terça-feira, 30 de novembro de 2021

Algumas ideias sobre o pensamento de Nietzsche a partir do prólogo do Zaratustra

De que adianta o saber se não passarmos ele adiante? De que vale o conhecimento se ele não pode ser compartilhado? Com quem e por que compartilhar esse conhecimento? Esse nos parece ser o problema central do prólogo de Zaratustra. E ao abordar estes problemas ele bate de frente com duas grandes correntes do pensamento ocidental – o grego, mais precisamente de matriz platônica e o cristianismo. Podemos perceber esse fato quando Zaratustra decide abandonar a caverna e não voltar, mas sim descer o vale – é claramente uma alusão ao mito da caverna de Platão. Pelo caminho ele encontra com um santo que o desaconselha a viver com os homens e dedicar sua vida a Deus. Zaratustra então afirma: Será possível que esse santo ancião ainda não ouvisse no seu bosque que Deus já morreu? Ainda no diálogo com o santo percebemos uma critica a moral cristã. Por exemplo, quando Zaratustra afirma que não dá esmolas pelo fato de não ser tão pobre. Diante disso podemos afirmar que Zaratustra buscará construir um novo caminho – um caminho que rompa tanto com o pensamento cristão como com o pensamento de Platão.

E ao chegar à cidade, como um pregador solitário no meio da multidão, Zaratustra começa a proclamar suas verdades. Ele então anuncia o super-homem. E o que seria o super-homem? Um estágio superior do homem. Para Zaratustra a forma homem deve ser superada, pois se não corremos o risco de nos tornamos animais novamente. É de certa forma a defesa da tese evolucionista de Charles Darwin. Por exemplo, quando Zaratustra afirma: Percorrestes o caminho que medeia do verme ao homem... Está de certa forma corroborando com a concepção darwiniana da evolução das espécies. Logo podemos afirmar que Zaratustra passa a assumir um discurso cientifico se contrapondo a visão cristã. Por exemplo, quando afirma: Exorto-vos, meus irmãos, a permanecer fiéis à terra e a não acreditar naqueles que vos falam de esperanças supra-terrestres. Com isso percebemos claramente uma aproximação com o pensamento de Spinoza – só existe uma substância, e tudo é guiado pela razão. Aliás, percebemos que Zaratustra defende a razão como o caminho para alcançarmos o super-homem.

Essa aproximação com o pensamento de Spinoza fica mais claro quando Zaratustra fala de Deus e da Terra, da alma e do corpo. Ele tal como Spinoza critica essa visão dualista. É dessa dualidade que advém nossa fraqueza. Zaratustra criticará fortemente o fato de agirmos não pelo nosso próprio bem, mas sim em clamor do céu. Ou pelo menos agimos a partir dessa crença. Para Zaratustra não agimos assim por que pecamos, mas por parcimônia – é a nossa mesquinhez característica. Ele defende a necessidade de se superar esse comportamento e só o super-homem pode supera-lo. E o que vem em seguida? O que vem em seguida é uma enxurrada de criticas. Zaratustra não poupa ninguém – Da filosofia antiga á filosofia moderna, é obvio, passando pela filosofia cristã. Ele então faz uma ode ao racionalismo e ao materialismo. E não tem como novamente fazer um paralelo com o pensamento de Spinoza, por exemplo, quando Zaratustra diz: o grande do homem é ele ser uma ponte, e não uma meta: o que se pode amar no homem é ele ser uma passagem e um acabamento. Mas ao mesmo tempo em que se aproxima de Spinoza, ele também afasta, como por exemplo, quando fala: amo o que tem o espírito e o coração livres, porque assim a sua cabeça apenas serve de entranhas ao seu coração, mas o seu coração, o leva a sucumbir.

Além de uma critica ferrenha ao cristianismo e a Platão, percebemos fortemente uma critica de Nietzsche através do seu Zaratustra ao pensamento dominante de sua época. Por exemplo, ao positivismo e ao socialismo cientifico que polarizavam o debate de ideias no século XIX. Zaratustra exalta o individuo e não o social. Seguindo uma linha contrária a Conte, Durkheim, Marx e Engels. Para se chegar ao super-homem o homem tem que se superar. Não é o desenvolvimento da sociedade que trará o super-homem. Seguindo essa linha ele não só critica a dita civilização como o homem fruto dessa civilização. Ai fica mais claro a critica ao positivismo. Zaratustra afirma que esse modelo esta fadado ao fracasso, por isso afirma: eu vo-lo digo: é preciso ter um caos dentro de si... E continuando sua critica tanto ao positivismo como aos revolucionários questiona: Trabalha-se ainda porque o trabalho é uma distração; mas faz-se de modo que a distração não debilite. Já uma pessoa se não torna nem pobre nem rica; são duas coisa demasiado difíceis. Quem quererá ainda governar? Quem quererá ainda obedecer? São duas coisas demasiado custosas. No entanto, ao contrário do que esperava Zaratustra, o seu super-homem não tinha espaço naquele contexto, talvez quem sabe no futuro? E não foi sem tristeza que ele percebeu tal fato.

E agora o que fazer? Continuar a trilhar aquele caminho ou construir um novo? Voltar para caverna? Se isolar no bosque longe dos homens e servindo a Deus? Abrir mão do super-homem? Ao contrário de Sócrates, Zaratustra preferiu a prudência. Resolveu não continuar no meio dos homens, não era aos homens que deveria falar e nem muito menos aos mortos. O morto ali, poderíamos afirmar que simboliza todos os filósofos mortos – Cristo, Platão, Kant entre outros. Para Zaratustra o super-homem devia ser apresentado a um grupo restrito, um grupo de criadores, estes teriam a tarefa na mão de levar adiante a bandeira do super-homem. Zaratustra percebeu que o caminho era mais longo – que as suas ideias não era para o homem do século XIX – mas para os séculos vindouros. No entanto era preciso o quanto antes começar a construir as bases para que o seu pensamento ressoasse no futuro.

Por fim podemos concluir que nesse prólogo de Zaratustra percebemos uma declaração de guerra de Nietzsche contra tudo e todos. Tanto ao pensamento da sua época como ao pensamento clássico. Por outro lado não deixou de beber e ser influenciado por esse pensamento. Outra marca de Nietzsche é a contradição, é dizer e desdizer, é negar e desnegar. Isso fica claro, quando ao mesmo tempo em que critica o pensamento de Platão e o cristianismo – acaba reproduzindo muito das ideias e das concepções destas correntes do pensamento ocidental. Por exemplo, no inicio do prólogo Zaratustra busca um caminho diferente de Platão, no seu mito da caverna e de Cristo que deixa os homens para viver no bosque contemplando Deus. Ao final Zaratustra faz o mesmo movimento retorna ao bosque e decide se afastar dos homens e conviver entre criadores. Com isso o que faz é uma síntese do pensamento de Platão e Cristo. Logo, continua dialogando, ao contrario do que diz, com defuntos.

Por Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

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