quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

O livro a relíquia e a nova Secretária de Educação do Município de Palmas

Sempre que ouço alguém dizendo que é conservador penso o pior dessa criatura. Pois historicamente não faltam exemplos de indivíduos que embaixo de uma capa moralista escondem uma vida de libertinagem. A exemplo do Teodorico Raposo, personagem do romance “A relíquia” (1887) do Eça de Queiroz. De modo que você pode imaginar como fiquei ao ouvir tal declaração da nova secretária de Educação do município de Palmas - Débora Guedes.

Na obra citada acima, Eça de Queiroz de forma brilhante nos brinda com uma narrativa bem humorada que mostra as contradições de uma sociedade que tem o cristianismo na sua base de sustentação. Ao ficar órfão de mãe e pai, Teodorico passa a ser criado por sua Tia Maria do Patrocínio (Titi) - uma mulher ultraconservadora que vive para as coisas da religião. De modo que tudo que sai dessa esfera é considerado um mau por ela. Sobretudo a relação entre um homem e uma mulher. Não é de se admirar portanto, que Teodorico passará a ser educado para se comportar da mesma forma.

No entanto, à medida que vai crescendo, Teodorico caminha na direção contrária a da sua Tia. Porém, como depende desta, precisará manter as aparências. A partir daí levará uma vida dupla - na casa da tia é um religioso extremado. Quando está longe das suas vistas se entrega aos prazeres da carne.

A narrativa do Eça de Queiroz é bastante envolvente, e a forma humorada como ele descreve as situações torna a obra leve. Mesmo que esteja tratando de uma questão importante: como a imposição de determinados valores, sobretudo valores que vão contra a natureza humana, acaba formando sujeitos hipócritas.

Cabe aqui falar um pouco do conceito de hipocrisia - essa palavra que tem origem no grego ypokritís e se refere aos atores que precisavam mudar de máscara conforme o papel que estavam representando. É utilizado, na contemporaneidade, como um adjetivo para se referir a alguém falso, ou com uma dupla identidade. Ou seja, aquilo que denominamos de mau-caratismo.

É o caso do Teodorico que se convence que para se tornar herdeiro da Tia, e a partir daí se libertar (chegando ao ponto inclusive de desejar sua morte o mais rápido possível), terá que parecer aos olhos da beata, um santo. O final dessa história não é diferente do que lemos quase todos os dias nos jornais - as máscaras sempre caem. Como no caso do pastor que foge com a mulher do seu enteado. Da descoberta de inúmeros casos de pedofilia envolvendo religiosos. Ou de casos extraconjugais envolvendo políticos conservadores.

Não vamos entrar em detalhe de como Teodorico é desmascarado por Titi para não tirar daqueles que se interessarem em ler o romance, em fazê-lo e descobrir por conta própria. Ou seja, como dona Maria do Patrocínio descobre que Teodorico não é nada daquilo que ela pensava. Ou talvez ela sempre soubesse, mas esperava que estivesse enganada.

Não estamos aqui comparando a senhora Débora Guedes ao senhor Teodorico (ou a Tia dele) - até porque a vida privada da nova secretária da educação da capital só interessa a ela. Já o que ela faz enquanto agente público, sim. Sobretudo se pretende, tal como tentou a senhora Patrocínio, impor uma educação conservadora na Rede Municipal da Educação de Palmas.

É importante destacar que a nomeação de Guedes para a pasta da educação na gestão Eduardo Siqueira Campos não é nenhuma surpresa. Surpresa seria um político da direita tradicional nomear alguém progressista para esse cargo. Também seria surpresa esperar de uma missionária de uma igreja protestante, que se diz conservadora, outro discurso se não o que ela proferiu. Ainda que a mesma seja Mestre em Educação pela Universidade Federal do Tocantins (UFT).

No entanto espera-se que a senhora Débora tenha consciência de que a educação pública tem como princípio a laicidade e o respeito à pluralidade. Ou seja, quem se identifica com o conservadorismo tem todo o direito de defendê-lo, e sobretudo praticá-lo. Mas já mais de impor essa perspectiva a quem pensa de forma diversa. Sobretudo através do discurso de que a escola deve ser livre de ideologias. Pois sabemos que isso na prática significa ausência de pensamento crítico. E a ausência de pensamento crítico certamente contribui para a formação de sujeitos hipócritas como o personagem de Eça de Queirós (Teodorico) que o maior arrependimento não foi ter sido desmascarado pela Tia - mas não ter tido a capacidade de reverter a situação inventando outra mentira com a seguinte justificativa:

- Não mostram os santos missionários de Braga, nos seus sermões, bilhetes remetidos do céu, pela virgem Maria sem selo? E não garante a Nação a divina autenticidade dessas missivas, que têm nas dobras a fragrância do paraíso?

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

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