E se amanhã não tivesse mais o rio? É com uma pergunta mais ou menos assim que encerra o documentário “Filhos do Rio Tocantins”. A resposta que sintetiza as demais é mais ou menos assim: - seria como quebrar nossas pernas. Façam esse exercício também: Como seria se do dia para noite lhe tirassem a sua fonte de subsistência e existência?
O documentário “Filhos do Rio Tocantins” (2022), produzido por Lucas Sales Reges, retrata a relação dos pescadores de Praia Norte – município tocantinense – localizado na região do Bico do Papagaio – com o Rio Tocantins. Através da câmera de um aparelho celular, somos levados a conhecer o cotidiano de pessoas que tem o rio como sua fonte de sobrevivência – seja por meio da pesca ou transportando turistas no verão tocantinense. Num ambiente majoritariamente masculino, uma voz feminina se destaca – a da Presidenta da Colônia de Pescadores do município – Enilcilene Cardoso.
A partir dessa personagem outro aspecto não menos importante que o filme mostra é a organização coletiva – fundamental para que eles se coloquem como agentes políticos, no sentido aristotélico do termo, em defesa das suas demandas e consequentemente da comunidade. Pois, apesar da baixa escolaridade, eles mostram ter consciência de que uma melhor qualidade de vida passa pela preservação do Rio Tocantins. E fazer isso coletivamente é mais eficaz do que cada um individualmente.
Daí a importância da organização na Colônia de Pescadores. “A finalidade da organização é despertar e juntar a parte do povo que se dispõe a entrar no processo de luta, organizar uma base social, elevar seu nivel de consciência e mobilizar o conjunto da classe visando alcançar seus objetivos imediatos e interesses históricos” (Peloso, 2012, p. 57). Ou seja, quando um determinado grupo se organiza em defesa dos seus direitos acaba se tornando exemplo para que outros também o faça.
Um momento marcante no documentário é quando eles se reúnem para decidir o preço da tarifa a ser cobrado durante a temporada de praia bem como a organização para construção do pier que facilitará o embarque e desembarque de passageiros. Percebemos aí o exercício democrático no processo de tomada de decisões do grupo. Nesse processo o conflito faz parte, e diria que necessário. Mas desde que não leve a ruptura. E sim na busca por consensos. Quando este não é possível, prevalece a maioria.
Todos nas suas falas ressaltam a importância desse período para melhoria de suas rendas e da economia local. Sobretudo em relação ao período de incerteza em que dependem da pesca artesanal – ou seja, quase o ano todo. Ressaltando o período de piracema – em que devem respeitar a reprodução dos peixes.
Percebemos que não é uma rotina fácil. Acordar cedo, ficar dias longe da família, enfrentar perigos, ter que lhe dar com a imprevisibilidade – ou seja, tem dia que você pega o pescado e tem dia que você não pega. No entanto percebemos uma certa paixão deles por aquela vida. São homens experientes – que inclusive herdaram isso dos pais. E não demonstram arrependimento. Pelo contrário, diante do questionamento do que fariam se não tivesse o rio é como se alguém lhes tirasse o chão.
Enfim, o documentário Filhos do Rio Tocantins não é o primeiro a abordar essa temática e mostrar a importância do rio (da natureza, na verdade) como fonte de sobrevivência para muitas famílias. O que não faz desse trabalho um trabalho menos necessário. Pelo contrário. Precisamos cada vez mais chamar atenção da sociedade e sensibiliza-la para importância de um desenvolvimento sustentável. Nesse sentido outras produções como essa são fundamentais.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos.