sábado, 30 de abril de 2022

Quando falhamos? Da série Filosofia para crianças e Projeto de Vida

Á Agna Santos 


Quando falhamos? Foi o questionamento que me veio á cabeça numa aula de Projeto de Vida com os estudantes do 7° Ano do Ensino Fundamental. Não era a primeira vez que eles me surpreendiam com suas respostas aos meus questionamentos. Mas daquela vez fiquei pensando nisso: quando eles perdem essa consciência? Quando falhamos?

O nosso objetivo era trabalhar a competência 10 da BNCC – Responsabilidade e Cidadania. Adquir essa competência é “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. Como podemos ver não é algo que se alcança do dia para noite, por tanto deve ser trabalhado continuamente. Você deve está questionando: No Componente Curricular de Projeto de Vida? Diria que sobretudo nesse. Partindo da ideia de que um Projeto de Vida não pode ser construído a partir de uma perspectiva individualista. Afinal de contas não estamos sós no mundo.

O desafio que lancei a eles foi o seguinte (ao longo do ano letivo de 2021 desenvolvi a ideia de desafios em substituição a atividades): Cada um (individualmente) deveria apontar 03 ações realizadas por eles para tornar um determinado ambiente melhor. Sendo uma ação em Casa, outra na Escola e outra na Cidade. Isso deveria ser escrito no papel e depois compartilhado com uma breve justificativa. A consciência social e ambiental que eles demonstraram nas respostas me surpreendeu. E foi então que me veio o questionamento de quando é que fracassamos. Quando e por que eles vão perdendo esses valores?

Pensei no Emílio do Rousseau e a crítica que ele faz a Sociedade. Teria razão o filósofo Genebrino ao falar que a Sociedade nos degenera? Por isso a necessidade de uma educação voltada para formação de sujeitos fortes e livres?! Mas como é possível uma educação nessa perspectiva nos marcos de uma sociedade degenerada? Me parece que todo esforço que fazemos na Educação se perde no seio dessa sociedade cada vez mais individualista e mesquinha.

O Filósofo Jordi Nomen em uma entrevista ao El país, tem razão quando diz que ouvimos pouco as crianças. De acordo com ele “ainda não vencemos aquele velho preconceito de que as crianças estão meio perdidas e não têm critérios, por isso as vemos a partir de um certo paternalismo antiquado”. Ele  nos diz que isso é um erro grave, “porque não permite que a sua voz seja ouvida, saber o que pensam, o que sentem.”

Jordi Nomen faz um relato de um episódio em sala de aula que vai de encontro com a experiência que tive com meus alunos. Ele relata que: “outro dia, em uma classe da 5ª série, tivemos um debate sobre o que é o uso da imaginação. Uma rapariga, já com o debate avançado, disse: “o mal é que tudo isto que estamos a dizer perdemos à medida que envelhecemos, porque como temos tanta pressa e tantas obrigações não temos tempo para pensar e imaginar . " Essa é uma verdade como um templo e as crianças a contam com incrível facilidade”. 

Isso pode ser notado mesmo entre os alunos. Percebi que os estudantes do 6°, 7° e 8° do Ensino Fundamental tinham mais essa consciência cidadã, a preocupação com o coletivo. Já o 9° havia um individualismo maior – preocupação com namoros e trabalho, por exemplo. Tanto que decidi trabalhar sobre relacionamentos tóxicos com eles, tendo em vista o quanto esse assunto circulava na turma.

Continuando com as reflexões no Jordi Nomen. Ele nos diz que isso não se dá pelo fato de que com a passagem para a vida adulta há uma inversão de valores. Para o nosso filósofo a questão está no fato de que o discurso não se reflete na ação. “O discurso pouco adianta quando não há exemplo”. E aqui então chegamos a reposta ao questionamento acerca de quando fracassamos – quando as nossas ações caminham opostas ao nosso discurso. Assim torna sem sentido eu falar em responsabilidade, empatia, solidariedade, diálogo, cooperação,  cidadania. Como ensinar responsabilidade se não sou responsável?  Como ensinar o diálogo se não diálogo? Como formar cidadãos críticos se não exerço minha cidadania criticamente?

