“Essa luta é reflexo da luta entre uma classe social que não quer perder seus privilégios e uma nova classe ou conjunto de classes sociais que estão tentando adquirir seus direitos à cultura”.
Ernesto Che Guevara
Que não se iludam camaradas. A atitude hostil do governo Bolsonaro contra as universidades públicas conta com um importante respaldo popular sobretudo diante do preconceito do que de fato é a realidade nos campus universitários desse país. E em grande medida temos a nossa cota de responsabilidade por esse desconhecimento, quando ao invés de derrubar o muro que isola a Universidade Pública do resto da sociedade, contribuímos para sua manutenção.
Senti essa hostilidade na pele quando ingressei no curso de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins por parte dos colegas do transporte universitário que serve aos estudantes do município de Lajeado que estudam em Palmas (cerca de 90% em instituições privadas de ensino). No inicio não entendi muito bem o porquê da hostilidade, já que estudar numa instituição federal (onde a qualidade de ensino é inegavelmente superior) deveria ser algo a ser almejado por todos.
Cheguei a pensar que fosse algo pessoal comigo ou inveja por não conseguirem ingressar numa universidade pública. Mas depois percebi que não era só comigo, mas com todos os estudantes da Universidade Federal do Tocantins. E claro, sendo do curso de Filosofia ou Teatro essa hostilidade aumentava significativamente. Foi o que percebi em conversa com outros colegas que me relatavam o que ouviam quando diziam que cursavam Filosofia ou Teatro na UFT.
E tal atitude se fundamenta na crença de que os cursos têm uma orientação marxista, que os professores são todos comunistas e ateus (fazendo doutrinação ideológica), que o consumo de drogas (especialmente maconha) acontece em plena aula e que as festas sempre acabam em orgias. Em suma um ambiente, totalmente contrario ao que prega a moral e os bons costumes da sagrada família tocantinense. Inclusive essa crença é alimentanda por egressos que distorcem os fatos, transformando exceções em regras.
E esse fato por si só é uma mostra de que não há doutrinação ideológica nas Universidades. Pois se houvesse uma doutrinação ideológica (comunista) não teríamos estudantes alimentando esse tipo de discurso contra valores que em sua grande maioria estão longe de serem comunistas, mas sim liberais. Ainda nesse sentido é importante destacar que um número significativo de estudantes da UFT, inclusive dos cursos de humanas (como o de Filosofia), votaram no Bolsonaro. O que mostra que se há uma doutrinação por parte do colegiado de Filosofia da UFT, essa doutrinação não está sendo tão eficaz assim.
Quem não frequenta o curso de Filosofia pode achar que esse se reduz a Marx e aos marxistas. Mas o fato é que a realidade é bem diferente. Nos meus 08 períodos de curso pude perceber que se fala muito de Marx mas estuda-lo propriamente se faz muito pouco. Tanto, que pelo menos na minha graduação, não lemos nenhuma obra completa desse filósofo, nem se quer o “Manifesto do Partido Comunista” que é uma obra pequena e bastante acessível. Apenas no 7º e 8º período vimos muito superficialmente o seu pensamento e lemos pequenos trechos da “Crítica da Filosofia do Direito de Hegel”.
Aliás no colegiado de Filosofia da UFT não tem nenhum professor especialista na obra de Karl Marx. A leitura que eles têm da obra desse filósofo é a partir de autores marxistas como Marcuse, Adorno, Gramsci, Paulo Freire entre outros. E mesmo esses autores, durante a minha formação, não se trabalhou uma obra completa de suas autorias. Ao contrário das obras de filósofos como Platão, Aristóteles, Spinoza, Nietsche, Rousseau e Freud.
A partir dai poderia se dizer que o curso de Filosofia da UFT é, portanto, uma exceção. Mas não é bem assim. O filósofo Vladimir Safatle relata em um artigo intitulado “Marx, esse desconhecido” que na sua graduação na USP ele também não estudou Marx. Mas um exemplo melhor é se analisar os trabalhos apresentados nos encontros de Filosofia que acontece em todo o Brasil (especialmente o ENEFIL) e a partir daí se perceberá a pluralidade de perspectivas filosóficas e temas filosóficos que são trabalhado nos cursos.
Aliás é importante também fazer essa análise dos trabalhos apresentado nos eventos promovido pelo Colegiado de Filosofia da UFT e pelo Centro Acadêmico e garanto que se confirmará o que já disse aqui – o estudo do pensamento de Marx e os dos marxistas é uma exceção e não a regra.
E sendo exceção por que incomoda tanto? Por que faz a diferença! Combate a mediocridade e é uma trincheira de resistência ao projeto de mercantilização da educação pública – um projeto que está em curso no Brasil desde o início da década de 1990 e que agora tende a se aprofundar (se não houver resistência) transvertido do discurso de cassa “aos comunistas” nas universidades. Mas no fundo o que está se cassando é a democracia.
E quem afirma isso não é um filósofo marxista, e sim liberal – Marta C. Nussbaum – filósofa estadunidense autora do livro Sem fins lucrativos: por que a democracia precisa das humanidades. Ela chama atenção para uma crise silenciosa que coloca em risco o futuro dos governos democráticos – uma crise mundial da educação – com a retirada das humanidades da grade curricular de ensino. Pois “os países preferem correr atrás do lucro de curto prazo por meio do aperfeiçoamento das competências lucrativas e extremamente práticas adequadas à geração de lucro”.
Ainda de acordo com essa filósofa “o incentivo ao lucro sugere a muitos lideres ansiosos que a ciência e a tecnologia têm uma importância decisiva para o futuro bem-estar de seus países” o problema é que “outras competências, igualmente decisivas, correm o risco de se perder no alvoroço competitivo”. Portanto faz-se necessário resistir a esse projeto, que até mesmo para uma liberal verdadeira é inaceitável.
Já nós, revolucionários, precisamos ir além, precisamos lutar para aprofundar as mudanças que ocorreram nas últimas décadas com o ingresso maior das classes populares nas Universidades Públicas – ingresso que deve vir junto com a permanência e em todos os cursos. E por fim, a tarefa fundamental – derrubar os muros que isolam a universidade do resto da sociedade.
Pedro Ferreira Nunes – é “apenas um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário