sábado, 10 de maio de 2025

Vozes Insubmissas: O lugar dos indígenas e dos negros na construção da nossa identidade cultural

O título acima é de uma apresentação que realizamos no dia D da leitura realizada pelo Colégio Esportivo Cívico Militar Santa Rita de Cássia, Palmas-TO, no dia 26 de abril de 2025. A partir de uma temática sugerida pela área de Linguagens, responsável pela organização do evento. Nossa ideia foi chamar atenção ao racismo epistêmico. Mostrando vozes atuais que se sublevam contra este racismo.

O nosso ponto de partida foi então a contribuição da Filósofa Sueli Carneiro para compreendermos o conceito de epistemicídio. Desenvolvido por ela na sua tese de doutoramento na Universidade de São Paulo (USP). Carneiro nos dirá que se trata de um processo de negação dos conhecimentos de grupos excluídos. Tornando-se um dos mais eficazes e duradouros instrumentos de dominação racial. O que não nos falta são exemplos ao longo da história que evidenciam essa afirmação. Por exemplo, a criminalização de expressões culturais desses grupos como a proibição do samba, da capoeira, do tupi guarani como língua e nos dias de hoje, as religiões de matrizes africanas.

Privar as pessoas de expressar sua cultura por meio da língua e de outras manifestações é uma das formas mais perversas de violência que nem sempre temos consciência. Apesar disso, buscamos mostrar como a influência dessas culturas estão presentes na nossa cultura enquanto povo. Por exemplo, em palavras que proferimos no dia a dia mas que não temos consciência da sua origem como: Açaí, Capim, Jacaré, Pipoca, Urubu.

No caso de nós Tocantinense, o nome do próprio Estado é de origem tupi. Pesquisadores apontam que: A palavra “Tocantins” tem suas raízes na língua tupi, que foi uma das línguas indígenas mais faladas no Brasil durante o período colonial. Nessa língua, “Tocantins” é uma combinação de duas palavras: “tucã” e “tins”. A primeira parte, “tucã”, significa “tucano”. Os tucanos são aves conhecidas por seus bicos coloridos e marcantes, que se destacam em meio à diversidade da fauna brasileira. Agora, vem a parte curiosa: “tins” se traduz como “nariz”. Portanto, “Tocantins” pode ser traduzido literalmente como “nariz de tucano”.  (Brener Nunes, Gazeta do Cerrado, 2023).

Ainda nessa linha, não podemos esquecer de uma das mais genuínas expressões da cultura tocantinense, a sussa (dança) criada por negros escravizados no Tocantins.

Para compreender o epistemicídio e o racismo no Brasil, Sueli Carneiro é uma pensadora incontornável. Na sua tese clássica de doutoramento (Dispositivo de racialidade: a construção do outro como não ser como fundamento do ser) ela defende que a superação do racismo “deve ser coletivo, onde o cuidado de si e o cuidado do outro se fundem na busca pela emancipação.”

Outra voz insubmissa que não podemos deixar de ouvir é a do filósofo Ailton Krenak - indígena do povo Krenak. É sem dúvida uma das figuras mais relevantes na defesa dos territórios dos povos originários e do meio ambiente. Na sua obra, ideias para adiar o fim do mundo (2019), ele nos diz: “do nosso divorcio das integrações e interações com a nossa mãe, a Terra, resulta que ela está nos deixando órfãos, não só aos que em diferentes graduação são chamados de índios, indígenas ou povos indígenas, mas a todos nós.” Krenak alerta para as consequências de uma visão mecanicista da natureza. E provoca uma reflexão sobre nossas ações.

A filósofa Djamila Ribeiro foi outra voz apresentada por nós. Outra intelectual negra que também levanta sua voz contra o racismo. O seu manual antirracismo, pequeno em volume, mas grande em conteúdo é um livro que deve ser distribuído em todas as escolas públicas. Ressaltamos a sua mensagem de que não basta não ser racista. Precisamos ser antirracista. Ou seja, diante de uma situação de racismo não podemos ficar calados. Pois se não nos tornamos cúmplices.

Fazendo o movimento do macro para o micro, e do micro para o macro. Não pudemos deixar de falar sobre vozes insubmissas no Tocantins. E a partir daí trouxemos o exemplo do Rogério Xerente, primeiro indígena a receber a carteira de advogado da OAB no Tocantins e da Assistente Social e Poeta Quilombola - Ana Mumbuca. Num lindo poema, Ana nos diz: Sou um pedacinho de muitos/ Sou quem caminha e vira o caminho/ Eu sou pelo que fomos/ Para além do que fizeram com nós.

E essa foi a nossa mensagem final. Essas vozes insubmissas nos conclamam a não aceitar a condição de inferioridade que tentam submeter alguns grupos. Nesse caso especifico os negros e indígenas. Mas há outros tantos - que não aceitam a condição que lhes é imposta como as mulheres e os gays.

