quarta-feira, 20 de abril de 2022

Flusser, a Tecnologia e a Escola

Por mais críticas que tenhamos as consequências negativas do uso da tecnologia. Por exemplo, a presença do celular em sala. O fato é que ela está aí e não podemos ignorá-las. Ora, numa sociedade cada vez mais informatizada, o desafio de incorporar a tecnologia nos processos de ensino precisa ser enfrentado. Sobretudo para que não sejamos usados por ela. 

Há muitos pensadores que nos ajuda a refletir sobre essa questão. Marcuse é certamente um desses ao chamar atenção para construção de uma unidimensionalidade no contexto da sociedade industrial, impedido qualquer forma de pensamento crítico. Mas aqui nos interessa a contribuição de Vilém Flusser, filósofo Tcheco, autor entre outros de Filosofia da Caixa Preta – onde ele chama atenção para o surgimento da imagem técnica em substituição a escrita, o que vai culminar numa nova sociedade  (a sociedade informatizada) e por conseguinte num novo modelo de tempo.

Para Flusser (1983) cada modo de vida corresponde a um modelo de tempo. Por exemplo, no modo de vida pré-histórico havia um determinado modelo onde as imagens (cenas) predominavam de uma forma circular, “ordenando as coisas de maneira signficativa”. Nesse contexto “se uma coisa sai de seu lugar, é recolocada lá pelo tempo”. Já no modelo histórico, que surgiu a partir da invenção da escrita, temos uma perspetiva linear, onde nas palavras do próprio autor (1983):

“ o tempo é um rio que brota do passado, que pede o futuro e que arranca tudo. O presente é apenas um ponto fugaz de transição entre passado e futuro. As coisas não estão lá: elas se tornam e apontam para o futuro. Nada se repete: cada noite que segue um dia é uma noite nova e única. Qualquer momento perdido é uma oportunidade perdida. Qualquer ação é irrevogável. Tudo é, portanto, processo, acontecimento, progresso ou decadência, ordenado pela inescapável cadeia de causa e efeito.”

No entanto, para Flusser, com o advento da imagem técnica esse modelo de tempo entrou em decadência. Se antes era a escrita que caracterizava o modelo de tempo histórico, agora é a imagem técnica, isto é, produzida por uma máquina. Nesse novo contexto o tempo não segue uma perspetiva linear seguindo do passado, passando pelo presente e chegando ao futuro.

Para o nosso filósofo “o futuro é composto de virtualidades distintas. Não flui em minha direção como um rio, mas corre sobre mim como areia.” Esse contexto é marcado por uma grande dinamicidade vivida sob o signo do tédio. “Quando antecipo meu futuro, quando futurizo, não é que pego uma massa compacta, mas certas virtualidades distintas. Por exemplo, na forma de decisões pontuais”. Que são medidas pelo uso dos aparelhos que produzem imagens técnicas.

Nessa perspectiva é importante a definição de aparelhos para o nosso filósofo – isto é,  aparelhos são caixas pretas que simulam o pensamento humano. A consequência disso é que não preciso mais pensar conceitualmente já que as imagens técnicas produzida pelos aparelhos fazem isso por mim. 

A partir daí podemos afirmar com Flusser que ao invés de controlar o aparelho, estamos sendo controlados por ele. Para o nosso filósofo o aparelho adquiri uma autonomia plena. O que me parece bastante questionável essa ideia de uma espécie de uma “mão invisível controlando os aparelhos”. Na Sociedade Capitalista essa mão é bastante visível, como também ao que elas servem.

Enfim, diante desse contexto, como fica os processos de ensino? Como fica a Escola? A tecnologia está ai e não podemos ignora-la, assim como as consequências do seu uso de forma irracional, por exemplo, a ansiedade, o cansaço e o tédio. Para Flusser a única perspectiva de mudança passa por uma práxis conscientizadora – que se dá através da crítica ao funcionalismo, revertendo a situação,  isto é, ao invés de ser usado pelo aparelho, usa-lo. Daí que para o nosso filósofo, liberdade nesse contexto é jogar contra o aparelho. A partir daí podemos concluir dizendo que o desafio quanto ao uso da tecnologia na Escola segue essa perspectiva, mas não apenas de uma práxis conscientizadora, como também transformadora.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

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