A narrativa se desenrola numa cidade interiorana. Envolta por uma névoa conservadora, assolada pela poluição de fumaça e o perigo de um serial killer de mulheres. Caroline (Kat Dennings) é o fio condutor da narrativa. É a partir da sua perspectiva que conheceremos o lugar e suas personagens. Como o jovem Thurston Goldberg (Reece Thompson) viciado em maconha, que carrega consigo o trauma da morte de um amigo num acidente. E o professor Barry Anderson (Josh Lucas) - um aspirante a escritor que buscou refugiou ali após descobrir uma traição da esposa com o seu melhor amigo.
A vida desses personagens vai se encontrar numa escola de ensino médio. O cineasta não poderia escolher um lugar mais simbólico para retratar aquela realidade. Desmotivação, falta de perspectiva, traumas e mais traumas é em resumo o que desfila naqueles corredores. Caroline olha para tudo com um ar de superioridade e desprezo, vindo de uma cidade grande, com uma mentalidade mais liberal não vai se deixar enquadrar por aquela realidade, pelo contrário. Buscará subverte-la.
A questão é que estamos falando de uma jovem, que por mais que tenta se mostrar forte está passando por um momento de transição assim como os demais. E nesse momento de transição nem sempre irá agir de forma virtuosa, digamos assim. Não vamos condená-la por isso, mas entender que faz parte do seu processo de desenvolvimento e amadurecimento. O mesmo não podemos dizer do professor Barry - do qual se espera um nível de maturidade condizente com sua idade e formação. Mas também não o condenemos. Tentemos compreender a fraqueza humana.
Kohlberg, psicólogo estadunidense, tem uma teoria interessante acerca do comportamento moral. Que pode nos ajudar a compreender a psique dos personagens do Daydream Nation. De acordo, com esse pensador, há diferentes níveis de moralidade. O primeiro, denominado de pré-convencional, tem como principal característica uma ética individualista, onde a preocupação com o eu se sobressai. Nesse nível há dois estágios. O primeiro é a consciência de que as regras morais derivam da autoridade. E o segundo a consciência da necessidade de acordos diante dos diferentes interesses pessoais. Prevalecendo sempre o meu interesse como prioridade. Esse é o caso de Caroline quando decide seduzir o professor Barry como uma forma de fugir do tédio do lugar. E também do professor ao ceder a investida de Caroline. Sobretudo porque vê nessa relação um meio de recuperar a confiança perdida em si como escritor.
O segundo nível de moralidade é denominado de convencional, aqui também há mais dois estágios, mas em resumo, o indivíduo passa a ter preocupação com o outro, a reconhecer o outro não como um meio. Esse é o caso do Thurston no seu relacionamento com Caroline e pelo remorso que sente pela morte do amigo. Com isso percebemos que não necessariamente o desenvolvimento moral está relacionado a idade. Pois Thurston é um adolescente ao contrário do professor Barry.
Ainda temos o terceiro nível, denominado de pós-convencional, que também se divide em dois estágios, para Kohlberg este é o mais alto nível de moralidade. E se caracteriza por um comportamento moral fundamentado em princípios éticos. Não é o caso de nenhum dos personagens do filme em análise. No entanto percebemos eles se movendo nesse sentido a partir de um elemento fundamental, o erro.
E o que é o erro senão aquilo que a sociedade estabelece como errado. E ao se estabelecer algo como errado busca-se criminalizá-lo para que os indivíduos, sobretudo os mais jovens, não o pratique. No entanto, esquecemos que o erro é um elemento pedagógico muito importante. E que nos faz crescer. De modo que a questão não é tanto cometer erros, mas a capacidade de aprender com eles e evoluir.
O que me parece é que esse período de transição que caracteriza a juventude é o que mais cometemos “erros”. Muitas vezes apenas pelo prazer de desafiar o status quo. O cuidado que tem que se ter é que alguns são irreversíveis, como por exemplo, o que levou a morte do amigo do Thurston. No final, Daydream Nation, nos mostra não uma nação ideal, mas a possível. E essa nação possível, pode ser boa de viver se soubermos aprender com nossos erros. Ou olhando para os personagens, que são um retrato das juventudes que existem na nossa sociedade. Daydream Nation, nos mostra não indivíduos perfeitos, mas reais. E que por serem reais cometem erros mas não cortam os pulsos por isso.
Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).
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