Era meados de 1940 – o paulista Sebastião Bandeira
desbravava o norte goiano em busca de pedras
preciosas. Como na região de Arraias e de Natividade o
garimpo estava em decadência decidiu se embrenhar
mais para o interior do norte goiano – ainda não tão
conhecido e muito pouco desbravado. Foi nessas
andanças que Tião – como era conhecido. Chegou a
uma região lajeada de pedras, rodeada por serras e
banhada por uma fonte inesgotável de água. Seu faro de
garimpeiro lhe disse que encontraria ali muito ouro.
Foi então que Tião estabeleceu um grande garimpo
nesta região. O que logo atraiu garimpeiros de várias
partes do país em busca de ouro e diamante. A região
de exploração do garimpo logo se tornou um povoado
– que foi batizado com o mesmo nome do córrego que
banhava o lugar – Lajeado. Com o enfraquecimento do
garimpo na região – Tião cansado da vida de
explorador decidiu constituir família e permanecer no
local.
Toda a riqueza que Tião tinha acumulado até então
decidiu por investir na compra de terras e na criação de
gado. Casou-se com Tereza Maria com quem teve três
filhos – Sebastião Jr, Miguel e Rosa. Sebastião e Miguel
foram mandados pelo pai, estudar na capital goiana, já
Rosa permaneceu ao lado dos pais no povoado de
Lajeado.
Rosa era criada de forma rígida, sem nenhuma
liberdade. Vivia trancada em casa, não podendo se quer
estudar. Quando tinha 14 anos a jovem se apaixona por
um peão da fazenda do pai. O negro Romualdo
igualmente amava Rosa. No entanto ambos sabiam que
aquele romance já mais seria permitido por Tião.
Mesmo assim Rosa e Romualdo se arriscam se
encontrando secretamente.
Tião um dia ao procurar por Romualdo encontra-o com
sua filha – colérico de raiva manda os outros peões
prender Romualdo e o castiga-lo severamente. Rosa por
sua vez também seria trancafiada em seu quarto e seria
obrigada a entrar para um convento.
Romualdo é torturado severamente tal como Tião fazia
com os escravos que ele explorava no tempo do
garimpo. Mesmo sob a forte tortura Romualdo
consegue sobreviver. E através de um amigo descobri
que Tião pretende mandar Rosa para um convento. Se
tal plano se concretizasse seria a morte de Romualdo.
Pois ele não conseguiria viver sem sua amada. Assim
mesmo debilitado devido à tortura que havia sofrido,
Romualdo estava disposto a desafiar o patrão e fugir
com sua amada, se assim ela quisesse.
- Você está louco Romualdo. Cale essa boca. Se o
patrão ti ouvir dizendo essas asneiras irá mandar ti
matar.
- Eu prefiro a morte a ter que viver longe dela.
- E será isso que vai acontecer contigo se você não se
colocar no seu lugar. Onde já se viu um peão se
engraçar com a filha do patrão!
- Eu preciso da tua ajuda camarada. Preciso que você
entregue um recado para Rosa. Diga a ela que estou
disposto a fugir com ela.
- Não Romualdo. Não posso fazer isso. Se me pegarem,
além de ti, matam a mim também.
- Sei que você achará um jeito de passar o recado pra
ela sem que ninguém descubra. Faça isso como o
ultimo pedido de um amigo, de um irmão.
- Não vou ti prometer nada Romualdo. Mas ti garanto
que irei tentar.
Com muito cuidado o amigo de Romualdo consegui
passar o recado dele para ela. Rosa que desde então
sofria com a possibilidade de nunca mais ver seu amado
– enche o coração de alegria e esperança. A fuga seria
perigosa, mas Rosa preferia morrer com seu amado a
ter que morrer longe dele – sem a possibilidade de
nunca mais vê-lo.
- E quando será?
- Ele não me disse. Mas esteja preparada que a qualquer
hora ele aparece e vocês fogem.
Romualdo planejava fugir com sua amada nas vésperas
em que ela seria mandada para o convento em Goiânia.
Miguel – irmão de Rosa – que morava em Goiânia.
Veio especialmente busca-la.
Era noite de lua cheia. Todos já estavam repousando –
No dia seguinte bem cedinho Miguel juntamente com
sua irmã Rosa seguiria rumo a capital goiana. No
entanto Romualdo e Rosa tinham outros planos.