Apesar disso não deixa de ser importante trabalhar todas essas questões com as crianças no campo educacional. Daí mais uma vez à importância da presença da Filosofia para as crianças – ainda que no nosso caso seja através do Componente Curricular de Projeto de Vida. Para tanto o nosso autor propõem utilizar estórias infantis e o cinema – onde pode ser trabalhado não apenas as ideias (não ficar só no conceito) mas também o exemplo dos personagens.

Foi essa linha que seguimos no nosso trabalho com o Componente Curricular de Projeto de Vida junto às turmas do Ensino Fundamental (anos finais). E o resultado foi muito positivo. Óbvio que não tenho ilusão de que isso evitará que continuemos falhando. Pois se continuarmos, enquanto sociedade, agindo de forma incoerente, não podemos esperar outro resultado. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

segunda-feira, 25 de abril de 2022

O abril vermelho e a luta por reforma agrária

Abril é um mês muito caro para luta por reforma agrária no Brasil, foi nesse mês que há 26 anos, camponeses pobres em luta pela terra, foram assassinados no Eldorado dos Carajás. Não foi um episódio isolado, a história da luta pela terra no nosso país é marcada por sangue, suor e lágrimas.  

Nos últimos anos o agronegócio se fortaleceu tanto que mesmo num contexto do aumento dos preços dos alimentos, da desigualdade e da fome. A reforma agrária não aparece como alternativa nem nos programas dos Partidos de Esquerda. O aumento da violência e uma campanha de criminalização dos Movimentos de Camponeses Pobres enfraqueceu significativamente as jornadas de lutas, marchas e ocupações. De modo que a mística do abril vermelho, que após o massacre em El Dourado dos Carajás tornou-se um mês de luta em defesa da reforma agrária, está se perdendo. Com isso o sonho de Francisco Julião, João Pedro, José Porfirio, Dom Tomás Balduino, Plínio de Arruda Sampaio entre outros, parece que não é mais possível. 

Chegamos ao ponto que parece ser proibido falar em reforma agrária. E aqueles que desafiam essa proibição corre o risco de ser taxado de ultrapassado. Por isso, mesmo aqueles que se posicionam contra as consequências nocivas do modelo agropecuário hegemônico, não falam em reforma agrária. No máximo apoiam uma agricultura familiar dentro da lógica de mercado.

Nesse contexto, são poucos os que resistem – mais por necessidade do que por convicção. Para estes, mesmo sob ameaças diárias, resistir não é uma alternativa, mas uma questão de sobrevivência. E não tem sido fácil, como aponta o levantamento dos Conflitos no Campo 2021, realizado pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), que aponta um crescimento no número de conflitos e de mortes decorrentes destes.

Tais conflitos são alimentados pelo discurso de desprezo aos direitos humanos por parte do Governo Bolsonaro, sobretudo em relação as populações campensinas. Encorajados por esse discurso, verdadeiras milícias rurais foram montadas não só para proteger propriedades mas para atacar e expulsar populações tradicionais de seus territórios. Um exemplo disso foi um episódio que aconteceu em 2021 envolvendo grileiros e a Comunidade Quilombola Claro, Prata e Ouro Fino, no município de Paranã (TO). Analisando a denúncia da Comunidade Quilombola, podemos afirmar que houve uma espécie de terrorismo psicológico, onde homens armados ameaçou de morte as famílias locais, com um objetivo claramente de causar pânico e por consequência o abandono do território. 

Essa questão nos remete ao que o Geógrafo Ariovaldo Umbelino (2014) chama atenção para o fenômeno que ocorre na agricultura – a monopolização do território, por parte do capital financeirizado. Uma das consequências desse processo é certamente a repressão as comunidades que resiste a essa monopolização.

Tal questão é importante para compreendermos que não se trata de uma mera disputa entre comunidades tradicionais, camponeses pobres e latifundiários, tal como tínhamos outrora. Daí um ponto fundamental é perguntar por quem financia esses conflitos.

