domingo, 30 de janeiro de 2022

Conto: “E quem um dia irá dizer...”

Enquanto colocavam o papo em dia, ele não deixava de observar a sua volta. Era a primeira vez que ia aquele local. E isso era certamente um dos motivos por que chamava atenção de todos ali. Mesmo incomodado por ser o centro das atenções, ele tentava relaxar.

Ela chegou acompanhada do marido. Tinha ido buscar um lanche. Ele não pode deixar de nota-lá. Ela fora a sua grande paixão da juventude. Ele pensava consigo: - Nossa, eu amei tanto essa mulher. E hoje não sinto nada. Como pode? Estranho, não?! E então, ele começou a lembrar da sua juventude – de quando encontrar com ela era a melhor parte do dia. Mas aquelas lembranças não o faziam sofrer. Pelo contrário, era engraçado lembrar daquele amor da adolescência – um tanto exagerado – indo na contra mão do seu perfil discreto – conservador. 

Eles se conheciam há algum tempo, mas foi no Colegial que se tornaram mais íntimos. Ela que não era muito sociável acabou encontrando nele uma das poucas pessoas naquela escola por quem se simpatizasse e conversava. E foi a partir daí que de uma hora para outra ele se viu perdidamente apaixonado por ela. 

Ir para escola tornou-se a melhor parte do dia, pois era quando se encontravam. Ele podia está de mau humor, era só vê-la, trocar uma ideia com ela que o seu sorriso abria. Ela igualmente. Quando chegava sexta-feira era uma tristeza só, pois significava que só iriam se encontrar novamente na segunda-feira. E ficar dois dias sem vê-la, sem falar com ela, era uma tortura. No último ano do Colegial, quando chegou então o mês de férias, ele achou que enlouqueceria.

Era perceptível que ela gostava dele. Mas será se era o mesmo sentimento que ele tinha por ela? Ou era só amizade? Os amigos deles acreditavam que havia algo entre os dois. Mas a verdade que eles nunca conversaram sobre coisas nesse sentido. Se ela nutria algum sentimento por ele, além de amizade, nunca lhe disse. Ele por sua vez nunca teve coragem de se declarar.

Quando retornaram das férias escolares, uma guria que acabara de chegar na cidade se aproximou dele e acabaram ficando. E aquela paixão que ele sentia por ela foi se extinguindo.

Chegou ao final o ensino médio. E cada um seguiu o seu rumo. Ela se casou, formou uma família, teve filhos. Já ele decidiu focar nos estudos, não casou e nem teve filhos. Nunca mais haviam se visto, até aquele dia. E depois de tanto tempo ele percebeu que não sentia mais nada por ela. E da forma indiferente que ela o olhou, o sentimento era recíproco. 

Ele pensava consigo: - as vezes a gente alimenta a ilusão de encontrar um amor do passado e reviver agora o que não foi possível lá atrás. Que besteira?! Isso é reflexo do tanto de romance de novela que você engoliu a vida inteira. A vida real é diferente meu caro.

Enquanto isso sua amiga continuava falando. Ele mostrava todo interesse naquela conversa. E assim nem percebeu quando ela foi embora. Pensava consigo: - tenho que escrever sobre essa experiência. É muito estranho esse negócio de sentimento – é estranho ver que alguém que já fora tão importante para gente já não é mais. Mas como diz a canção: “Quem um dia irá dizer que não existe razão/Nas coisas feitas pelo coração/E quem me irá dizer que não existe razão...”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Trilhas de Cantigas – Toninho Borges

Desde que ouvi “Trilhas de cantigas”, “Gestação da terra”, mas sobretudo a bela “Origens e lembranças”. Vi que não estava diante de um artista qualquer. Toninho Borges me lembrou Elomar – que na minha visão é o maior representante da música Sertânica desse país. As letras das cantigas desse Mineiro que há muitos anos vive no Tocantins nos remete a infância daqueles que cresceram no interior.

“No corte do facão/no "taio" da enxada/maroto furando meu pé/e minha mâo calejada/é que preparo a terra/pra quando o céu chover/engravidar a semente/e a vida florescer...”

Nesses versos da canção “Gestão da Terra” o artista nos mostra a luta do camponês no preparo da terra para plantação. Uma rotina dura mas necessária para sobrevivência de muitas famílias. Hoje essa realidade mudou bastante com a mecanização da produção agrícola. Por isso os versos nos remete a um passado.

“Nas encontas e vazantes/e nas beiras de rio/quando vem chegando as águas/tudo aqui entra no cio/o verde espalha feito manto/e cobre a vegetação/renasce no ventre da terra/o milagre da reprodução...”

Ainda em Gestão da Terra, temos outro verso qua nos remete a algo que não existe mais. Com o avanço da construção das Usinas Hidrelétricas no leito do Rio Tocantins, já não há mais vazantes. Muitos tiveram que deixar suas terras e dá lugar a empreendimentos turísticos. 

No título da canção “Origens e Lembranças”, temos a temática que será desenvolvida. Toninho Borges nos apresenta um belo poema. Pois eis o que é a letra dessa canção – um belo poema – que desperta em nós a saudade de algo que se perdeu. Mas que sobrevive no nosso pensamento. 

“Tão distante do meu lugar/Como folhas nas asas do vento/Pé de serra caminhos de casa/Nunca saem do meu pensamento...”.

Nesses versos percebemos um elemento que o filósofo Adolfo Sánchez Vásquez destaca ao falar da verdadeira arte popular – O contato com a vida humana, com o povo. E assim ela se torna a arte universal por expressar os anseios do povo. Nesse caso daqueles que precisam deixar a sua terra natal e que acalentam na memória o desejo de um dia retornor. Mas ao mesmo tempo sabe que isso não é mais possível. Resta por tanto a saudadede de um tempo que se foi.

