Quando Sophia ia passar férias em Lajeado, adorava ouvir as estórias que sua bisavó lhe contava a cerca daquele lugar encantador. Ela tinha uma paixão inexplicável por aquele lugar – mesmo não sendo dali. Mas lá no fundo do seu coração era como se fosse. Até por que, ali era a terra de sua bisavó, de sua avó e de sua mãe.
- Bisa, por que aquele morro se chama morro encantado?
- Oh, minha filha é uma estória longa. Tem certeza que quer ouvir agora? Vai brincar mais os teus amiguinhos, aproveita o tempo que as férias já estão acabando e logo tu volta pro Goiás.
- Não vó. Não quero brincar agora. Conta vai, a senhora sabe que adoro ouvir essas lendas.
- Isso não é lenda não menina. Isso aconteceu mesmo e ainda acontece. Que o diga os pescadores que andam por aquelas bandas.
A verdade era que dona Maria Lucia, a bisavó de Sophia adorava contar aquelas estórias. Estórias que ela ouvia quando criança. E contar aquelas velhas estórias, que quase ninguém se lembrava por ali, era uma forma dela rememorar a sua infância. Quando a velha Maria Lucia contava aquelas estórias para sua bisnetinha Sophia, ela voltava a ser a criança que fora há muitos anos.
- Minha querida há muitos anos atrás não existia a cidade de Palmas, nem Lajeado, nem Tocantinia, nem Miracema. Muito menos existia o estado do Tocantins. Nessa região existia apenas a cidade de Porto Nacional, que antes, ainda na época do império se chamava Porto Real – um povoado que se tornou cidade graças ao garimpo de pedras preciosas. Nesse tempo não havia estradas, todas as mercadorias que chegavam e saiam de Porto Real era pelo rio Tocantins através de barcos e de canoas. Esse era o transporte mais utilizado nessa região.
- E como eles faziam para passar pela usina hidrelétrica bisavó?
- Vixe. Essa usina aqui foi construída muito tempo depois. Tu nem imagina o quanto isso aqui era diferente, o quanto isso aqui era bonito antes da construção da usina hidrelétrica.
A velha suspirou e disse: Ah, aquele sim, foi um tempo bom, tempo que não volta mais minha querida. Mas também era muito perigoso. Muitos navegadores tiveram seus barcos tombados e perderam a vida nessas águas.
- É a senhora já me contou algumas dessas estórias, mas também com tantos animais encantados que habitam essas águas. Não é de se admirar que tanta gente tenha morrido neste rio não é mesmo?!
- Mas sabe Sophia. O maior perigo não era nem os animais encantados que vivem nas águas do Tocantins, mas sim as seis cachoeiras, que eram quase impossíveis de embarcações, passar sem tombar e afundar. Passar a cachoeira do quebra cocos, dos pilões, de todos os santos, e dos mares até que era tranquilo, mas passar a do Lajeado e a do funil era quase impossível, só os melhores canoeiros e barqueiros conseguiam. Mas deixemos a estória das seis cachoeiras de lado que outra hora de conto, vamos falar sobre o morro encantado.
- Tá certo bisa. Mas me diga antes. Pra onde eles iam com essas mercadorias se não existia nem Palmas, Lajeado, Miracema e Tocantinia?
- Eles iam para Marabá e Belém no Pará.
- Já existiam?
- Sim.
- Tá bom bisa. Continua a contar então sobre a estória do morro encantando.
- Certa vez um barco carregado de pedras preciosas partiu de Porto Real rumo a Belém do Pará. E no caminho esse barco foi assaltado por uns piratas.
- Piratas no rio Tocantins?
- É o que o povo conta minha filha. Para ti dizer a verdade não sei bem nem o que é pirata.
- São ladrões bisa.
- Isso mesmo. Eles assaltaram o barco e conseguiram tomar todo o ouro que havia. E em seguida se esconderam neste morro carregados de ouro, diamante e outras pedras preciosas. Pois sabiam que não tardaria da coroa portuguesa que era dona de todo aquela riqueza mandar os guardas imperiais em busca da carga roubada pelos piratas.
- Nossa!
- E eles estavam certos. Não tardou do rio Tocantins ser tomado por embarcações oficiais vindo de Porto e de Belém. Os guardas imperiais não demoraram de achar o rastro dos piratas e logo adentraram a serra em busca deles. E assim que os encontraram começou uma grande troca de tiro. Os piratas perceberam que não conseguiriam resistir por muito tempo aos ataques dos guardas imperiais, pois suas munições já estavam no fim. Decidiram então esconder o ouro e fugir, e assim depois de algum tempo voltariam para busca-lo. Mas na fuga pelo morro acabaram sendo mortos pelos guardas imperiais. E mesmo o local sendo revirado de ponta a ponta o ouro nunca fora encontrado.
- Até hoje?
- Sim. Assim o povo conta.
- Quer dizer que tem um tesouro escondido no morro encantado?
- Depois desse acontecido, todos os pescadores e viajantes que navegam por aquelas bandas à noite, relatam a aparição de uma enorme bola de fogo protegendo o local. O povo mais velho acredita que essa bola de fogo é uma proteção do tesouro escondido pelos piratas, que foram mortos ali e se tornaram seres encantados e é dessa estória que nasceu o nome de morro encantado.
- Que estória incrível bisa. Inacreditável. Daria para fazer um filme.
E dona Maria Lucia ficava extremamente feliz ao ver o encantamento de Sophia por aquelas velhas estórias. Ainda mais por que ninguém por ali se importava com aqueles causos populares, especialmente os mais jovens. E a falta de interesse levaria ao desaparecimento dessas estórias que são passadas de geração em geração de forma oral. No entanto para dona Maria Lucia ter uma jovem interessada por essas estórias era um sinal de que esses causos e contos populares permaneceriam vivos.
- Quem sabe Sophia não se torne uma escritora um dia e escreve essas estórias para que elas nunca se percam.
Pensava consigo a velha Maria Lucia orgulhosa da sua bisnetinha que a fazia lembrar do seu tempo de criança.
Por Pedro Ferreira Nunes - Poeta e Escritor popular tocantinense.
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