quinta-feira, 25 de setembro de 2025

Aischrí Pólis ou Não me representa!

Imagine que você foi eleito deputado federal e que na posse fez o seguinte juramento: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". No entanto, surge uma proposta de emenda constitucional (PEC) que vai na contramão do seu juramento. Pelo contrário, ao invés de promover o bem geral, cria privilégios. Ao invés de fortalecer a soberania nacional, enfraquece-a. Agindo eticamente qual seria sua posição?

Eis aí um exemplo de exercício que gosto de desenvolver nas minhas aulas de filosofia. Por meio do qual busco que o estudante tenha uma compreensão mais aprofundada do problema que está sendo objeto de investigação. Para tanto, nada melhor do que colocá-lo para pensar a partir de uma situação real - onde ele consiga perceber a dimensão prática dos conceitos filosóficos estudados.

Faço uso desse recurso aqui para refletirmos sobre a aprovação na Câmara dos deputados da chamada PEC da Blindagem com o voto favorável de forma unânime da bancada tocantinense. A proposta aprovada daria ao legislativo federal, e extensivamente aos legislativos estaduais e municipais o poder de decidir se um parlamentar investigado poderia ou não ser julgado pela justiça. Ninguém definiu melhor a proposta aprovada do que o deputado federal Nicolas Ferreira (PL) - ao defender a proposta justificando uma suposta perseguição política por parte do Supremo Tribunal Federal (STF). No seu estilo irônico ele afirmou que queria ser blindado mesmo. E que a justiça quisesse processar algum parlamentar deveria ter o aval do legislativo. Será que parlamentos Brasil afora (congresso nacional, assembleias legislativas e câmaras de vereadores) teriam competência (e independência) para fazer tal avaliação?

Reflitamos sobre isso fazendo o seguinte exercício a partir de um filme brasileiro baseado em fatos reais - Vidro fumê (2024) que entre as histórias narradas está a da personagem Miriam (Mari Oliveira) uma jovem negra ativista cultural que sofre assédio sexual por um político corrupto e é chantageada e ameaçada para ficar em silêncio. Imaginemos uma situação dessa. A vítima decide denunciar mas como se trata de uma parlamentar para que o processo avance é necessário que os nobres pares do deputado autorize. No entanto, essa autorização é negada com a justificativa de armação ou perseguição. Imagine que essa vítima seja você ou alguém da sua família. Como você se sentiria?

Analisemos uma situação mais concreta. Atualmente o governador do Tocantins (Wanderlei Barbosa) está afastado do cargo por determinação judicial. Nesse mesmo processo nada menos do que 10 deputados são investigados. Imagine se a tal lei estivesse em vigor. Esses parlamentares poderiam ser blindados pelos seus pares para que não houvesse nenhum tipo de punição como perda de mandato e, quiçá, prisão.

Não precisa de mais argumento para compreendermos o absurdo que aqueles que votaram a favor da proposta fizeram. Eles mesmos tinham consciência desse absurdo ao aprovar o voto secreto. Um detalhe importante é que muitos dos que votaram na proposta defendem ou defendiam o voto impresso nas eleições. Alguém tem alguma dúvida de qual interesse estes parlamentares defendem?

Você que está lendo essas linhas deve está se questionando onde quero chegar já que a proposta foi arquivada pelo Senado Federal após ter sido rejeitada unanimemente na Comissão de Constituição e Justiça. E portanto não tem mais possibilidade de entrar em vigor. Esse posicionamento por parte dos senadores é certamente reflexo da reação da opinião pública que de forma contundente, inclusive com manifestações de rua, se posicionou contrário ao projeto votado na câmara dos deputados. Muitos entenderam, voltando ao nosso exercício inicial, que votar favoravelmente em tal proposta seria agir de forma não ética.

Vamos então ao nosso ponto. Ou seja, aonde quero chegar. Para tanto vou propor mais um exercício. Imagine. Em 2026 é ano eleitoral e os atuais deputados federais (em especial os tocantinenses que votaram por unanimidade), ou algum cabo eleitoral em seu nome, irá pedir o seu  voto para reeleição. Você votaria num candidato que se posicionou contrariamente durante o seu mandado aquilo para o qual foi eleito? Ou seja, “manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro e sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". Isso nos leva a uma nova questão. A principal dessa nossa conversa: Você se sente representado por alguém que não age eticamente?

Se você for uma pessoa que age de forma contrária certamente a resposta seria não. Desse modo se em 2026, falando especificamente do contexto tocantinense, se algum município reeleger algum dos deputados atuais merecerá o diploma de aischrí pólis (αισχρή πόλη) - cidade feia ou  vergonhosa. Espero que nenhuma cidade tocantinense receba esse título. Estaremos vigilantes acerca disso.

Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.

2 comentários:

  1. Excelentes colocações. O arquivamento não pode esfumaçar os propósitos dos deputados envolvidos. Não esqueçamos quem compactuou com essa aberração.

    ResponderExcluir