quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Crônica: O perigo mora ao lado

Domingo á noite. Por volta das 22h ouço tocar o meu telefone celular. Quem estaria me ligando naquele horário? Não é comum alguém me ligar á noite. Aliás, com o whatsapp as ligações tornaram-se coisa rara. Levanto e vou até o aparelho que está carregando. – ah, é minha mãe. Nesse horário? Ela que gosta de dormir com as galinhas. O que seria?

- Pedro. Me diz uma coisa. Eu comprei a passagem para depois de amanhã. Mas dependendo das coisas eu não vou não. Tá chovendo muito, aqui em Goiânia não parou de chover desde que cheguei. Ai também tá do mesmo jeito. Me mandaram os vídeos que ai tá tudo cheio. Essa barragem não tem perigo de estourar não?  E eu vou só morrer?! É melhor vocês virem para cá e deixar tudo aí. 

Eu sorri. E ela disse: - Você faz é sorrir? A verdade é que eu não sabia o que dizer. De fato estava chovendo muito. Não me recordo de um inverno com tanta chuva desde que moro em Lajeado. Ainda mais em Dezembro. E como seria Janeiro que é o mês das águas? Mas até então não havia parado para pensar na barragem. Os tais vídeos que circulavam no whatsapp ainda não tinha  chegado a mim. E como quase não saio de casa não vi a cheia do rio e nem me liguei no som da água passando pelas comportas. 

Busquei então acalma-lá. Falar que era natural as comportas abertas devido o volume de chuva. Falei também que não era novidade a cheia a baixo da usina – sendo perigoso para quem ali vive. Mas quanto a possibilidade da barragem estourar, não. De todo modo, se fosse para ela ficar nervosa, tudo bem cancelar o retorno para Lajeado. Ela, no entanto, parecia ter ficado mais tranquila e disse: - Não. Eu vou. Se for o nosso destino morrer aí, que seja. Nos despedimos e voltei a assistir a TV. Mas aquele assunto não saiu da minha cabeça. 

- Será se o rio tá tão cheio assim? Estão todas as comportas abertas 100%? De fato tem chovido muito. A pouco tinha visto que na Bahia, duas barragens tinham rompido. Mas será se são barragens do porte da daqui? Levantei, fui até o quintal para ver se ouvia o som da água passando pelas comportas. Era possível ouvir, mas me pareceu que não estava tão forte. Sorri da situação – esse povo se desespera por qualquer coisa e faz a gente entrar na onda – Voltei a fazer o que estava fazendo antes. E dormi tranquilamente. 

No dia seguinte o medo era geral em Lajeado, Miracema e Tocantinia. Os vídeos começaram a circular, áudios e notícias (falsas) alarmantes . Começara uma peregrinação até as barrancas do rio para observar a fúria das suas águas. Tudo aquilo me pareceu cômico. – não é para tanto. Fiquei pensando numas coisas loucas do tipo: como seria se na virada do ano as sirenes tocassem por acidente. Seria um caos, não?!

Mas esse medo que o povo tem da barragem tem lá a sua razão. Além das notícias falsas, durante esse ano tivemos que conviver hora e outra, com os testes da sirene de alerta. Ainda que sejam testes vai se criando uma paranóia na população. Sem falar nas placas indicando a rota de fuga e do treinamento de evacuação que ocorreu. Se Ariano Suassuna estivesse vivo e nos visitasse diria que é uma coisa por demais agourenta. 

Mais cedo eu havia saído para correr para as bandas da praia do segredo. E observando o lago me pareceu que estava no volume controlado. Mas por alguns minutos pensei na possibilidade de toda aquela água invadir a cidade. Como seria acordar com a água tomando tudo? Teria força para nadar e me salvar? Seria impossível alguém se salvar. Pensei no quanto devia ser angustiante morrer afogado. Não me parece ser uma morte muito atrativa. Me assustei com aqueles pensamentos. 

– Se a gente for pensar nisso, entra em pânico, enlouquece, vai embora da cidade. E assim, logo tratei de pensar em outras coisas. Sorrir da situação. Pensei em fazer uma provocação nos grupos do whatsapp do tipo: - pessoal não vamos confiar no que os técnicos da Ivestico (empresa responsável pela UHE) estão dizendo. Vamos todos subir para o Morro do Segredo e só vamos descer quando as águas baixarem. Em tempos de negacionismo era bem provável que me levassem a sério, não é mesmo?!

Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

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