segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

Conto: Calculei errado

“O que você não quer, eu não quero insistir..."
Engenheiros do Havaí 


Havia algo no sorriso e no olhar dela que me atraía. E não demorou para eu perceber que estava apaixonado. Não era a primeira vez, aliás isso acontece até com uma certa frequência. Mas são afecções passageiras que logo supero. Com ela, no entanto, era diferente. Mesmo não vendo da parte dela nenhuma reciprocidade. 


O tempo foi passando, cada dia ela parecia ficar mais distante de mim, no entanto quando ouvia sua voz não tinha como evitar que meu coração batesse no ritmo das baquetas do Motorhead. Quando então via o olhar e o sorriso que ela sempre trazia no rosto, era como se um solo de guitarra do Jimmy Hendrix tocasse naquele momento. Eu desejava ela, está com ela, cuidar dela, amar ela, viver com ela. Ah, há muito tempo que uma mulher não mexia tanto comigo daquele modo. 


Eu pouco sabia da vida dela. E as horas de convivência que tínhamos eram insuficientes para que pudéssemos construir uma relação mais pessoal. No entanto nas nossas breves conversas eu não perdia a oportunidade de pescar algo. E cada vez que eu pescava algo, mais eu queria pescar – mais próximo eu queria ficar. E nesse querer ficar mais próximo, confundi amizade com paixão. Não me segurei, arrisquei e me declarei. Calculei errado, me dei mau.


Talvez seria mais sensato da minha parte criar mais intimidade com ela. Sair mais vezes para caminhar, tomar cerveja, jogar conversa fora nas madrugadas. Talvez nessa convivência ela despertasse algum interesse por esse ser recalcitrante. Mas eu apaixonado em demasia não via a hora de abraça-la, beija-la, de tê-la em meus braços. E então decidi arriscar e me declarar – deixar claro o meu sentimento por ela.


Recebi um não como resposta. Não posso dizer que tenha sido uma surpresa. Mas que eu esperava uma resposta diferente, eu esperava. No entanto sei bem que entre o que esperamos e o que acontece há uma distância considerável. Não vou negar que eu não tenha ficado triste. Por outro lado compreendi que era melhor assim. Era melhor encarar a realidade, ainda que uma realidade triste, do que ficar me iludindo – ficar alimentando uma vã esperança. 


Diante do não dela a minha atitude não poderia ser outra. Preciso me afastar, para que eu consiga destruir dentro de mim esse afeto que me faz quere-la tanto. Será uma guerra comigo mesmo. E como todas as guerras não será fácil. Não será fácil,  mas vou conseguir. 


Seria mais fácil se ela tivesse me dado algum motivo para odiá-la. Mas isso não aconteceu. A verdade é que tenho que agradece-la.  Pior seria ter me iludido – dizer que sentia algo por mim que não sentia. Pois como diz a letra da canção: “diga a verdade, doa a quem doer.”


Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário