pois mesmo quando não há mais perspectivas não deixamos de agir. Ao agir não podemos evitar o perigo, e  não podendo evitar eu nego. É  A partir daí que compreendemos o medo – como uma consciência que visa negar através de uma determinada conduta. 

A partir dessa perspectiva podemos fazer um paralelo com o discurso negacionista do Bolsonarismo. Tal discurso reflete a incapacidade de se buscar uma  mudança de conduta, que levaria a uma mudança de situação. Na verdade o que se quer é mudar a situação sem mudar a conduta, o que dificilmente ocorrerá.

Para o nosso filósofo a emoção é sofrida, tendo em vista que a sua origem é uma degradação espontânea e vivida da consciência diante do mundo. Ele também chama atenção para o fato de que a consciência é vítima  de sua própria armadilha. Por exemplo em relação ao medo, quanto mais se foge mais medo se tem. Para Sartre a emoção é a intuição do absoluto. Perceber um objeto qualquer como horrível é percebe-lo sobre o fundo de um mundo que se revela como sendo horrível. No caso de Bolsonaro o que temos é o ódio e a indiferença como válvula de escape, quanto mais negacionismo mais ódio e indiferença. Para concluir, Sartre nos diz que junto com a consciência emotiva sempre há uma reflexão cúmplice que percebe. Isto é, há sempre uma justificativa para minimizar determinadas condutas. Como se diz popularmente, “passar a mão na cabeça”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

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Referência: SARTRE. Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Tradução de Paulo Neves. - Porto Alegre. L&PM, 2008.

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