Enfim, acredito que conseguimos deixar a mensagem que gostaríamos de ter deixado. Talvez nem todos assimilaram. Mas se conseguimos, no caso Eu e a Maria Eliza (que fez a exposição do trabalho auxiliada por mim), alcançar um ouvido receptivo, já foi uma grande conquista.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

segunda-feira, 5 de maio de 2025

Lajeados

Todo lugar é o retrato das vivências que construímos ao longo da vida. Por isso a visão que temos desse lugar é o reflexo dessas vivências. Se somos múltiplos como diz Nietzsche. A cidade também é múltipla. Pois ela é fruto da multiplicidade dos seus habitantes. Tanto de pessoas que ali nasceram como das que vieram de outros cantos. O fator tempo me parece ser fundamental nessa relação. Sobretudo numa perspectiva cíclica. E é isso que pretendo mostrar nas linhas a seguir sobre a minha relação com a cidade de Lajeado dividida em sete ciclos. O que me faz falar em Lajeados no plural.

O primeiro Lajeado é o da minha infância. Quando íamos a passeio. Ainda não havia praças, ruas asfaltadas. Energia elétrica, água encanada, televisão, telefone era um privilégio de poucos. Os bares na ilha verde eram de palha. De palha eram muitas casas. O nosso lugar de repouso era a casa de Dona Alderina na chácara de Dona Caetana próximo às barrancas do rio Tocantins, que depois seria herdada pelo Tuta e a Rosa.

O segundo Lajeado é o do final da minha infância quando mudamos definitivamente. O lugar onde íamos visitar tornou-se a nossa morada. Nossa casa era de palha, próximo ao Tuta e a Rosa na chácara de Dona Caetana, perto das barrancas do rio Tocantins. Ficávamos próximo a chácara de Dona Julia e Seus Josias. Depois construímos uma casa de adobe. Não havia água encanada, não havia energia elétrica. Plantávamos roça de toco do outro lado do rio, pescávamos e coletávamos buriti, pequi, bacaba, coco babaçu. Caçávamos. 

Estudando no Colégio Nossa Senhora da Providência comecei a fazer amizade para além dos filhos de Dona Alderina e Dona Isabel. Sobretudo com o Laercio e o Vadson. Eu era tímido em demasia. Mas ia sobrevivendo. Gostava mesmo era do mato. E de ler. Desde que descobri na biblioteca escolar que podia pegar livro emprestado e levar para casa não deixei de fazê-lo. Mesmo tempos depois, quando já morávamos na cidade e tínhamos energia elétrica e televisão. As aulas mais marcantes eram certamente da Professora Carlina, Professora Irmã Conceição, Professora Jesus e Professora Valdineia.

O terceiro Lajeado é o da minha adolescência. Dos tempos do ensino médio. A cidade movimentada pela construção da usina hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães. As festas, as amizades, os amores. Aos poucos o menino tímido começou a se transformar. Continuava lendo, arriscava a escrever os primeiros textos da própria inspiração. Ouvia rock, reggae, rap. Passou a usar brinco - a ter um estilo subversivo. Incomodava. Mas na escola destacava-se como um dos melhores.

A cidade já havia mudado bastante em relação ao que era quando chegamos ali. O carnaval, as festas juninas e os festejos de nossa senhora da divina providência eram as mais animadas. Os forró na Gema também eram animados. O point da cidade era o farol na praça 5 de maio. Talvez esse tenha sido o Lajeado mais significativo na minha formação. Guardo com carinho as lembranças desse período. De certa forma continuo sendo aquele menino sonhador do colegial. Que dizia não saber o que queria, mas tinha certeza do que não queria. As aulas mais marcantes foram da Professora Patrícia, Professora Rita e Professor Carlito. Ah, o Professor Carlito. Grande referência.

O quarto Lajeado é o do início da minha maioridade. O qual a minha conexão era unicamente a partir do que minha mãe relatava quando ia nos visitar em Goiânia no mês de julho. Desse período não há muito o que falar. Apenas que o lugar continuava sendo inspiração para os meus textos. E a cada ano que passava o desejo de retornar ia se tornando mais forte.

O quinto Lajeado é o do fim da minha juventude. A cidade que encontrei após alguns anos morando em outro lugar. Num primeiro momento foi um estranhamento ao perceber que não era o mesmo Lajeado da minha adolescência - os tempos eram outros. Muitos não acreditavam que eu me adaptaria. Mas me adaptei. Foi um período de recomeço. De voltar a viver com minha mãe. De cuidar dela, dela cuidar de mim. Dos forrós que íamos mais Dona Rosalina. Dos shows no aniversário da cidade. Das festas juninas. Das pequenas conquistas que íamos conseguindo melhorando a casa e nossa condição de vida.

Ninguém além dela acreditava em mim - que um dia eu teria uma oportunidade de trabalho e iria proporcioná-la uma vida mais tranquila. Me apoiava incondicionalmente nos meus estudos na faculdade. E só não fazia mais porque eu não permitia. Sempre fala que se eu não pudesse dar, não tiraria nada dela. Pois ela já me dava o suficiente - teto para morar, e comida para me alimentar.

O sexto Lajeado é o do inicio da minha maturidade. Da minha atuação como professor no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Das amizades. Sobretudo com os Professores Raimundo e Carlos. Dos projetos. Da relação com os estudantes. Do respeito adquirido junto a comunidade. Da condição de, ainda que por pouco tempo, proporcionar uma vida mais tranquila á minha mãe. Essa nova situação não me fez perder a minha essência - um pessoa simples. Que gosta da simplicidade. De continuar estudando, buscando conhecimento e ajudar o próximo dentro das minhas possibilidades.

O sétimo Lajeado é o atual. Ou o da minha maturidade. Já não estou lá no dia a dia. Mas considero minha morada. Talvez eu nunca mais volte a morar lá, vai saber. Mas não perco a conexão. Pelo menos com a casa de minha mãe, que após sua morte virou da família. Mantenho contato com meus amigos e familiares que lá vivem (meus livros). Mas tenho convivido muito pouco com eles. Os únicos lugares que saio é a distribuidora ou o mercadinho para comprar alguns víveres. Passo o tempo cuidando do quintal (das plantas), lendo e bebendo. Tenho bebido muito.

Enfim, hoje é celebrado o aniversário da cidade. Essa data só me lembra de Mamãe, Dona Rosa, Dona Alderina e do Quati Branco. Por tanto não é mais uma data feliz para mim. Talvez por isso eu não tenha ido aos shows. Ou talvez não (quem sabe se fosse o Ratos de Porão eu até me animasse. Rs). 

Qual será o próximo Lajeado? Haverá um próximo? São perguntas que o tempo irá responder.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quarta-feira, 30 de abril de 2025

Nietzsche e Mario Bergoglio - O Papa Francisco

Se há algo que não deveria nos surpreender é a morte. Sobretudo quando estamos falando de uma pessoa que já viveu muitas primaveras - que o corpo dá sinais de que não suportará muitos dias por mais esforços que façam os médicos. Mesmo assim nos surpreendemos. Isso em grande medida reflete a maneira como nós ocidentais nos relacionamos com a morte. O nosso permanente esforço de evitar o inevitável. Foi assim, com surpresa, que recebemos a notícia da morte do Mario Bergoglio - O Papa Francisco. Não deveríamos, a morte é um fenômeno natural. Ainda mais se tratando de uma pessoa idosa.

O fato de Bergoglio ter se tornado o maior líder espiritual dos católicos e ter transcendido esse espaço por sua postura consequente em defesa dos direitos humanos e de uma cultura de paz. Não o torna imortal - pelo menos, não fisicamente. Por que então tanta comoção diante do seu falecimento? Talvez porque esse evento nos mostra que ninguém, por mais importante que seja, escapará ao seu destino. E isso faz com que olhemos para nós mesmos, para vida que estamos levando. Para as memórias que deixaremos quando chegar a nossa hora - do nosso legado.

Diante da comoção da morte do Papa Francisco lembrei do Nietzsche. Estranho não?! Esse filósofo alemão talvez tenha sido quem fez a crítica mais contundente ao cristianismo - em especial a Igreja Católica. Aliás, é uma coisa que alguns críticos do Nietzsche não entendem, a sua crítica nunca foi direcionada ao Cristo, mas a instituição criada em seu nome. Nosso filósofo ressaltava a grandeza de Jesus Cristo, dizendo que ele havia sido o único cristão genuíno - que vivia conforme aquilo que pregava. Já dos seus seguidores não podíamos dizer o mesmo.

Mas analisando a trajetória do Papa Francisco (Mario Bergoglio) e a sua postura como líder espiritual dos cristãos católicos. Me pareceu que ele seria digno de ser considerado por Nietzsche como um cristão assim como Jesus. A coerência entre aquilo que ele defendia e as suas ações se complementavam de maneira rara. Isso certamente foi algo que mexeu com muita gente não-cristã. Que reconhece na figura do Papa Francisco mais do que um líder espiritual - o exemplo de um ser humano que conseguiu superar a vivência medíocre que nós nos submetemos.

Nietzsche também é um dos filósofos que nos ajuda a ver a morte com outros olhos. Mostrando como ela faz parte da nossa existência. Ele fala em morte perpétua para explicar, segundo Scarlett Marton, que não há vida sem morte e vice-versa. Compreender isso e agir a partir de suas convicções, sem remorsos, é o que deve ser feito.

Foi assim que fez o Papa Francisco. Por mais discordância que tenhamos em relação ao que prega o cristianismo/catolicismo, não podemos deixar de reconhecer isso. Ele viveu conforme seus ideais mostrando que discursos que não estão coerente com a prática não devem ser levados em consideração. Não era perfeito. Assim como nenhum ser humano é. Mas fora certamente um ser extraordinário. Como tantos outros que tivemos ao longo da história.

“Não tenham medo da vida, por favor! Tenham medo da morte, da morte da alma, da morte do futuro, do fechamento do coração. Disto vocês devem ter medo. Mas da vida não, a vida é bela. A vida é para ser vivida e para doá-la aos outros” (Papa Francisco)

Diversos especialistas apontam que a filosofia de Nietzsche sempre foi uma filosofia em defesa de uma vida ativa. E o que é a frase acima do Papa Francisco se não uma defesa intransigente da vida ativa. Se há algo que devemos temer não é a morte física. Pois esta é inevitável. Mas a morte do nosso espírito, ou seja, daquilo que acreditamos, da nossa capacidade de sonhar e de amar.

Talvez possamos fazer um paralelo entre a morte do Papa Francisco e a morte de Deus em Nietzsche, provocada por nós mesmos. Em sua obra A Gaia Ciência, nosso filósofo diz: “Não deveríamos nós mesmos nos tornar deuses, para ao menos parecer dignos dele? Nunca houve um ato maior – e quem vier depois de nós pertencerá, por causa desse ato, a uma história mais elevada que toda a história até então”.

A comoção diante da morte do Papa Francisco tem uma dose de remorso por parte dos cristãos. Pois eles têm consciência, sobretudo os Cardeais, que não vivem uma vida coerente com o evangelho que pregam. Que a morte do seu líder possa contribuir para que mudem. O que acho difícil.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins. 

sexta-feira, 25 de abril de 2025

A importância das associações de Bairros na construção do Direito à Cidade

Sempre me incomodou ao andar pelas ruas do Jardim Aureny I (Palmas) o estado de abandono das praças. Fiquei me questionando qual o sentido de ter tantas praças se não há uma manutenção da limpeza dessas áreas por parte do poder público. Outra questão foi acerca do papel dos moradores. Por que ao invés de cobrar do poder público a limpeza das praças, transformam-nas em depósito de lixo. Com isso temos dois polos: o poder público que negligencia as áreas periféricas. Do outro a população que acredita que o espaço público não lhe diz respeito.

A falta de consciência por parte da população acerca do seu papel na melhoria da qualidade de vida no território em que vive foi objeto de discussão entre eu e uma colega. Num determinado momento começamos a falar da atuação da associação de moradores. E comentei que ao meu ver existem só no papel. Ela retrucou, trazendo o exemplo da associação que preside - a do bairro Jardim Aureny IV. Ao ver a empolgação dela. Eu recuei da minha posição muito feliz. Convidando-a para um bate-papo no contexto de um projeto da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas que estávamos desenvolvendo no Colégio Esportivo Cívico Militar Santa Rita de Cássia no Aureny I sobre papel da Mulher na Comunidade, a falar da sua experiência. Pois assim como eu, provavelmente havia muita gente que não conhecia a Associação de Morador do seu bairro e o quanto elas são importantes na busca por uma melhor qualidade de vida da comunidade.

O bate papo foi muito produtivo. E confirmou a impressão que eu tinha, são poucas as pessoas que já ouviram falar de uma associação de moradores atuante em Palmas e qual o papel que elas exercem na comunidade. Mas a partir daquele bate papo tanto elas como eu saberia que há uma associação de moradores que faz um trabalho importante nesse território - a do bairro Aureny IV. Não por acaso conseguiram parceria com instituições como o SENAI através do qual realizam formação profissional para comunidade. Com a Central Única das Favelas (CUFA) através da qual faz um trabalho social junto às mulheres negras. E com a Universidade Federal do Tocantins por meio de um projeto de extensão capitaneado pelo Professor João Bazzoli.

Wânia Máritha (esse é o nome dela) fala de forma apaixonada do seu trabalho como presidente da associação. Da sua eleição ao enfrentar uma campanha misógina que tentou desqualificá-la por ser mulher e mãe solteira. As conquistas que obteve das maiores às menores. Como a associação que mais distribuiu cesta básica durante a pandemia de COVID-19 e a construção de um quebra-molas numa rua movimentada garantido a segurança dos transeuntes.

Nós que acreditamos na solidariedade, na cooperação e no trabalho coletivo não podemos deixar de nos empolgar também com a fala da Wânia. Por outro lado, sabemos que nem todos os presidentes de associação de moradores tem como preocupação o bem comum. Como reflexo disso, em alguns bairros elas só existem de fato no papel. Mas se quisermos vislumbrar outro paradigma de desenvolvimento para Palmas isso passa pelo fortalecimento do protagonismo das comunidades. E nesse contexto as associações de moradores são indispensáveis.

Essa compreensão também encontramos no Bazzoli (2017) que afirma não haver possibilidade de vislumbrarmos outra concepção de cidade sem o protagonismo popular. É nesse sentido que ele desenvolve o seu projeto de extensão universitária que tem o Jardim Aureny IV como um dos territórios onde atua. Trata-se de uma iniciativa importante vinda da academia que, se tratando de UFT, precisa ter uma atuação melhor por meio de projetos de extensão na periferia.

No seu livro Direito à cidade (1968), o filósofo francês Henri Lefebvre nos diz que “as cidades e o urbano não podem ser compreendidos sem as instituições oriundas das relações de classe e de propriedade”. Que instituições são essas? A serviço de quem elas estão? Essas instituições convivem entre si buscando os seus interesses. No caso da associação de moradores elas são um instrumento político de participação da comunidade nos rumos da comunidade. Ela não surge de cima para baixo. Mas como fruto de um processo de conscientização e mobilização dos moradores locais.