Sempre me incomoda as notícias que dão conta dos conflitos entre garimpeiros e índios na Amazônia. Por que nunca se faz um questionamento básico: quem está financiando esses garimpeiros? Por que uma coisa é óbvia. O aparato utilizado no garimpo requer um aporte financeiro significativo, assim como na agropecuária de grande porte.

Para finalizar, trazemos a memória o Plínio de Arruda Sampaio, que em um debate interno do PSOL em 2010, onde se decidia quem seria o candidato do partido a Presidência da República. Dirigindo-se a um grupo que defendia a moderação do discurso. Ele pediu para que tivessemos ousadia e não aceitassemos o discurso do proibido. Desse modo dizemos, não aceitemos que nos proibam de falar em reforma agrária, de lutar contra a violência e a desigualdade no campo. Não deixemos a mística do abril vermelho se perder.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Flusser, a Tecnologia e a Escola

Por mais críticas que tenhamos as consequências negativas do uso da tecnologia. Por exemplo, a presença do celular em sala. O fato é que ela está aí e não podemos ignorá-las. Ora, numa sociedade cada vez mais informatizada, o desafio de incorporar a tecnologia nos processos de ensino precisa ser enfrentado. Sobretudo para que não sejamos usados por ela. 

Há muitos pensadores que nos ajuda a refletir sobre essa questão. Marcuse é certamente um desses ao chamar atenção para construção de uma unidimensionalidade no contexto da sociedade industrial, impedido qualquer forma de pensamento crítico. Mas aqui nos interessa a contribuição de Vilém Flusser, filósofo Tcheco, autor entre outros de Filosofia da Caixa Preta – onde ele chama atenção para o surgimento da imagem técnica em substituição a escrita, o que vai culminar numa nova sociedade  (a sociedade informatizada) e por conseguinte num novo modelo de tempo.

Para Flusser (1983) cada modo de vida corresponde a um modelo de tempo. Por exemplo, no modo de vida pré-histórico havia um determinado modelo onde as imagens (cenas) predominavam de uma forma circular, “ordenando as coisas de maneira signficativa”. Nesse contexto “se uma coisa sai de seu lugar, é recolocada lá pelo tempo”. Já no modelo histórico, que surgiu a partir da invenção da escrita, temos uma perspetiva linear, onde nas palavras do próprio autor (1983):

“ o tempo é um rio que brota do passado, que pede o futuro e que arranca tudo. O presente é apenas um ponto fugaz de transição entre passado e futuro. As coisas não estão lá: elas se tornam e apontam para o futuro. Nada se repete: cada noite que segue um dia é uma noite nova e única. Qualquer momento perdido é uma oportunidade perdida. Qualquer ação é irrevogável. Tudo é, portanto, processo, acontecimento, progresso ou decadência, ordenado pela inescapável cadeia de causa e efeito.”

No entanto, para Flusser, com o advento da imagem técnica esse modelo de tempo entrou em decadência. Se antes era a escrita que caracterizava o modelo de tempo histórico, agora é a imagem técnica, isto é, produzida por uma máquina. Nesse novo contexto o tempo não segue uma perspetiva linear seguindo do passado, passando pelo presente e chegando ao futuro.

Para o nosso filósofo “o futuro é composto de virtualidades distintas. Não flui em minha direção como um rio, mas corre sobre mim como areia.” Esse contexto é marcado por uma grande dinamicidade vivida sob o signo do tédio. “Quando antecipo meu futuro, quando futurizo, não é que pego uma massa compacta, mas certas virtualidades distintas. Por exemplo, na forma de decisões pontuais”. Que são medidas pelo uso dos aparelhos que produzem imagens técnicas.

Nessa perspectiva é importante a definição de aparelhos para o nosso filósofo – isto é,  aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento humano. A consequência disso é que não preciso mais pensar conceitualmente já que as imagens técnicas produzida pelos aparelhos fazem isso por mim. 

A partir daí podemos afirmar com Flusser que ao invés de controlar o aparelho, estamos sendo controlados por ele. Para o nosso filósofo o aparelho adquiri uma autonomia plena. O que me parece bastante questionável essa ideia de uma espécie de uma “mão invisível controlando os aparelhos”. Na Sociedade Capitalista essa mão é bastante visível, como também ao que elas servem.

