“As luzes que descobriram as liberdades inventaram também as disciplinas”.
Michel Foucault
Vigiar e Punir é uma das principais obras do filósofo francês Michel Foucault. Publicada pela primeira vez em 1975 o livro chama atenção para o papel do encarceramento (a lógica do cárcere) na sociedade capitalista. E para o problema que é – quando essa lógica se espalha para o corpo social. Uma questão ainda mais preocupante na atualidade, sobretudo agora com todo o aparato tecnológico que nos cerca (Câmara de segurança, Smartfones e redes sociais).
Foucault é fiel ao seu entendimento de que a filosofia é uma maneira de refletir, de pensar criticamente o pensamento. Para tanto a história se torna um elemento importante nesse processo de reflexão. A partir desse entendimento ele apresenta a obra dividida em quatro partes: A primeira trata do SUPLÍCIO, a segunda da PUNIÇÃO, a terceira da DISCIPLINA e a quarta da PRISÃO. E ainda divide a primeira parte em dois capítulos: 1- O corpo dos condenados e a 2- Ostentação dos suplícios. A segunda parte também é dividida em dois capítulos: 1- Punição generalizada e 2- A mitigação das penas. Já a terceira parte é dividida em três capítulos: 1- Os corpos dóceis, 2- Os recursos para o bom adestramento e o 3- Panoptismo. E a quarta parte também se divide em três capítulos: 1- Instituições completas e austeras, 3- Ilegalidade e delinquência, e o 3- Carcerário.
Microfísica do Poder, Corpo e Panóptico.
Esses três conceitos são os pontos chaves para se compreender a reflexão sobre a lógica do cárcere na sociedade capitalista. Em relação ao primeiro, microfísica do poder, Foucault ressalta que o poder não existe como propriedade, o que existe são relações de poder. Desse modo seus efeitos de dominação não significa uma apropriação, “mas a disposições, a manobras, a táticas, a técnicas, a funcionamentos” sobre o corpo – que é o objeto do poder – tanto quando a punição era através do suplício (período medieval) como quando passou ser a alma (modernidade). Já a ideia do panóptico é de um “espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados”.
Do suplício á prisão
Como a sociedade chegou ao modelo de punição atual, representado sobretudo pelo sistema penitenciário? Para responder essa questão Foucault faz uma retomada histórica para mostrar como passamos do suplício para as prisões modernas. De acordo com suas palavras “em algumas dezenas de anos, desapareceu o corpo supliciado, esquartejado, amputado, marcado simbolicamente no rosto ou no membro, exposto vivo ou morto, dado como espetáculo”. A partir daí “a punição vai se tornando, pois, a parte mais velada do processo penal, provocando várias consequências: deixa o campo da percepção quase diária e entra no da consciência abstrata; sua eficácia é atribuída à sua fatalidade não a sua intensidade visível; a certeza de ser punido é que deve desviar o homem do crime e não mais o abominável teatro”.
Essa mudança de perspetiva no campo da punição não foi obra de uma evolução natural da sociedade, mas de uma revolução profunda que marca a passagem do período medievo para modernidade – a queda da monarquia e a ascensão da burguesia. Esta para dominar precisa revolucionar – precisa mostrar que é diferente (melhor) que a antiga classe dominante. Apesar de se mostrar com um rosto mais humanista, defendendo as liberdades individuais, não cessa o domínio sobre o corpo. O que muda é a forma desse domínio já que o corpo precisa ser moldado de acordo com os interesses da nova classe hegemônica.
O capitalismo precisa de outro tipo de corpo que atenda aos interesses do novo modo de produção – precisa de indivíduos dóceis que produzem, que consomam. Sem resistir, sem existir. E como formar esse novo indivíduo? Através da disciplina – da docialização dos corpos em instituições como escolas, universidades, forças armadas, fábricas – através de recursos como exames avaliativos. Um ponto importante a se ressaltar é que em todos esses espaços prevalece a perspetiva panóptica.
Quando todo esse aparato disciplinar fracassa é então que entra em cena os presídios como o último recurso para formar indivíduos dóceis e úteis “a sociedade”. Para tanto é criado toda uma arquitetura voltada para esse fim, inclusive com a formação de um corpo de especialistas voltados para atuar nesse contexto. No entanto a realidade nos presídios é bem diferente do que está nas leis de execução penal. O infrator que deveria ser recuperado e resocializado é tratado como delinquente pelo sistema penitenciário, e tende a sair pior do que entrou. No final das contas para Foucault, a passagem do suplício para prisão, significou apenas uma passagem de uma arte de punir para outra.
Para alguma conclusão
Uma questão importante que nosso filósofo levanta é que a lógica de vigiar e punir existente no cárcere tende a se espalhar pelo corpo social, e isso se dá através de uma estratégia de poder que para se manter precisa produzir indivíduos doceis e úteis, e quando isso falha não pensa duas vezes antes de puni-los. Isso tudo se dá sobretudo num ambiente em que todo mundo vigia todo mundo. O que para nós, especialmente com todo o aparato tecnológico que faz parte do nosso cotidiano, torna esse regime de vigilância generalizada e punitiva ainda mais possível.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.