Ainda seguindo a linha no que diz Lefebvre sobre o direito à cidade. Este só pode ser formulado como o direito à vida urbana, transformada, renovada. Sendo que a efetivação desse direito não requer apenas uma legislação. Mas a participação dos trabalhadores a partir de uma atividade prática-sensível. Pois ninguém melhor do que eles sentem na pele a falta de um transporte público de qualidade, de saneamento básico, da limpeza urbana, da falta de equipamentos culturais entre outros.

E as associações de moradores, como produto dessa atividade prática-sensível é um instrumento importante para que possam se organizar e mobilizar em defesa do direito à cidade.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins. 

domingo, 20 de abril de 2025

Ailton Krenak e as ideias para adiar o fim do mundo

Quando falamos em fim do mundo logo nos remetemos a um discurso teológico que prega a adesão a certa doutrina como meio para ser salvo no momento do juízo final. Não é esse o objeto do Krenak. Mas provocar uma reflexão que nos faça pensar na relação que estabelecemos com o meio ambiente e com os nossos companheiros de jornada neste planeta. Logo, se quisermos adiar o fim do mundo, desse mundo. Precisamos repensar nessas relações pautadas em interesses mercadológicos.

Ideias para adiar o fim do mundo (2019) é uma das obras mais interessantes desse indígena do povo Krenak (localizado na região do Vale do Rio Doce, Minas Gerais) que há várias décadas levanta sua voz em defesa dos povos originários. Filósofo, escritor, ativista do meio ambiente. Ailton Krenak teve sua trajetória coroada recentemente ao se tornar o primeiro indígena a ocupar uma cadeira na Academia Brasileira de Letras (ABL). É de sua lavra também títulos como: Futuro Ancestral (2022), A vida não é útil (2020),  O lugar onde a terra descansa (2000).

Como um bom filósofo, o ponto de partida de Krenak é o questionamento. E o questionamento que desencadeia a sua reflexão sobre a possibilidade de adiarmos o fim do mundo é acerca do conceito de humanidade.

“Como justificar que somos uma humanidade se mais de 70% estão totalmente alienados do mínimo exercício de ser? A modernização jogou essa gente do campo e da floresta para viver em favelas e em periferias, para virar mão de obra em centros urbanos. Essas pessoas foram arrancadas de seus coletivos, de seus lugares de origem, e jogadas nesse liquidificador chamado humanidade. Se as pessoas não tiverem vínculos profundos com sua memória ancestral, com as referências que dão sustentação a uma identidade, vão ficar loucas neste mundo maluco que compartilhamos”.

O trecho acima mostra, digamos, o método do Krenak, alicerçado na tradição oral dos povos indígenas. Temos ao longo das páginas de ideias para adiar o fim do mundo uma conversa, um diálogo. De modo que o nosso filósofo dialoga com a tradição filosófica ocidental mas mantendo a sua identidade. Sua escrita é de fácil compreensão, não fugindo da polêmica.

No trecho acima chamaria sobretudo atenção para esse processo de desenraizamento no qual somos submetidos. Sobretudo os povos das águas e das florestas que são expulsos dos seus territórios para dar lugar à monocultura. O filósofo faz uma analogia bem interessante do conceito de humanidade com um liquidificador. Ou seja, para você ser considerado humano precisa abrir mão das suas raízes e se dissolver na massa. Os povos indígenas e africanos sabem muito bem disso, pois sentiram na pele durante o processo de formação da nação brasileira.

Krenak conta que o título da obra surgiu como uma provocação. Ele fora convidado para uma palestra na Universidade de Brasília (UNB) e ao ser questionado qual seria o título da sua exposição disse: Ideias para adiar o fim do mundo. Desse modo, a origem dessa obra é um conjunto de várias palestras que ele deu tanto no Brasil como em outros países.

“Estar com aquela turma me fez refletir sobre o mito da sustentabilidade, inventado pelas corporações para justificar o assalto que fazem à nossa ideia de natureza. Fomos, durante muito tempo, embalados com a história de que somos a humanidade. Enquanto isso — enquanto seu lobo não vem —, fomos nos alienando desse organismo de que somos parte, a Terra, e passamos a pensar que ele é uma coisa e nós, outra: a Terra e a humanidade. Eu não percebo onde tem alguma coisa que não seja natureza. Tudo é natureza. O cosmos é natureza. Tudo em que eu consigo pensar é natureza”.

Nesse outro trecho de ideias para adiar o fim do mundo, Krenak defende sua concepção da natureza - a ideia de um organismo do qual todos nós fazemos parte. Opondo-se portanto à visão da natureza como uma máquina presente no pensamento de filósofos como René Descartes.

Um ponto interessante acerca deste livro é a visão do ser humano como um ser parasitário. Uma discussão que vai ganhar evidência com a pandemia de COVID-19.

“O que aprendi ao longo dessas décadas é que todos precisam despertar, porque, se durante um tempo éramos nós, os povos indígenas, que estávamos ameaçados de ruptura ou da extinção dos sentidos das nossas vidas, hoje estamos todos diante da iminência de a Terra não suportar a nossa demanda”.

Durante a pandemia de COVID-19 até se cogitou a possibilidade de uma mudança de paradigma no sentido de uma sociedade pautada na solidariedade e na cooperação. Mas não é isso que estamos vendo. Certamente o Ailton Krenak e outros pensadores que fazem esse alerta são classificados de catastrofistas. Mas a realidade mostra cada vez mais quem está com a razão. Ainda que essa palavra razão seja bastante ligada ao conceito de humanidade.

Mas enfim. Não é nosso objetivo aqui fazer uma análise aprofundada da obra em questão. Mas apenas apresentá-la fazendo algumas pontuações. Ideias para adiar o fim do mundo é na minha compreensão um livro clássico de filosofia. Mas não se trata de uma tentativa de imitar pensadores europeus. Certamente Krenak não despreza a filosofia ocidental de matriz europeia. Mas não se limita a ela. Buscando a fundamentação do seu pensamento na sua ancestralidade.

“Quando despersonalizamos o rio, a montanha, quando tiramos deles os seus sentidos, considerando que isso é atributo exclusivo dos humanos, nós liberamos esses lugares para que se tornem resíduos da atividade industrial e extrativista.”

Isso me fez lembrar de um documentário (Tocantins - Rio Afogado) tocantinense do Hélio Brito que mostra o impacto sociocultural da construção de Usinas Hidrelétricas ao longo do leito do rio. Com a construção da Usina Hidrelétrica Luiz Eduardo Magalhães o rio Tocantins para muitos já não é mais o rio Tocantins e sim o lago de Palmas - onde o interesse comercial se sobrepõem a vida.

Krenak nos questiona qual o mundo estamos deixando para o futuro e qual o que gostaríamos de receber. Será se nossas ações são coerentes com o que dizemos? Para o nosso filósofo não é possível pensar em adiar o fim do mundo enquanto nos colocarmos como algo fora da natureza, como se não fizéssemos parte dela.

Enfim, já era para ter encerrado lá atrás. Mas me empolguei um pouco. Concluo portanto convidando-os a ler ideias para adiar o fim do mundo. No meu caso, além de lê-lo, nos últimos anos, tornei-o um dos livros que faz parte da bibliografia das minhas aulas de Filosofia. Por isso, super recomendo.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins. 

terça-feira, 15 de abril de 2025

Resenha: Rodox e o seu álbum de estreia - Estreito

Há um tempo que não faço as minhas resenhas das coisas que ando ouvindo. Então vamos lá. Esse eu ouvi por acaso. E não poderia deixar de escrever pois é certamente um dos melhores discos de rock dos anos 2000. O que me fez pensar que nada como o tempo para que a gente mude o nosso olhar sobre determinadas coisas.

Antes de falarmos do Rodox e seu álbum de estreia precisamos falar sobre o acontecimento que levou ao surgimento do grupo - a saída do Rodolfo Abrantes da banda Raimundos. Para os desavisados, a Raimundos é uma banda que surgiu em Brasília e tomou o Brasil de assalto com sucesso como Mulher de Fases, A mais pedida, Eu quero ver o oco, Puteiro em João Pessoa entre outros. E era composta por: Rodolfo (Vocal), Digão (Guitarra), Canisso (Contrabaixo) e Fred (bateria). A saída do vocalista pegou os fãs de surpresa, sobretudo porque a banda estava no auge. Mais ainda o motivo, sua conversão ao protestantismo cristão.

Ao montar a banda Rodox, integrada por DJ Bob (efeitos), Fernando Schaefer (bateria), Marcos Adamuy (guitarra), Pedro Nogueira (guitarra) e Patrick Laplan (baixos), Rodolfo mostrou que continuaria no rock, mas agora ao contrário das letras escrachadas dos Raimundos no melhor estilo sexo, drogas e rock in roll. Certamente teríamos letras com mensagens evangelizadoras.

E acredito que foi exatamente isso que afastou tanto eu como muitos outros do som da banda. No decorrer dos anos já até me deparei com algum vídeo de apresentação do Rodox em programas como o Musical, do Gastão Moreira na Cultura. E no Bem Brasil, com o Wandi Doratiotto. E não me pareceu tão ruim. Mas nunca me animei a ouvir um disco deles.

Só recentemente, é que por acaso ouvi o álbum de estreia da banda - estreito (2002). E não me pareceu nada mau. É um excelente disco de rock do ponto de vista musical. Quanto às letras, e foi isso que mais me surpreendeu, não é uma pregação. Óbvio, tem muita referência a bíblia. Mas é sobretudo letras que refletem um estado de espírito de alguém que conseguiu superar seus demônios. Com isso consegue se sobrepor ao meio gospel, pois estamos falando de uma condição que é inerente ao ser humano. Só o que muda dependendo de cada um é no que nos agarramos para encarar a nossa condição de seres finitos.

O nome do álbum é de uma das canções que compõem o disco - estreito. Um hardcore ala Nega Jurema. Mas com uma reflexão acerca de escolhas e de caminhos.

O caminho que escolhi é o estreito
Até parece duro e espinhoso, mas é reto e perfeito
A verdade cai na Terra como uma bomba
A mágoa leva a consciência feito uma tromba d'água.

