quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Diálogos em sala de aula

- Qual o sentido da gente estudar tanto para depois virar professor e ganhar um salário desses?

Esse questionamento ouvi numa aula de filosofia esses dias por parte de um estudante. A minha resposta imediata é que para mim fazia muito sentido. Pois no contexto em que vivemos o salário que eu ganho me dá uma condição de vida superior a maioria dos brasileiros. Sem falar que a medida que eu continuasse me qualificando poderia melhorar o meu ganho. 

- De onde eu venho. O lugar que estou hoje me deixa com muito orgulho. Sem falar que eu gosto do que faço. Acordo todos os dias e venho dar aula com prazer.

Compreendi a provocação do estudante como um movimento que existe de desqualificação do fazer docente na educação básica. Um movimento que parte, muitas vezes, dos próprios professores que desencorajam os estudantes a fazer uma licenciatura. Tanto que diferentes levantamentos apontam que é uma minoria aqueles jovens que se dispõem ser professor. Entre aqueles que entram na universidade para cursar uma licenciatura o indice de evasão é alarmante. E aqueles que desistem quando conhecem a realidade de uma sala de aula não são poucos.

Não vou aqui romantizar a realidade. De fato não é um trabalho fácil. Sobretudo num contexto em que a educação parece ter se tornado algo supérfluo. As condições de trabalho nem sempre são as melhores. E os vencimentos estão longe de ser aquilo que merecemos pelo trabalho que fazemos. 

Mesmo assim, com o salário que ganhamos temos uma situação privilegiada em relação a maioria da classe trabalhadora. E não digo isso para que nos conformemos. Mas para que tenhamos consciência de que mudar as condições atuais do nosso fazer profissional, bem como a sua valorização, passa por essa compreensão. E a partir daí buscarmos fortalecer a profissão e não aceitar a sua desqualificação. 

Eu gostei da provocação do estudante. E fiz questão de dizer isso. Falei que quanto mais houvesse questionamentos por parte deles mais dinâmicas seriam as aulas. Óbvio, que esses questionamentos deveriam ser no contexto do que estávamos discutindo. Foi então que na mesma linha, outro estudante questionou qual era o sentido dele ter que ir todo dia para a escola pois já estava cansado daquela rotina.

A minha resposta foi: - o sentido quem tem que dá é você. A resposta quem tem que dá é você. Para deixar claro que não se tratava de uma mau resposta. Expliquei o motivo.

- Eu posso fazer todo um discurso lindo aqui sobre a importância do estudo. Mas vai ser o que eu penso. Vai ser o meu sentido em relação a educação a partir da minha experiência. Que como já ficou evidente na resposta anterior é inegável. Eu posso até ti convencer. Mas no final das contas vai ser o que eu penso. O que estou querendo dizer é que a vida é sua meu caro. E quem tem que encontrar sentido pra ela é você. O meu papel aqui será problematizar. Quem sabe ajudá-los a encontrar esse sentido.

Pela reação dele não era a resposta que esperava. Provavelmente pensava que eu faria um discurso tentando convencê-lo do contrário. No entanto percebi que ele compreendeu a minha colocação. Ou seja, nós precisamos assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Pois quem arcará com as consequências seremos nós. Ora, não podemos jogar para os outros a responsabilidade de dar sentido a nossa existência. E quanto mais cedo aprendermos isso melhor.

Pedro Ferreira Nunes –  É professor de Filosofia na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins 


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