segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Conto: Coquetel molotov

   Por Pedro Ferreira Nunes

- Tá confirmado. O governo decidiu aumentar a tarifa do transporte coletivo. O aumento de 20 centavos passa a valer a partir de amanhã.

- Precisamos Fazer um ato contra esse aumento. Pode ser que a partir desse a população se levante e se mobilize contra tal absurdo.

- O que fazer então?

- Capitalista só sente quando mexemos nos bolsos deles.

- A ação tem que ser hoje à noite. Não temos tempo para articular. É planejarmos e fazer nós mesmos.

- Que tal tocarmos fogo em uns ônibus.

- Ótima ideia.

- O melhor ainda é irmos a uma garagem e tocarmos fogo em vários.

- Quem topa ir?

- Vamos todos!

- Ok. Do que precisamos?

- Vamos fazer uns coquetéis molotov.

- Sim. Umas garrafinhas de cerveja, gasolina e pano. E claro, fogo.

- Que horas são?

- Quinze minutos para meia noite.

- Ótimo horário. Vamos arrumar todo o material para confeccionar os coquetéis molotov dai vamos para ação no máximo até duas da madrugada que é o horário ideal.

Camilo que estava na sala ao lado organizando uns materiais para uma atividade de formação com o campesinato. Não pode de deixar de ouvir toda a conversa da turma da direção do DCE sobre o plano de incendiar a garagem da empresa de ônibus que comandava o transporte coletivo na capital.

Ele acompanhou toda a luta da direção do DCE para que a tarifa do transporte coletivo não aumentasse por ali, no entanto isolados, o movimento estudantil não conseguira barrar o aumento.

Como não estava havendo muitas manifestações por parte da população contra o aumento da tarifa, e esta já era um ato consumado. Camilo via como importante a ação clandestina do DCE em incendiar alguns ônibus na garagem da empresa de transporte coletivo como protesto pelo aumento da passagem.

- Então Camilo. O que achou do nosso plano? Vamos com a gente?

- Só se for agora!

- Então vamos.

Ele que era calejado com ações de ocupações com o movimento campesino tanto no campo como na cidade, não precisava de muito convencimento para engajar em qualquer luta pelos direitos do povo trabalhador. Ainda mais se fosse para atingir o bolso dos capitalistas.

Tudo pronto à turma partiu em dois carros rumo à garagem da empresa de ônibus. Quando chegaram na primeira garagem avaliaram que não seria prudente incendiá-la, já que estava localizada no meio da cidade, poderia ocorrer um incêndio maior do que eles previam e a vigilância por ali era maior.

- Então camaradas. Há mais duas garagens na cidade. Sei que uma delas fica em um lugar afastado. Disse Camilo

- Ok. Então vamos passar nas duas dai vemos qual é a melhor para gente fazer nossa ação.

Todos concordaram e seguiram. No entanto Camilo começou a perceber que quanto mais chegavam perto do local onde realizariam a ação, o entusiasmo de seus camaradas ia diminuindo. E assim aqueles jovens a cada passo, menos iam se parecendo comos jovens que horas antes planejavam com entusiasmo o incêndio dos ônibus.

Ao passarem pela segunda garagem a maioria avaliou que também seria arriscada a ação por ali. Havia muitos moradores em volta. Seguiram para ultima garagem.

- Essa aqui é perfeita. É bem afastada. Não tem muita segurança e tem um matagal próximo aonde podemos nos refugiar. Disse Camilo. De fato o local dava uma grande condição para que realizassem a ação sem serem identificados.

- Ok. Vamos para o bar ali para planejarmos melhor como fazer e quem irá fazer.

Ao chegarem ao bar começaram a montar o plano. Pois não dava simplesmente para chegarem jogando coquetel molotov sem se protegerem das câmaras e dos seguranças e mesmo da policia que hora e outra fazia ronda por ali.

- Então camaradas, a gente vai de três ou quatro pelos fundos da garagem, pulamos o muro e incendiamos os ônibus. Deixamos os carros bem afastados e qualquer coisa nós nos escondemos nesse matagal que fica ao lado da garagem. Disse Camilo

- É muito arriscado, não vamos conseguir.

- A Policia vai chegar em minutos. Tem um batalhão próximo daqui. Os seguranças podem nos pegar e ainda tem as câmaras.

- Sim, mais nada disso pode acontecer também. E além do mais, ninguém faz uma ação dessas sem correr nenhum risco, não é camaradas. Disse Camilo que continuou: - Vamos lá camaradas. Não andamos tanto para nada, estamos aqui do lado, preciso só mais de dois camaradas comigo, o restante espera nos carros.

- Acho melhor a gente adiar essa ação. Vamos articular algo maior e com mais gente. Só nós, é muito arriscado.

- Meu a gente vai por dentro desse matagal. Ninguém vai nos ver. Não há segurança lá no fundo da garagem, não há nem iluminação lá. E não precisamos nem pular o muro, acendemos os coquetéis molotov e jogamos.

- Acho melhor não, vamos pra casa.

Mesmo com todos os argumentos de Camilo. Os camaradas do DCE desistiram da ação. Camilo já vinha percebendo que cada vez mais que se aproximavam da garagem, menos entusiasmo eles iam demostrando. E assim procuravam obstáculos onde não havia, simplesmente para justificar seus medos.


Camilo voltou para o escritório decepcionado com seus companheiros. Abriu uma cerveja e retomou novamente o trabalho anterior de organizar o material para atividade com o campesinato. O final de semana prometia muita ação no interior.

No entanto ele não conseguia tirar da cabeça a experiência frustrante que acabara de viver. Pensava consigo uma velha cisma que tinha com o movimento estudantil – muito entusiasmo no debate, mas na hora de agir, o entusiasmo se esvai. 

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