Além dessa temos: olhos abertos; Não lembro mais; De uma só vez; Ao lado do sol; Continuar de pé; Cego de Jericó; Dia quente; Três Reis; Quem tem coragem não finge; Horário Nobre; Quem dá mais.

Na faixa Três Reis temos a participação do Marcelo Falcão (O Rappa) e Xis (Rapper). Eu vejo o inimigo no espelho/Meu sangue no joelho/É sempre para me lembrar/Que os vultos e vozes que chegam devagar/Inofensivos como coelhos/São piores que a serpente do mal.

Em estreito, Rodolfo mostra que ele era de fato a mente criativa dos Raimundos. Após a sua saída a banda sobreviveu aos trancos e barrancos. Mas nunca conseguiu produzir algo relevante. Continua fazendo shows sobretudo a partir do legado construído na era Rodolfo. Já o Rodox também não teve vida longa. Rodolfo acabou seguindo uma linha cada vez mais pop - que já observamos nesse disco em faixas como: Quem tem coragem não finge.

O que impede de andar pra frente
É a direção que escolheu
Se um abismo separa a gente
Quem fez a escavação não fui eu
Eu sei que gente que tem coragem não finge
Que nada disso aconteceu…

Não precisamos ser evangélicos para apreciar a poesia dessa letra. E não, não seremos convertidos se ouvirmos estreito (2002) do Rodox. No qual percebemos uma influência do Link Park, tanto na estética do grupo como nas músicas que se intercalam entre um vocal suave e gritado. Por tanto, se você aprecia música de qualidade, em especial rock in roll, não se arrependerá. Dá o play e aprecie fumando um palheiro e tomando uma cerveja.

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

quinta-feira, 10 de abril de 2025

Foucault e “Las Meninas”: Uma Interpretação Possível

Ao analisar a famosa obra de arte “Las Meninas” do pintor espanhol Velázquez, no capitulo I, do seu livro “As palavras e as coisas” publicado em 1966. Foucault parece esta seguindo a teoria apresentada por Gadamer na sua obra “Verdade e método” publicado em 1960. Onde ele aborda a relação entre estética e hermenêutica. Para Gadamer (1960) é preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento. E nos parece que é exatamente este conselho que Foucault tenta seguir, inclusive chamando atenção inicialmente para o aspecto do olhar. Dependendo de qual perspectiva que você visualiza determinada coisa, alguns aspectos se tornaram visíveis e outros invisíveis. 

Eis, portanto um primeiro ponto importante acerca dessa interpretação de Foucault da obra “Las Meninas”, a visibilidade e a invisibilidade através do olhar. E a partir dai algumas questões surgem. O que olhar nos revela? O que nos omite? Outra questão importante é o fato de que somos condicionados a ver não aquilo que queremos. Ainda que achemos que estamos vendo o que queremos, quando no fundo estamos vendo exatamente o que o autor quer que vejamos. Podemos dizer também que Foucault está preocupado com a maneira que vemos determinadas coisas e de como as interpretamos.

Segundo Foucault (2006) nenhum olhar é estável, ou antes, no sulco neutro do olhar que traspassa a tela perpendicularmente, o sujeito e o objeto, o espectador e o modelo invertem seu papel ao infinito. E assim Foucault levanta um tema central na filosofia – a relação entre sujeito e objeto. Uma questão fundamental no campo da teoria do conhecimento. E pelo posicionamento do autor, claramente ele toma partido por uma visão materialista. Sobretudo quando reconhece que o sujeito se faz na relação concreta com o objeto. Porém sem negar a subjetividade. Foucault trás o aspecto do olhar para nos mostrar como a relação entre sujeito e objeto não se dá tão claramente, pelo contrário, muitas vezes gera confusão, pois, “não sabemos quem somos nem o que fazemos. Somos vistos ou vemos?” (Foucault, 1966). 

Tal fato se dá por que nosso olhar é condicionado a enxergar apenas aquilo que nos dá a ser enxergado. “Olhamos-nos olhados pelo pintor e tornados visíveis aos seus olhos pela mesma luz que no-lo faz ver. E, no momento em que vamos nos apreender transcritos por sua mão como num espelho, deste não podemos surpreender mais que o insipido reverso. O outro lado de um reflexo”. (Foucault, 1966). Quando nos libertamos desse olhar podemos perceber o que antes não víamos, o que antes era invisível. E é o próprio artista que nos oferece essa visibilidade através de um espelho. O espelho trás a luz o que antes era invisível. Podemos dizer que aqui o autor esta falando sobre as quebras de paradigmas. Por outro lado ele ressalta que “essa invisibilidade que ele supera não é a do oculto: não contorna o obstáculo, não desvia a perspectiva, endereça-se ao que é invisível ao mesmo tempo pela estrutura do quadro e por sua existência como pintura”. Foucault chama atenção para o limite das teorias filosóficas hegemônicas. Como também das artes plásticas no sentido de desvelar completamente as estruturas por trás das coisas.