Enfim, diante desse contexto, como fica os processos de ensino? Como fica a Escola? A tecnologia está ai e não podemos ignora-la, assim como as consequências do seu uso de forma irracional, por exemplo, a ansiedade, o cansaço e o tédio. Para Flusser a única perspectiva de mudança passa por uma práxis conscientizadora – que se dá através da crítica ao funcionalismo, revertendo a situação,  isto é, ao invés de ser usado pelo aparelho, usa-lo. Daí que para o nosso filósofo, liberdade nesse contexto é jogar contra o aparelho. A partir daí podemos concluir dizendo que o desafio quanto ao uso da tecnologia na Escola segue essa perspectiva, mas não apenas de uma práxis conscientizadora, como também transformadora.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 15 de abril de 2022

Lima Barreto e a questão moral

Mentira, traição, hipocrisia e assassinato – São alguns dos elementos que encontramos nos contos do Lima Barreto. Através destes podemos perceber uma crítica mordaz a nossa sociedade formada por indivíduos medíocres – que se caracterizam por um moralismo extremado. “Faça o que eu digo, não o que eu faço”. Eis o lema dos moralistas. Com uma escrita objetiva e uma boa dose de humor e sarcasmo, Lima Barreto nos envolve numa leitura prazerosa mas ao mesmo tempo incomoda ao nos fazer refletir sobre a nossa moralidade. O que você faria na situação que ele nos apresenta em seus contos? Eis um exercício interessante a se fazer.

Quando falamos em ação estamos no terreno da moral. Este é um tema clássico dentro do pensamento filosófico. E a compreensão do que é agir moralmente vai mudando ao longo da história como reflexo das mudanças sofridas pela sociedade. Desse modo, dependendo da perspectiva filosófica a questão moral terá uma determinada resposta. Por exemplo, na perspectiva clássica (socrática/platônica e Aristotélica) é agir virtuosamente. Já na modernidade Kant defende uma perspectiva imanente onde agir moralmente é um dever. Não vamos adentrar nessa questão. Nos interessa aqui dois pontos: Primeiro, a moral como reflexo dos nossos costumes. Segundo, a moral como construção histórica. 

No conto “Numa e Ninfa” temos um casal que vive de aparência. Ele um bacharel de Direito Medíocre que se torna Juiz e depois deputado – graças a influência da família dela – foi exatamente por isso que ele lutou por esse casamento. Já ela por falta de alternativa melhor. Como deputado não era menos medíocre. Até que numa determinada ocasião, graças a ajuda dela, conseguiu mudar a visão da sociedade sobre ele. Ela escrevia os seus discursos, ele decorava e repetia. Tornou-se uma referência. Enquanto isso na intimidade sua esposa mantinha um caso com um primo. Ao descobrir o fato não pensou duas vezes – além do escândalo público seria o fim da sua carreira política. Então  preferiu o silêncio. Temos assim uma relação movida pela mentira e a traição – que não são problemas desde que seus interesses não sejam contrariados. No caso dele, ser um político respeitado graças aos discurso escrito por ela.

“O homem que sabia Javanês” é um clássico do nosso autor. Sem dúvidas um dos seus textos mais conhecido. Figura entre os melhores contos da América Latina, segundo a Coletânea homônima de 2008 organizada pelo Flávio Moreira da Costa. Na estória o personagem principal lê num anúncio de jornal que estão precisando de um Professor de língua Javanesa. Mesmo sem saber nada ele se candidata para vaga. Estuda um pouco acerca do idioma, o suficiente para ludibriar as pessoas. Na verdade foi a falta de conhecimento dos demais que o fez chegar aonde chegará. No final ao convidar o seu interlocutor para se tornar um bacteriologista eminente, é como se disse, nesse país você pode ser o que quiser. Não por mérito, mas pela ignorância dos demais. Aqui temos um sujeito que tem na mentira uma aliada importante. Essa não é um problema desde que eu alcance os meus interesses. 

