terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Trilhas de Cantigas – Toninho Borges

Desde que ouvi “Trilhas de cantigas”, “Gestação da terra”, mas sobretudo a bela “Origens e lembranças”. Vi que não estava diante de um artista qualquer. Toninho Borges me lembrou Elomar – que na minha visão é o maior representante da música Sertânica desse país. As letras das cantigas desse Mineiro que há muitos anos vive no Tocantins nos remete a infância daqueles que cresceram no interior.

“No corte do facão/no "taio" da enxada/maroto furando meu pé/e minha mâo calejada/é que preparo a terra/pra quando o céu chover/engravidar a semente/e a vida florescer...”

Nesses versos da canção “Gestão da Terra” o artista nos mostra a luta do camponês no preparo da terra para plantação. Uma rotina dura mas necessária para sobrevivência de muitas famílias. Hoje essa realidade mudou bastante com a mecanização da produção agrícola. Por isso os versos nos remete a um passado.

“Nas encontas e vazantes/e nas beiras de rio/quando vem chegando as águas/tudo aqui entra no cio/o verde espalha feito manto/e cobre a vegetação/renasce no ventre da terra/o milagre da reprodução...”

Ainda em Gestão da Terra, temos outro verso qua nos remete a algo que não existe mais. Com o avanço da construção das Usinas Hidrelétricas no leito do Rio Tocantins, já não há mais vazantes. Muitos tiveram que deixar suas terras e dá lugar a empreendimentos turísticos. 

No título da canção “Origens e Lembranças”, temos a temática que será desenvolvida. Toninho Borges nos apresenta um belo poema. Pois eis o que é a letra dessa canção – um belo poema – que desperta em nós a saudade de algo que se perdeu. Mas que sobrevive no nosso pensamento. 

“Tão distante do meu lugar/Como folhas nas asas do vento/Pé de serra caminhos de casa/Nunca saem do meu pensamento...”.

Nesses versos percebemos um elemento que o filósofo Adolfo Sánchez Vásquez destaca ao falar da verdadeira arte popular – O contato com a vida humana, com o povo. E assim ela se torna a arte universal por expressar os anseios do povo. Nesse caso daqueles que precisam deixar a sua terra natal e que acalentam na memória o desejo de um dia retornor. Mas ao mesmo tempo sabe que isso não é mais possível. Resta por tanto a saudadede de um tempo que se foi.

“Eu sou um menino moleque/Colhendo versos maduros no chão/A saudade invadiu minha terra/Fez morada no meu coração...”.

Em “trilhas de cantiga” temos mais uma canção onde a saudade de um tempo que se foi dá o tom. E mais uma vez percebemos os elementos que Vásquez fala sobre a arte popular. A saudade é um sentimento universal, por mais que o artista esteja falando da sua vivência. Essa vivência nos remete a vida de muitos que deixam a casa paterna na busca por seus sonhos. 

“Nas curvas de um rio plantei a saudade/E o meu destino nas veias do violão/Um trem que me leva pra outras cantigas/Eu parto asssim sem rumo sem direção...”.

Que privilégio o nosso que esse cantador, filho de Vaqueiro, lá do Jequitinhonha teve como rumo o Norte e como direção o Tocantins. Em 2021, ele foi um dos muitos artistas que produz arte no Tocantins contemplado com recursos da lei de emergência cultural Aldir Blanc – É daí que nasceu o show Trilhas de Cantigas em formato de live (disponível no youtube – https://www.youtube.com/watch?v=03d-4H24DEI). Nesse projeto temos a oportunidade de apreciar um pouco da obra desse talento da música sertanica. Se ainda não conhece a obra do Toninho Borges, eis aí uma boa oportunidade.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

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