sexta-feira, 15 de agosto de 2025

O filme o lado bom da vida e os bons encontros, segundo Baruch Espinosa

Cena do filme O lado bom da vida
Quando nos tornamos obcecados por algo ou por alguém ficamos cegos e deixamos de perceber a realidade. E quando deixamos de perceber a realidade a tendência é alimentar ilusões  que nos distanciam das coisas boas. O que fazer para sair dessa condição? A teoria dos afetos do filósofo holandês Baruch Espinoza pode nos ajudar a responder essa questão, sobretudo o que ele define como bons encontros.  Logo o filme estadunidense Silver Linings Playbook (no Brasil intitulado de O lado bom da vida, 2013), dirigido por David O. Russell e estrelado por Bradley Cooper e Jennifer Lawrence. No qual a trama se desenvolve em torno do encontro, ou reencontro, desses dois personagens. Nos ajuda nessa reflexão.

A narrativa começa com Pat Solitano Jr (Bradley Cooper) retornando para casa dos pais - Pat Solano e Dolores (interpretado por Robert De Niro e Jacki Weaver) após uma temporada numa instituição psiquiátrica. Ainda que desconfiados da recuperação do filho, o acolhem. Mas não demoram para perceber que Pat Jr. não está nada bem. De modo que insistem que tome os remédios e não deixe de ir às sessões de terapia. Além de ter sempre por perto a vigilância da polícia. Mas Pat Jr. recusa aceitar que não está bem. E se toma os remédios e vai a terapia é unicamente para não ser mandado de volta para instituição psiquiátrica e a prisão. Mas hora e outra não consegue se controlar e deixa evidente um comportamento agressivo. O motivo de tudo isso - sua obsessão por Nikki (Brea Bee) - sua ex-mulher. Aliás, a traição desta com um colega de trabalho foi o que causou a explosão de violência que o levou para prisão e para o tratamento psiquiátrico. No entanto, ele não vê a hora de retomar o casamento com a ex-esposa. É nesse processo de tentar voltar a rotina e mostrar para Nikki que é outra pessoa que terá o encontro, ou reencontro que mudará sua vida. É num jantar promovido pelo amigo Ronnie (John Ortiz). No qual também comparece Tiffany Maxwell (Jennifer Lawrence), cunhada de Ronnie e ainda num processo de superação do luto pela morte do marido. Nesse encontro percebemos imediatamente uma conexão entre eles. Ainda que essa conexão seja a busca por encontrar um sentido para vida. Ela percebe isso imediatamente, ele, obcecado por Nikki, demorará mais.

Como falamos de início, a obsessão nos impede de ver a realidade - de entender que esta é mutável. Aquilo que acreditávamos ser para sempre. Como diz a bela letra de uma canção do Legião Urbana, composta pelo Renato Russo, “sempre acaba”. Do ponto de vista dos afetos, Espinosa diria que eles se transformam. O que antes era alegria, pode se tornar tristeza. O que antes era amor, pode virar ódio. No entanto, ao não querer encarar a realidade nos iludimos com a possibilidade de voltar ao que era antes.

Um aspecto marcante do filme são as relações familiares. Tanto a família de Pat Jr. como de Tiffany sofrem junto com os filhos. Tentando de toda forma protegê-los. Quase sempre deles mesmos - de suas ações movidas mais pela emoção do que pela razão. Por isso há um receio por parte dos pais do relacionamento deles. Ambos são vistos como instáveis emocionalmente. E realmente são. Como então eles podem ajudar um ao outro? De modo que a preocupação daqueles que estão ao seu entorno não é de todo sem fundamento. Mas o psiquiatra que encoraja a amizade entre os dois consegue enxergar os que os demais são incapazes, encorajando a relação entre eles. O fato é que eles vão se conectando, a priori, pelo interesse de Pat Jr. na promessa de Tiffany em lhe reaproximar de Nikki, e posteriormente pelo amor que surge da convivência. É a partir dessa convivência que ele supera a obsessão pela ex-mulher se permitindo a viver uma nova história.

Há uma frase atribuída ao Baruch Espinosa que expressa a ideia de que não devemos menosprezar os atos das pessoas. Mas procurar compreendê-los. Não é fácil sobretudo quando estamos obcecados por algo ou alguém. Qualquer ação que vai contra aquilo que consideramos correto merece o nosso desprezo. É o que percebemos no início do relacionamento de Pat Jr. com Tiffany. Mas com a convivência vem a compreensão e da compreensão vem o amor - o amor por aquilo que a pessoa é e não pelo que gostaríamos que fosse. 

Na perspectiva espinosana o amor é um afeto alegre que aumenta a nossa potência de agir. Sua causa é exterior a nós. Ou seja, está em outros corpos. Mas o esforço de persistir na existência sim, o qual o nosso filósofo define de conatus. Porém um depende do outro. Nessa linha, Azevedo (2018) a partir do pensamento de Espinosa afirma que: As relações afetivas alteram nosso conatus; assim, tal como o alimento é fonte de energia vital, nossos vínculos também nos alimentam, revigorando a nossa alma. Apetite e desejo nos levam a agir conforme os nossos encontros, ou seja, são determinados pelas afecções que nos chegam das relações externas.

Um dos fatores que provocava afecções tristes, como o ódio, em Pat Jr, fazendo-o se comportar de forma violenta era quando ele ouvia a música que tocou no dia do seu casamento e que era a mesma canção que estava tocando quando sua esposa estava lhe traindo. Já quando dançava com Tiffany era afetado por afecções alegres. Podemos dizer assim que o encontro entre Pat Jr. e Tiffany foi um bom encontro. E o que é um bom encontro? De acordo com Espinosa, são aqueles que aumentam a nossa potência de agir -  que nos permitem perceber nossa condição, dando força para superarmos aquilo que limita a nossa existência. É isso que acontece com Pat Jr. - seu encontro com Tiffany e tudo que acontece a partir daí leva-o a compreensão de que é necessário encerrar um ciclo e iniciar outro. E nesse processo de mudança algumas coisas precisam ficar para trás, incluindo pessoas.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

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