A violência não é um fenômeno recente e não diz respeito a uma realidade específica. Não precisamos nem assistir o jornal para confirmar esse diagnóstico, pois vivenviamos no dia a dia, seja na comunidade ou dentro de casa. Quando analisamos a história da humanidade é difícil se contrapor a ideia de Thomas Hobbes de que o ser humano é mau por natureza. Daí a necessidade de um poder absoluto que garanta a segurança dos cidadãos. Na prática essa segurança é para o “cidadão de bem”, aquele que possui os meios de produção. Aos demais há que se submeter a ordem dominante, sem direito ao mínimo de dignidade.
Marx tem razão quando afirma que o Estado é um instrumento de dominação de uma classe sobre outra. É a partir da sua crítica que compreendemos como a violência se torna estrutural. Isto é, ela está na base de um modo de produção que organiza a sociedade a partir da exploração daqueles que precisam vender sua mão de obra para sobreviver, por aqueles que detém os meios de produção.
Essa relação de exploração foi estruturando uma sociedade desigual. Nesse contexto o Estado que deveria contribuir para superação dessa desigualdade ao servir como um instrumento de conciliação dos conflitos, é utilizado para manter a ordem dominante. É daí que temos a violência do Estado, ou seja, aquela que se estrutura a partir da lógica de que é preciso manter a ordem.
Na prática o que acontece é a repressão á população marginalizada que está excluída das benesses do Estado de direito. Desse modo, o Estado que deveria proteger, torna-se um agressor – que deveria garantir a dignidade humana, age de forma contrária. Essa violência não se reduz a utilização da força física. Talvez a sua forma mais eficaz seja a violência psicológica, ou seja, aquela que age sobre a consciência dos indivíduos obrigando-o a se comportar de determinado modo.
Nesse contexto, Marcuse nos ajuda a compreender essa questão ao analisar a ideologia da sociedade industrial caracterizada pela transformação da racionalidade tecnológica em instrumento de dominação política, que se dá sobretudo a partir da introjeção de determinados valores que contribui para manutenção da ordem dominante. Com isso a alienação apontada por Marx, transforma-se em autoalienação.
Para superar esse processo o filósofo Vladimir Safatle, salienta que devemos pensar a sociedade como um circuito de afetos – que desde Hobbes tem o medo como fundamento. De modo que se quisermos uma transformação qualitativa da sociedade devemos supera-lo.
Safatle nos diz que: “o Estado não tem apenas o direito de vida e morte, ele tem o direito de desaparecimento. Por que o eixo fundamental do processo de gestão é gerir a invisibilidade. Sobre esta violência, não haverá marcas, não haverá nomes, não haverá imagens, não haverá afeto nem identificação”.
Nesse contexto não podemos falar em dignidade humana. O que se vê é o contrário. O Estado que deveria ser um dos principais agentes na garantia desse direito acaba por gerir a invisibilidade – acaba negando o direito a memória –algo tão importante para nossa constituição enquanto povo.
Nessa perspectiva o filósofo Paulo Arantes pontua que “o Estado de Direito encontra-se a deriva no mundo inteiro: ainda é norma incontornável, porém cada vez mais inefetiva”. Isto é, só existe no papel, ou pior ainda, é seletivo.
E nós como ficamos diante desse contexto? Nos parece que por mais que pareça difícil de mudar não podemos aceitar como normal o ataque aos direitos humanos e a criminalização daqueles que lutam por estes direitos. Quando nos silenciamos diante desse ultraje estamos contribuindo para que a violência contra populações marginalizadas sejam naturalizadas. E também estamos abrindo espaço para que projetos autoritários avance sobre regimes democráticos. Desse modo concluímos com Bertold Brecht: “Desconfiai do mais trivial, na aparência singelo. E examinai, sobretudo, o que parece habitual. Suplicamos expressamente: não aceiteis o que é de hábito como coisa natural, pois em tempo de desordem sangrenta, de confusão organizada, de arbitrariedade consciente, de humanidade desumanizada, nada deve parecer natural nada deve parecer impossível de mudar.”
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.
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