sábado, 30 de abril de 2022

Quando falhamos? Da série Filosofia para crianças e Projeto de Vida

Á Agna Santos 


Quando falhamos? Foi o questionamento que me veio á cabeça numa aula de Projeto de Vida com os estudantes do 7° Ano do Ensino Fundamental. Não era a primeira vez que eles me surpreendiam com suas respostas aos meus questionamentos. Mas daquela vez fiquei pensando nisso: quando eles perdem essa consciência? Quando falhamos?

O nosso objetivo era trabalhar a competência 10 da BNCC – Responsabilidade e Cidadania. Adquir essa competência é “agir pessoal e coletivamente com autonomia, responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários”. Como podemos ver não é algo que se alcança do dia para noite, por tanto deve ser trabalhado continuamente. Você deve está questionando: No Componente Curricular de Projeto de Vida? Diria que sobretudo nesse. Partindo da ideia de que um Projeto de Vida não pode ser construído a partir de uma perspectiva individualista. Afinal de contas não estamos sós no mundo.

O desafio que lancei a eles foi o seguinte (ao longo do ano letivo de 2021 desenvolvi a ideia de desafios em substituição a atividades): Cada um (individualmente) deveria apontar 03 ações realizadas por eles para tornar um determinado ambiente melhor. Sendo uma ação em Casa, outra na Escola e outra na Cidade. Isso deveria ser escrito no papel e depois compartilhado com uma breve justificativa. A consciência social e ambiental que eles demonstraram nas respostas me surpreendeu. E foi então que me veio o questionamento de quando é que fracassamos. Quando e por que eles vão perdendo esses valores?

Pensei no Emílio do Rousseau e a crítica que ele faz a Sociedade. Teria razão o filósofo Genebrino ao falar que a Sociedade nos degenera? Por isso a necessidade de uma educação voltada para formação de sujeitos fortes e livres?! Mas como é possível uma educação nessa perspectiva nos marcos de uma sociedade degenerada? Me parece que todo esforço que fazemos na Educação se perde no seio dessa sociedade cada vez mais individualista e mesquinha.

O Filósofo Jordi Nomen em uma entrevista ao El país, tem razão quando diz que ouvimos pouco as crianças. De acordo com ele “ainda não vencemos aquele velho preconceito de que as crianças estão meio perdidas e não têm critérios, por isso as vemos a partir de um certo paternalismo antiquado”. Ele  nos diz que isso é um erro grave, “porque não permite que a sua voz seja ouvida, saber o que pensam, o que sentem.”

Jordi Nomen faz um relato de um episódio em sala de aula que vai de encontro com a experiência que tive com meus alunos. Ele relata que: “outro dia, em uma classe da 5ª série, tivemos um debate sobre o que é o uso da imaginação. Uma rapariga, já com o debate avançado, disse: “o mal é que tudo isto que estamos a dizer perdemos à medida que envelhecemos, porque como temos tanta pressa e tantas obrigações não temos tempo para pensar e imaginar . " Essa é uma verdade como um templo e as crianças a contam com incrível facilidade”. 

Isso pode ser notado mesmo entre os alunos. Percebi que os estudantes do 6°, 7° e 8° do Ensino Fundamental tinham mais essa consciência cidadã, a preocupação com o coletivo. Já o 9° havia um individualismo maior – preocupação com namoros e trabalho, por exemplo. Tanto que decidi trabalhar sobre relacionamentos tóxicos com eles, tendo em vista o quanto esse assunto circulava na turma.

Continuando com as reflexões no Jordi Nomen. Ele nos diz que isso não se dá pelo fato de que com a passagem para a vida adulta há uma inversão de valores. Para o nosso filósofo a questão está no fato de que o discurso não se reflete na ação. “O discurso pouco adianta quando não há exemplo”. E aqui então chegamos a reposta ao questionamento acerca de quando fracassamos – quando as nossas ações caminham opostas ao nosso discurso. Assim torna sem sentido eu falar em responsabilidade, empatia, solidariedade, diálogo, cooperação,  cidadania. Como ensinar responsabilidade se não sou responsável?  Como ensinar o diálogo se não diálogo? Como formar cidadãos críticos se não exerço minha cidadania criticamente?

Apesar disso não deixa de ser importante trabalhar todas essas questões com as crianças no campo educacional. Daí mais uma vez à importância da presença da Filosofia para as crianças – ainda que no nosso caso seja através do Componente Curricular de Projeto de Vida. Para tanto o nosso autor propõem utilizar estórias infantis e o cinema – onde pode ser trabalhado não apenas as ideias (não ficar só no conceito) mas também o exemplo dos personagens.

Foi essa linha que seguimos no nosso trabalho com o Componente Curricular de Projeto de Vida junto às turmas do Ensino Fundamental (anos finais). E o resultado foi muito positivo. Óbvio que não tenho ilusão de que isso evitará que continuemos falhando. Pois se continuarmos, enquanto sociedade, agindo de forma incoerente, não podemos esperar outro resultado. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

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