Percebendo que todos já estavam repousando
Romualdo com a ajuda do amigo consegue chegar até o
quarto onde Rosa estava. Essa por sua vez não
acreditou quando viu o amado, pois já havia perdido a
esperança de que ele viesse liberta-la daquela prisão e
juntos fugissem rumo à felicidade. Quando seus olhos
se encontraram abraçaram-se fortemente e se beijaram
ternamente.
- Vamos? Tá na hora. Falou Romualdo.
- Sim vamos. Respondeu ansiosa, Rosa. – achava que
você não viesse mais.
- Mesmo que custe a minha vida. Eu já mais ti deixaria
partir para longe de mim. Eu ti amo Rosa, ti amo mais
do que tudo.
- Eu também ti amo Romualdo. Eu prefiro a morte a
ter que viver longe de ti.
- Vocês precisam ir. Deixa essas declarações pra outro
momento.
- Certo. Obrigada por tudo camarada. Já mais vou
esquecer o que tu fez por mim.
- Muito obrigada Romildo, muito obrigada.
E então Romualdo juntamente com sua amada seguiu
cautelosamente para que não fossem descobertos. Cada
vez mais se afastavam daquela casa que se tornara uma
prisão para eles. Os cães latiam tentando alertar sobre a
fuga, mas como era de costume o latido dos cães não
despertaram ninguém, nem mesmo os peões
responsáveis por cuidar da segurança do local deram
atenção para aqueles latidos – provavelmente pensaram
se tratar de algum viajante cortando aquelas paragens.
Enquanto isso Romualdo e Rosa seguiam com um
misto de felicidade e apreensão, estavam cada vez mais
longe do seu cativeiro, no entanto eles sabiam que
assim que a fuga dos dois fosse descoberta, eles seriam
caçados como se fossem animais. E dessa vez Tião não
perdoaria, Romualdo seria morto, já Rosa não teria destino muito diferente. Por tanto eles precisavam
andar depressa – precisavam logo esta bem longe
daquele local, pois as horas iam chegando e muito em
breve quando fossem despertar a Rosa – descobririam
sua fuga.
- Tereza vai acordar Rosa. Já são 04h30 da manhã e é
hora dela acordar para tomar o café e começar a viajem.
- Tião, Tião. A rosinha sumia, não está aqui.
- Procure ela já por todas as partes. Cadê o Romualdo?
Assim que soube do sumiço da filha, Tião deduziu
rapidamente que ela havia fugido com o negro
Romualdo. Perguntou por ele, mas já sabia a resposta.
- Sumiu também patrão.
- Eu quero todo mundo atrás desses dois já. E os quero
vivo ou morto.
Tião ficou colérico ao saber da fuga de sua filha com
seu peão – o negro Romualdo. Imaginava como
Romualdo pode ter tamanha audácia em fugir com sua
filha. Mas ele não perdoaria essa audácia – tinha dado uma chance para Romualdo, no entanto dessa vez não
perdoaria, assim que fosse encontrado Romualdo seria
morto. Já Rosa – ela não perderia por esperar. Também
seria severamente castigada por desafia-lo e depois seria
trancafiada eternamente num convento.
Tião, Miguel e um grupo de peão seguiram a cavalo
vasculhando as casas do povoado de Lajeado e das
fazendas vizinhas em busca de sua filha Rosa e de
Romualdo.
- Vamos revirar tudo que sei que eles ainda estão nessa
região. Eles não estão muito longe.
E Tião tinha razão. Com o raiar do sol Romualdo
decidiu se esconder com sua amada em uma grota ao pé
da serra do lajeado, pois não era seguro continuar a fuga
durante o dia. E assim que escurecesse seguiriam
viagem. Enquanto isso a caçada ao casal de apaixonados
não cessou um minuto. No entanto os dois não foram
encontrados.
Mais uma noite se aproximava. Tião ordenou que seus
peões ficassem atentos, pois sabia que era durante a
noite que Romualdo e Rosa desentocariam e
continuariam a fuga.
Assim que a escuridão tomou conta da paisagem
Romualdo e Rosa – deixam o esconderijo e prosseguem
a viajem. Quando já se aproximava da meia noite eles
adentram ao povoado de Lajeado. Na altura do pé de
pequi um peão que estava de tocaia reconheceu os dois
fujões e rapidamente deu um tiro de bucheira para cima
no intuito de avisar seu patrão. Tião e seu bando logo
se colocaram no encalço do casal.
- Os encontram. Vamos pega-los.
Quando Romualdo percebeu que haviam sido
descobertos buscou refugio em um brejo próximo ao
pé de pequi.
- Aqui eles não nos pega.
