“Venha vestida de roda, morena, espante esse mal, solidão.
Venha que a roda catira, morena, lhe chama”.
Braguinha Barroso
Ainda criança aprendi a apreciar a música popular feita no Tocantins, especialmente as canções do Dorivan, Genésio Tocantins, Braguinha Barroso, Chico Chokolate, Juraides da Cruz e Orley Massoli. E na ausência de uma literatura regional acessível foram os versos desses artistas através de suas canções que contribuíram com a formação da minha identidade tocantinense e me influenciaram no oficio de escrever poesias, contos e crônicas.
Na minha infância destacaria três canções: Frutos da Terra do Genésio Tocantins, Senhor do Bonfim do Dorivan e Atômico do Chico Chokolate: A primeira é uma linda homenagem ao nosso cerrado e as suas riquezas: “Tem guapeva lá no mato, no brejinho tem ingá, no campo tem curriola, murici, araçá. Tem uns pés de marmelada, depois que passa a pinguela, subindo pro cerradinho, mangaba e mama-cadela”. Essa canção que na infância nos afetava de alegria, hoje nos afeta de tristeza, sobretudo por que com o avanço do agronegócio a diversidade de frutos que o cerrado tinha, já não tem. O que tem é soja, cana de açúcar e pasto pra gado.
A segunda é um belo retrato da alma religiosa do povo tocantinense que todos os anos segue em Romaria para pedir e agradecer as bênçãos recebidas durante o ano: “Senhor do Bonfim, esse ano eu vou a pé, vou pagar minhas promessas, elevar a minha fé...”. Um povo sofrido que faz enormes sacrifício para sobreviver, mas que não perde a esperança e a fé.
Já a terceira (uma parceria do Chico Chokolate com o Ronaldo Teixeira) é um primor – uma letra brilhante interpretada numa pegada rock in roll – que rompe com a barreira do regionalismo: “Baby, o Armagedom já aconteceu dentro do meu coração, e eu tive a sensação de ver tudo ruir. Errei ao imaginar, uma metrópole perfeita e segura do nosso amor. O Alicerce era fraco e eu não sabia, que a explosão da bomba eu não suportaria.” A canção que fala de uma história de amor que chega ao fim, e como toda história de amor que chega ao fim deixa seus estragos, é poesia da melhor qualidade: “Baby, esse brilho de mil sois pode nos cegar, Baby, feridos assim aonde vamos parar?
A partir daí nunca perdi meu interesse na música popular feita no Tocantins – apesar da dificuldade de acesso a rica produção desses artistas diante da falta de espaço, especialmente no interior, para que eles possam divulgar os seus trabalhos.
Se hoje as coisas ainda são difíceis imagine antes da popularização da internet. Antes a divulgação era restrita a algumas rádios (isso não mudou muito) e a clipes divulgados nos intervalos da programação da TV Anhanguera – e foi assim que eu particularmente tive acesso aos trabalhos desses artistas e de outros como Orley Massoli – autor de canções como Imensidão e Terraguarés (não sei se é assim que se escreve) e da bela Meninos da Candelária: “se tudo jaz, eu canto um jazz, a vida é um jasmim”.
Outra bela canção de sua autoria é Menino de Paraiso que canta os encantos e a liberdade da infância: “O menino voou no balão, com seus dragões, aviões... Minha branca de neve me leve, sou criança pare com isso. Me abrace e me beije de leve, sou menino de Paraíso”.
Se tratando de música tocantinense um artista que não pode ficar de fora é Juraides da Cruz – com um pé em Goiás e outro no Tocantins – ouso dizer que ele é um dos grandes compositores da música popular brasileira. Eu particularmente gosto de Meninos: “Não sou tanajura, mas eu crio asas, com os vagalumes eu quero voar... O céu estrelado hoje é minha casa, fica mais bonita quando tem luar... Quero acordar com os passarinhos, cantar uma canção com o sabiá”. Só os amantes da vida interiorana compreendem o quanto isso é prazeroso.
Outra canção dele bastante conhecida que eu também aprecio é “Ei flor. Cadê o cheiro que ocê prometeu. Ei, flor. Não venha dizer que se esqueceu.... Amor, não lembra mais do seu dodói, eu era o lírio dos teus olhos, nós banhava no riacho, diacho, valha-me Deus”. Além de Memórias de carreiro, não tão conhecida como as duas anteriores e o seu grande sucesso (nois é jeca mas é joiá), mas de uma beleza impar: “Hoje tenho as mãos calejadas, de um trabalho duro e cruel. Só me restou uma sorte marvada: Boi-de-canga de Coronel”. Em outro trecho ele canta “Faço parte dessa manada, na cidade tonta e perdida. Me vem na garganta um nó de laçada, e no peito uma saudade doida...”. E o refrão: “Êh, tempo que se foi, te guardo no coração. Êh, carro de boi, sumiste no estradão”. Eis a sina de tantos que foram expulso do campo diante do avanço do agronegócio devastador.
Outro artista que não poderia deixar de falar é o Braguinha Barroso que trás na sua música toda a força da cultura negra. Um exemplo é a canção Catirandê: “Venha vestida de roda, morena, espante esse mal, solidão. Venha que a roda catira, morena, lhe chama”. Apesar dos pesares é preciso resistir e ninguém melhor que o povo negro sabe resistir com alegria. “Meu bem querer, quando eu for não chore, que eu volto antes do dia nascer, meu bem querer”.
Bem, além desses artistas e dessas canções, existem outros tantos artistas e outras tantas canções que poderiam serem apresentados nessas breves linhas. Mas fiquemos por aqui. Creio que essa pequena amostra cumpre o objetivo de apresentar de forma breve a riqueza da música popular tocantinense.
Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.