Logo para Foucault é necessário um novo olhar sobre as coisas, um olhar estruturalista – corrente filosófica da qual ele fazia parte. E o que é o estruturalismo? De acordo com Japiassú (2001) trata-se de uma “doutrina filosófica que considera a noção de estrutura fundamental como conceito teórico e metodológico”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “o método estruturalista de investigação científica foi estabelecido pelo linguista suíço Ferdinand de Saussurre (1857-1913), que afirma ver na linguagem "a predominância do sistema sobre os elementos, visando extrair a estrutura do sistema através da análise das relações entre os elementos" (E. Benveniste). A linguística, desse modo teria por objeto não a descrição empírica das línguas. Mas a análise do sistema abstrato que constitui as relações linguísticas. Lévi-Strauss aplicou o método estruturalista no estudo dos mitos e das relações de parentesco nas sociedades primitivas, tornando as estruturas sociais como modelos a serem descritos, estabelecendo assim o sentido da cultura em questão”. Foucault busca seguir o mesmo caminho. É justamente isso que ele tenta fazer ao analisar o quadro “Las Meninas” do pintor espanhol Velázquez. E que ficará mais claro na segunda parte quando ele introduz a questão da palavra e a relação da linguagem com a pintura.

Seguindo essa linha uma primeira questão apontada pelo autor é a diferença entre o que se vê e o que se diz. Logo a tarefa da linguagem nessa sua relação com o visível é ir desvelando o que não esta tão explicito assim. Foucault dá ênfase ao papel do espelho nesse processo. Segundo o autor (1966) “o espelho, por um movimento violento, instantâneo e de pura surpresa, vai buscar, à frente do quadro, aquilo que é olhado mas não visível”. Seria, portanto esse o papel do filósofo estruturalista? A Concepção metodológica estruturalista é utilizada em diversas ciências (linguística, antropologia, psicologia etc.) que tem como procedimento a determinação e a análise de estruturas. De acordo com Japiassú (2001) “pode-se considerar o estruturalismo como uma das principais correntes de pensamento, sobretudo nas ciências humanas, em nosso século”. Tal importância se dá justamente por essa busca dos estruturalistas em tornar o invisível, visível.

Foucault utiliza bem a concepção metodológica estruturalista para explicar a sua interpretação da obra “Las Meninas”. “há, pois, dois centros que podem organizar o quadro” e seguindo afirma que “essas linhas sagitais são convergentes, segundo um ângulo muito agudo, e o ponto de seu encontro, saindo da tela, fixa à frente do quadro, mais ou menos lá de onde o olhamos. Ponto duvidoso, pois que não o vemos; ponto, porém, inevitável e perfeitamente definido, pois que é prescrito por essas duas figuras mestras e confirmado ainda por outros pontilhados adjacentes que nascem do quadro e que também dele escapam”. (Foucault, 1966). Novamente Foucault chama atenção para o fato do artista buscar direcionar o nosso olhar o que não percebemos se não compreendermos toda a estrutura utilizada pelo autor para confecciona-la. E é isso que Foucault tenta fazer ao afirmar que há dois pontos centrais que se convergem bem como três olhares que se cruzam.

Retomemos aqui uma comparação entre a interpretação de “Las Meninas” por Foucault e a relação entre hermenêutica e estética por Gadamer. Gadamer é contrario a consciência estética que se fundamenta nessa concepção metódica, numa espécie de “autocerteza subjectiva”. Ele criticará a visão acerca dessa experiência estética – da afirmação de que não existe conteúdo na obra de arte, na separação que se faz entre forma e conteúdo. Foucalt parece concordar, tanto que para iniciar a sua obra “As palavras e as coisas” se utilizará da interpretação de uma pintura para mostrar a relação infinita entre linguagem e imagem. E que portanto é necessário uma abordagem estruturalista para compreender essa questão. 

É importante chamar atenção para questão da representação. Para Foucault ((1966) “a representação pode se dar como pura representação”. Como saber então se se trata ou não de uma representação da representação? O caminho é buscar a estrutura das coisas. E para tanto é preciso se utilizar dos diversos tipos de linguagem, não só a palavra escrita.

Por fim para nós fica evidente o aspecto da importância do olhar que Foucault trás na sua interpretação. Outra questão importante é acerca do que é visível e do que é invisível. Sendo que a relação do olhar com o que é visível e invisível muda a nossa perspectiva de como vemos determinada coisa bem como o significado ao que damos a essa coisa. A partir dai ele falará do espelho como algo que surge nos dando a possibilidade de ver o que antes não conseguíamos ver, sobretudo quando torna o invisível, visível. Nos parece que este é exatamente o papel da corrente filosófica estruturalista, revelar o que esta invisível – o que se dá através da linguagem.

Referências Bibliográficas

FOUCALT, Michel. As palavras e as Coisas. Capitulo I – “Las Meninas”. 1º Ed. Editora Martins Fontes. 1966.

JAPIASSÚ, Hilton; Marcondes, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 3º Edição. Jorge Zahar Editor – Rio de Janeiro; 2001.

PALMER, Richard E. Hermenêutica. – Tradução de Maria Luísa Ribeiro Ferreira. Edições 70 – Lisboa/Portugal: 1969. Págs. 167 a 196.

*Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.