Essa questão me surgiu durante o I simpósio de gestão compartilhada das escolas militares e cívicos-militares do Tocantins (12 e 13 de junho de 2025). Em dois momentos tivemos exposições por parte de militares utilizando a filosofia. A primeira pelo Tenente Coronel Ricardo Crespo - que comanda atualmente as Escolas Militares e Cívico Militares do Tocantins. E a segunda pelo Subtenente Thiago Galvão - ambos da Polícia Militar do Tocantins. Num primeiro momento fiquei contente pela referência. Sobretudo pela compreensão de que quando partimos da filosofia temos melhores condições de compreensão dos problemas em análise. Já num segundo momento fiquei me questionando sobre essa apropriação da filosofia pelos militares. O que me instigou a fazer essa reflexão sobre se o problema é o ensino de Filosofia na educação básica (escola pública) ou a quem se destina.
Antes de responder essa questão, na qual creio que já é possível deduzir a nossa resposta, vamos a um breve relato do que o Tenente Coronel Rafael e o Subtenente Thiago falaram.
O primeiro abordou a temática da liderança a partir do Plutarco e do Platão. Com bastante propriedade ele comentou a perspectiva dualista de Platão a partir da qual Plutarco se inspirou para desenvolver sua concepção do que deve ser um líder. Na sua fala ele salientou a distinção que Platão faz entre o conhecimento sensível e o conhecimento intelectual. Para a partir daí apresentar sua concepção acerca do mundo das ideias o qual acessamos por meio da filosofia. Ao contrário do mundo dos fenômenos que é ilusório e mutável. O mundo das ideias é uno e imutável. Ao comentar sobre a liderança uma fala bastante significativa do Tenente Coronel Ricardo foi de que é muito usual nas palestras sobre liderança a referência ao livro O monge e o executivo, do James C. Hunter. No entanto tudo que está nessa obra encontramos nos clássicos. A diferença é que está escrito de uma forma mais amena. Plutarco por sua vez, como um bom dualista, apresenta dois tipos de líderes: o culto e o incuto. Ao longo da sua fala o Tenente Coronel Ricardo foi dissecando esses conceitos relacionando com a realidade da escola. Como se tornar um líder culto? Ele ressaltou, a partir de Plutarco, que pelo uso da razão.
O segundo falou sobre as relações interpessoais utilizando como referência um filósofo contemporâneo - o Sulcoreano radicado na Alemanha - Byung Chul Han. Também com bastante propriedade, o Subtenente que é formado em Psicologia e Mestrando em Filosofia apresentou a crítica que Han faz a sociedade neoliberal onde o indivíduo é levado a se explorar ao extremo alcançando sua realização apenas com a morte. O reflexo disso são indivíduos adoecidos mentalmente. Realidade que conhecemos bem na escola. Acredito que é impossível haver alguma escola que não tenha um professor afastado com problemas psicológicos. A pressão e a exigência para alcançar determinados resultados são frequentes. A desvalorização e desrespeito não fica atrás se expressando muitas vezes em episódios de agressão de estudantes a professores. O que fazer diante dessa realidade? O conselho do Subtenente, a partir do que diz Byung Chul Han, é se desconectar.
É evidente a importância da filosofia na formação de indivíduos conscientes e capazes de enfrentar os problemas que a realidade nos apresenta. Mais do que respostas pronta e acabada, a filosofia nos instiga a pensar criticamente e enxergar outras possibilidades. Eis aí a questão portanto. Não há nenhum problema com o ensino de Filosofia. Quanto mais cedo a criança for introduzida nesse conhecimento melhor. Pois certamente isso contribuirá para que desenvolva determinadas habilidades. Por outro lado é perigoso para quem está no poder, para a classe dominante, que o povo tenha acesso a esse tipo de conhecimento. De modo que os oficiais filosofarem tudo bem. Já os soldados não. Os filhos da elite filosofarem tudo bem, da classe trabalhadora não. Quando um estudante na escola pública reproduz o discurso de que não gosta de filosofia pois ela não vai servir para nada. Ele não tem consciência, mas está reproduzindo esse discurso que visa perpetuar o status quo. No qual o seu papel, se ele não subverter, será de obedecer, de ser um sujeito menor - submisso.
Enfim, diante de tudo que falamos evidencia-se portanto que o problema não é o ensino de Filosofia mas a quem se destina esse ensino.
Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia (UFT) e Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins.
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