Lima Barreto volta a sua carga crítica ao ser humano em geral, mas as pessoas do interior recebem uma carga maior. De certo modo isso é reflexo de uma mentalidade conservadora que encontramos nessas localidades – e pela sua origem interiorana ele deve ter sentido isso na própria pele. Lima Barreto percebeu que os conservadores se caracterizam por um moralismo extremado – e isso o incomoda sobre maneira. Pois o moralismo significa um comportamento patológico – onde o discurso e a ação estão separados. Um bom exemplo é o conto “O feiticiero e o deputado”.

Um homem se muda para uma cidade interiorana, compra uma casa e passa a se dedicar a horticultura. Quem vive no interior sabe bem o impacto da chegada de algum estranho. Logo o nosso personagem recebeu a alcunha de feiticiero. Lima Barreto com seu sarcasmo afiadissimo escreve: certa vez a ativa policial local, em falta do que fazer, chamou-o a explicações. Não julguem que fosse negro. Parecia até branco e não fazia feitiços”. Mas não teve jeito, contínuo sendo considerado um feiticeiro e alvo de diversas especulações que certamente o fazia sofrer. Mas nada que o fizesse partir. Até que um dia um deputado visitando a cidade foi convidado por correligionários a conhecer a casa do feiticiero. Chegando lá reconheceu aquela figura – que tinha cido seu colega.  Bastou isso para que a visão de todos ali mudasse – aqueles que o mau dizia logo mudaram o discurso. Temos aqui a hipocrisia como elemento importante – a hipocrisia é uma das característica dos moralistas. 

Continuamos no interior, agora na cidade de Tubiacanga. Estamos falando do conto “Nova Califórnia” – mais uma obra prima desse grande autor. Aqui temos mais um personagem que se muda para uma cidade interiorana causando um grande alvoroço. Ao contrário do conto anterior, nesse todos sabem quem é a figura – um químico famoso com trabalhos publicados em diversas revistas científicas. De modo que ao invés de suspeitas o que ele conseguiu foi admiração. Vivendo isolado, se dedicando as suas pesquisas – aquilo lhe era indiferente. Certo dia aparece na farmácia causando o espanto de todos ali. Chama o farmacêutico em particular e lhe fala de uma grande descoberta que fizera (transformar osso em ouro) e queria que o farmacêutico juntamente com mais duas testemunhas presenciasse o experimento. O que acontece a partir daí reflete muito bem o moralismo dominante na nossa sociedade.

O químico desapareceu de Tubiacanga do dia para noite. O que também começou a desaparecer foram os ossos dos mortos do cemitério local. Esse segundo fato revoltou a todos. Ora, para uma cidade conservadora  (e cristã) era um sacrilégio violar o descanso dos mortos – um discurso que mudou totalmente quando descobriram quem eram os ladrões de ossos e a que se destinava. A guerra que se estabeleceu a partir daí na busca por ossos é ao mesmo tempo cômico e trágico. 

Lendo os contos do Lima Barreto não pude deixar de notar semelhança com o Bolsonarismo. Para entendermos o fenômeno do Bolsonarismo é importante compreender que ele não se deu da noite para o dia – E nem que se encerrará após uma derrota eleitoral. Tal fenômeno é a expressão de uma moralidade patológica com raízes históricas na nossa sociedade como bem podemos observar a partir da leitura dos contos do Lima Barreto. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


domingo, 10 de abril de 2022

Primeiras impressões sobre o retorno das aulas 100% presenciais

Falou-se tanto que teríamos um novo Modelo de Ensino no pós-pandemia, mas o que tenho observado, até agora, é um retorno ao que já fazíamos antes. Por que isso tem ocorrido? Quais as consequências? O que fazer para mudar? São questões que pretendemos refletir nas linhas a seguir.

Em primeiro lugar, creio que esse retorno ao que já faziamos antes se dá em grande medida pelo fato da Escola não está adequada do ponto de vista estrutural para que avancemos para novas práticas pedagógicas. O estudante já não aceita ficar confinado numa sala de aula durante pouco mais de quatro horas. Daí a sua solicitação contínua por atividades “diferenciadas”. Mas como desenvolver atividades diferenciadas, onde a tecnologia desempenha um papel maior, sem laboratórios e meios necessários para desenvolve-las?

