quarta-feira, 30 de novembro de 2022

Hanna Arendt: Onde estamos quando pensamos?

É essa pergunta que a filósofa Hannah Arendt se faz no quarto capítulo do seu livro “A vida do Espírito”. A sua resposta passa por uma reflexão acerca do espaço-tempo, isto é, por uma boa dose de metafísica. Ela faz isso em diálogo com diferentes autores, chegando a conclusão de que o lugar do ego pensante está no presente, mais especificamente numa lacuna entre passado e futuro.

O ponto de partida da nossa filósofa (2000) é uma caracterização do ego pensante. Nesse sentido a primeira ideia é de que este não segue uma ordem. Interrompe a qualquer momento as atividades do cotidiano e é por essas atividades interrompidas. Ela destaca que “as manifestações das experiências autênticas do ego pensante são múltiplas”. E que esse “ego pensante já mais poderá alcançar a realidade enquanto tal”. De acordo com nossa filósofa (2000) “a intensidade da experiência do pensamento, isto é, a oposição entre pensamento e realidade só se dá quando o mundo se torna irreal”. Nessa mesma linha ela afirma que o pensamento lida “com ausências e abandona o que está presente ao alcance da mão”. Arendt (2000) afirma que “a realidade e existência que só podemos conceber em termos de espaços-temporais podem ser suspensas temporariamente”. Isso se dá através do ego pensante, que durante sua atividade busca o significado geral das coisas. Por isso para nossa autora “o pensamento sempre generaliza”. 

Do ponto de vista espacial o pensamento fala de “lugar nenhum”. Ora, como é possível falar de lugar nenhum? Estamos diante de um conceito-limite, a exemplo do vazio e do nada. Para nossa filósofa esse tipo de conceito nos possibilita aprofundar determinadas reflexões, buscando supera-las. Na questão em análise, Arendt  (2000) nos leva a conclusão de que não é possível responder a pergunta onde estamos quando pensamos a partir unicamente da perspectiva espacial. Ela então chama atenção para o aspecto temporal.

Não somos seres apenas localizados espacialmente, mas também temporariamente. A noção do tempo nos leva necessariamente a compreensão de que existe um início e um fim. E se há um fim, em tão somos finitos. Para nossa filósofa “a consciência da nossa finitude se dá a partir da compreensão de tempo infinito que vai do passado ao futuro”. Nós vivemos no presente, que se torna um campo de batalha pelo conflito permanente entre passado e futuro – “um não-mais que o empurra para a frente e o um ainda-não que o empurra para trás”. Nesse contexto a única certeza que temos é a morte.

A consciência da nossa finitude faz com que o ego pensante não seja limitado pelo cotidiano. Ele trava uma batalha contra o próprio tempo, pois enquanto esse é infinito, nós estamos aprisionados em um corpo que é finito.

Diante disso Arendt (2000) afirma que o lugar do ego pensante pode ser determinado do ponto de vista temporal. Ele está localizado temporariamente numa lacuna entre passado e futuro, isto é, no presente. 

De acordo com as palavras da nossa filósofa:

“as duas forças antagônicas, passado e futuro, são indefinidas quanto a origem. Observadas da perspetiva do presente, que se encontram no meio delas, uma vem do passado infinito e a outra vai para o futuro infinito. Mas embora o começo seja desconhecido, elas têm um fim, o ponto que elas se encontram e colidem, que é o presente. A força diagonal  (cadeias de pensamento) é o contrário”.

Em suma, enquanto passado e futuro têm um fim conhecido, isto é, elas desembocam no presente. O pensamento por sua vez, partindo do presente, não tem um fim determinado. 

A partir daí o que podemos concluir? Mais importante do que saber onde estamos quando pensamos, é saber que pensamos. E que esse pensamento é fundamental para uma vida ativa. Pois ele nos possbilita ir além das limitações que o cotidiano nos impõe.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

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