“Eu sou um menino moleque/Colhendo versos maduros no chão/A saudade invadiu minha terra/Fez morada no meu coração...”.

Em “trilhas de cantiga” temos mais uma canção onde a saudade de um tempo que se foi dá o tom. E mais uma vez percebemos os elementos que Vásquez fala sobre a arte popular. A saudade é um sentimento universal, por mais que o artista esteja falando da sua vivência. Essa vivência nos remete a vida de muitos que deixam a casa paterna na busca por seus sonhos. 

“Nas curvas de um rio plantei a saudade/E o meu destino nas veias do violão/Um trem que me leva pra outras cantigas/Eu parto asssim sem rumo sem direção...”.

Que privilégio o nosso que esse cantador, filho de Vaqueiro, lá do Jequitinhonha teve como rumo o Norte e como direção o Tocantins. Em 2021, ele foi um dos muitos artistas que produz arte no Tocantins contemplado com recursos da lei de emergência cultural Aldir Blanc – É daí que nasceu o show Trilhas de Cantigas em formato de live (disponível no youtube – https://www.youtube.com/watch?v=03d-4H24DEI). Nesse projeto temos a oportunidade de apreciar um pouco da obra desse talento da música sertanica. Se ainda não conhece a obra do Toninho Borges, eis aí uma boa oportunidade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Crônica: O perigo mora ao lado

Domingo á noite. Por volta das 22h ouço tocar o meu telefone celular. Quem estaria me ligando naquele horário? Não é comum alguém me ligar á noite. Aliás, com o whatsapp as ligações tornaram-se coisa rara. Levanto e vou até o aparelho que está carregando. – ah, é minha mãe. Nesse horário? Ela que gosta de dormir com as galinhas. O que seria?

- Pedro. Me diz uma coisa. Eu comprei a passagem para depois de amanhã. Mas dependendo das coisas eu não vou não. Tá chovendo muito, aqui em Goiânia não parou de chover desde que cheguei. Ai também tá do mesmo jeito. Me mandaram os vídeos que ai tá tudo cheio. Essa barragem não tem perigo de estourar não?  E eu vou só morrer?! É melhor vocês virem para cá e deixar tudo aí. 

Eu sorri. E ela disse: - Você faz é sorrir? A verdade é que eu não sabia o que dizer. De fato estava chovendo muito. Não me recordo de um inverno com tanta chuva desde que moro em Lajeado. Ainda mais em Dezembro. E como seria Janeiro que é o mês das águas? Mas até então não havia parado para pensar na barragem. Os tais vídeos que circulavam no whatsapp ainda não tinha  chegado a mim. E como quase não saio de casa não vi a cheia do rio e nem me liguei no som da água passando pelas comportas. 

Busquei então acalma-lá. Falar que era natural as comportas abertas devido o volume de chuva. Falei também que não era novidade a cheia a baixo da usina – sendo perigoso para quem ali vive. Mas quanto a possibilidade da barragem estourar, não. De todo modo, se fosse para ela ficar nervosa, tudo bem cancelar o retorno para Lajeado. Ela, no entanto, parecia ter ficado mais tranquila e disse: - Não. Eu vou. Se for o nosso destino morrer aí, que seja. Nos despedimos e voltei a assistir a TV. Mas aquele assunto não saiu da minha cabeça. 

- Será se o rio tá tão cheio assim? Estão todas as comportas abertas 100%? De fato tem chovido muito. A pouco tinha visto que na Bahia, duas barragens tinham rompido. Mas será se são barragens do porte da daqui? Levantei, fui até o quintal para ver se ouvia o som da água passando pelas comportas. Era possível ouvir, mas me pareceu que não estava tão forte. Sorri da situação – esse povo se desespera por qualquer coisa e faz a gente entrar na onda – Voltei a fazer o que estava fazendo antes. E dormi tranquilamente. 

No dia seguinte o medo era geral em Lajeado, Miracema e Tocantinia. Os vídeos começaram a circular, áudios e notícias (falsas) alarmantes . Começara uma peregrinação até as barrancas do rio para observar a fúria das suas águas. Tudo aquilo me pareceu cômico. – não é para tanto. Fiquei pensando numas coisas loucas do tipo: como seria se na virada do ano as sirenes tocassem por acidente. Seria um caos, não?!

Mas esse medo que o povo tem da barragem tem lá a sua razão. Além das notícias falsas, durante esse ano tivemos que conviver hora e outra, com os testes da sirene de alerta. Ainda que sejam testes vai se criando uma paranóia na população. Sem falar nas placas indicando a rota de fuga e do treinamento de evacuação que ocorreu. Se Ariano Suassuna estivesse vivo e nos visitasse diria que é uma coisa por demais agourenta. 

Mais cedo eu havia saído para correr para as bandas da praia do segredo. E observando o lago me pareceu que estava no volume controlado. Mas por alguns minutos pensei na possibilidade de toda aquela água invadir a cidade. Como seria acordar com a água tomando tudo? Teria força para nadar e me salvar? Seria impossível alguém se salvar. Pensei no quanto devia ser angustiante morrer afogado. Não me parece ser uma morte muito atrativa. Me assustei com aqueles pensamentos. 

– Se a gente for pensar nisso, entra em pânico, enlouquece, vai embora da cidade. E assim, logo tratei de pensar em outras coisas. Sorrir da situação. Pensei em fazer uma provocação nos grupos do whatsapp do tipo: - pessoal não vamos confiar no que os técnicos da Ivestico (empresa responsável pela UHE) estão dizendo. Vamos todos subir para o Morro do Segredo e só vamos descer quando as águas baixarem. Em tempos de negacionismo era bem provável que me levassem a sério, não é mesmo?!

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.