O Professor, por sua vez, se vê impedido de atender tal solicitação. Não por que lhe falta preparação (há alguns sim), mas por questões estruturais. Falta espaço físico apropriado para o desenvolvimento de algumas práticas, falta laboratório equipados, falta equipamentos adequados e falta um serviço de acesso a internet de qualidade. Nesse contexto não há muito o que fazer. Fazemos o que podemos dentro das condições que temos.

Há uma tendência em colocar na conta do Professor a estagnação das práticas pedagógicas. São formações em cima de formações (quase sempre falando mais do mesmo). Cobra-se a adoção de novas metodologias e o uso da tecnologia. Esquecem-se no entanto da falta de condições estruturais para que isso ocorra. Além da burocracia excessiva que tira o foco do que é realmente necessário – o fazer pedagógico. 

Não se trata aqui de fazer um discurso que justifique a acomodação por parte de muitos colegas. Acredito que mesmo em condições desfavoráveis conseguimos fazer um trabalho diferenciado. E faço tal afirmação a partir dos projetos e aulas que temos desenvolvido no CENSP-Lajeado. No entanto não podemos perder de vista a nossa limitação, até mesmo por uma questão de saúde mental. Não podemos nos responsabilizar pelo “fracasso da educação”. Façamos nossa parte, mas sem a ilusão de que seremos os “salvadores da pátria”.

Por exemplo, temos agora a implantação do Novo Ensino Médio que juntamente com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) – trás uma nova configuração para a educação básica. Entre estas, está a centralidade do Componente Curricular de Projeto de Vida – tornando-se o elo de ligação entre a base comum e as trilhas de aprofundamento. Sem uma profunda mudança do ponto de vista estrutural, as aulas desse Componente Curricular, como também das eletivas e das trilhas de aprofundamento vão ficar no terreno da teoria. E é justo responsabilizar o Professor por isso? Evidentemente que não. 

Também não pode ir para conta dos Professores o fato dos estudantes não poderem exercer o seu poder de escolha prometido no discurso do Governo para aprovar o novo ensino médio. Sem essas mudanças estruturais o estudante não poderá escolher no que quer se aprofundar, terá que se conformar com que a escola tem condição de ofertar.

Com isso tal mudança tende a seguir o que diz Mészaros acerca da lógica das reformas educacionais no Sistema Capitalista – mudar para permanecer como está. Em alguns casos até que não seria tão ruim. Sobretudo quando tais mudanças tende a piorar o que já não era bom. Como é o caso do Novo Ensino Médio – que tem claramente uma perspectiva tecnicista. Aliás,  ai está um ponto importante, compreender a lógica do Novo Ensino Médio é fundamental para nos opormos a ela. Sobretudo a área de humanas, que teve o seu espaço reduzido. 

Enfim, parece que me desviei da questão Inicial. Retornando a ela, diria que as primeiras impressões que temos das aulas 100% presenciais é que a escola não está preparada para o estudante que aprendeu outras formas de aprender, utilizando a tecnologia no período pandêmico – o estudante da “sociedade informatizada”. O que fazer para que isso ocorra? Eis a questão que se impõem. Falamos aqui sobretudo do aspecto estrutural. Mas sabemos que não podemos reduzir apenas a isso. Deixemos assim como uma questão em aberto para motivar um debate necessário. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.


terça-feira, 5 de abril de 2022

Poema: Na igreja de São Benedito


Na igreja de São Benedito,

a donzela esta a rezar.

Pela volta do seu amado,

que na guerra foi lutar.


Tudo aconteceu há muito tempo,

quando Prestes aqui passou.

Seu grande amado partiu,

a linda donzela ficou.


Ele disse que a amava,

que um dia iria voltar.

Ela prometeu não esquece-lo,

que iria lhe esperar.


E já faz muitos verões,

ele nunca mais voltou.

Pelas ruas existe uma estória,

que a ditadura o matou.


Mas ela não acredita,

e vive a esperar.

Imaginando o momento

que iram se encontrar.


E na igreja de São Benedito,

a donzela vive a rezar.

Pela volta do seu amado

que na guerra foi lutar.


Pedro Ferreira Nunes 

Natividade – TO. Lua Cheia, Verão de 2016.