Tião e seu bando cercaram os dois, assim Romualdo e
Rosa tinham apenas duas alternativas – darem
prosseguimento a fuga atravessando o córrego Lajeado
ou se entregarem. Se decidissem atravessar o córrego
poderiam morrer afogados, pois era período de chuva –
o córrego estava cheio, a correnteza furiosa além do
que poderiam ser atacados por algum animal feroz –
uma sucuri ou um jacaré. Mas se decidissem se entregar
– Romualdo muito provavelmente seria morto e Rosa não escaparia do destino de ser trancafiada num
convento.
- E agora? O que vamos fazer meu amor? Acho melhor
desistirmos e nos entregarmos.
- Não, isso não. Não posso me entregar. Eles me
mataram. Você pode voltar. Eu vou seguir. Vou tentar
atravessar o córrego a nado. Depois eu volto para ti
buscar.
- Não Romualdo. Eu vou contigo. Essa é a única
chance que temos de fugir juntos.
- Mas meu amor. Você não conseguirá atravessar o
córrego. Se eu seguir sozinho terei mais chance de sair
do outro lado com vida. E eu juro pelo nosso amor que
volto para ti buscar.
- Não Romualdo. Eu prefiro morrer tentando a voltar
para aquela prisão. Vamos tentar. Não me deixe. Me
leve contigo.
- Tudo bem Rosa. Seja o que deus quiser. Vamos
atravessa o córrego juntos meu amor. Vamos conseguir
e vamos ser felizes.
Enquanto isso Tião e seu bando já haviam entrado no
brejo. Não demoraria muito para que Romualdo e Rosa
fossem encontrados. Sobretudo depois que Tião
mandou os peões tocarem fogo nas palhas secas de
buriti.
- Ou eles saem ou morreram queimados.
- Com certeza seu Tião. Pois o Romualdo não é doido
de tentar atravessar o córrego.
- Cheio como está morreriam afogados.
Romualdo segura na mão de sua amada, dá-lhe um
beijo apaixonado e lhe diz: - é agora meu amor. E
pulam na água.
- Patrão, patrão. Lá estão eles. Estão loucos pularam no
córrego. Vão tentar atravessar.
Como Romualdo imaginava as águas estavam muito
forte e profunda. Logo Rosa se cansa e é puxada pela
correnteza – estava se afogando e não conseguiria
escapar. Romualdo tenta salvar sua amada, mas também
é puxado pela correnteza para o fundo d’água. Mesmo
com todos os seus esforços para escaparem daquela situação – os dois morrem afogados ao pé da cachoeira.
Tião apenas observava a cena como se quisesse ter
certeza de que não conseguiriam atravessar. A lua cheia
no meio do céu deixava o lugar claro como o dia – e
Tião pode ver quando sua filha e o seu peão afundaram
pela ultima vez naquela correnteza e não apareceram
mais. Sim estavam mortos. No olhar de Tião nenhum
pingo de tristeza, nenhum pingo de remorso – ele
apenas ordenou a seu bando que todos voltassem para
fazenda.
Tempos depois o local onde Romualdo e Rosa
morreram afogados se tornaria o balneário Ilha Verde -
ponto turístico do povoado que se tornaria o município
de Lajeado. Naquela noite de lua cheia – ás águas do
córrego Lajeado não levara apenas a vida de Romualdo
e Rosa, mas também a vida do fruto deste amor que
estava sendo gerado na barriga dela.
Os três jovens acompanharam o relato daquela tragédia
contada pela avó de João – perplexos. Até então aquela
tragédia que havia acontecido no seio da família de João
permanecia em segredo. Poucas pessoas em Lajeado
sabiam dessa estória. Tal fato se dava pelo fato daquela
tragédia ter ocorrido no seio de uma família tradicional
da cidade. Uma família que tinha feito de tudo para que tal estória fosse esquecida. Tião nunca aceitou o fato de
que sua filha se apaixonasse por um peão. E ainda mais
que o desafiasse fugindo com esse peão. Por tanto era
melhor que morressem mesmo.
E pelo que se sabe – Romualdo e Rosa, juntamente
com o fruto do amor proibido que ela carregava na
barriga – foram os primeiros a morrerem afogados
naquelas águas. No entanto ficava uma pergunta no ar:
– O que essa estória tinha a ver com as mortes que
passaram a acontecer na ilha com maior frequência
desde então? Esse era o próximo desafio do grupo –
Responder essa questão.
Pedro Ferreira Nunes, in A Ilha dos Espíritos.