quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

O lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento do Novo Ensino Médio no Tocantins

Enquanto alguns pressionam para que o atual Governo revogue a reforma do Ensino Médio – o que me parece, após ouvir declarações do Ministro da Educação Camilo Santana, não está no horizonte político do Governo Lula – pelo menos não a curto prazo. O que temos de concreto mesmo é a implantação da nova estrutura pelos Estados. Nesse sentido o governo do Tocantins publicou por meio de uma instrução normativa (n° 10 de 19 de dezembro de 2022 e alterada em 18 de Janeiro de 2023) a modulação das trilhas de aprofundamento que serão trabalhadas nas 2° e 3° séries. Nosso objetivo aqui será fazer uma breve análise dessas trilhas pontuando o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais. 

Uma das críticas que se faz ao chamado Novo Ensino Médio é a redução do espaço dado as humanidades. Prejudicando a formação de uma consciência crítica e humanista. Nesse sentido não custa lembrar que até cogitou-se a retirada da Filosofia  e da Sociologia da grade curricular de ensino – o que não ocorreu após muita resistência de estudantes e professores. Continuou, porém não mais como um componente curricular obrigatório. Além disso História e Geografia perderam carga horária presencial. Nesse contexto é fundamental compreendermos essa nova dinâmica para dispultarmos os espaços criados (itinerários formativos e trilhas de aprofundamento) – recolocando a Filosofia e as Ciências Sociais no seu devido lugar, ou seja, na base do processo formativo.


Implantação do Novo Ensino  Médio 

No Tocantins, a implantação do Novo Ensino Médio teve início no ano letivo de 2022 com os itinerários formativos nas 1° séries e na Educação de Jovens e Adultos  (EJA) Terceiro Segmento. Esses itinerários formativos consistia no Componente Curricular de Projeto de Vida e em disciplinas eletivas.


Em relação as disciplinas eletivas, o estudante deveria cursar 1  (da sua escolha) semestralmente. Por tanto caberia a escola disponibilizar um cardápio com opções para que ocorresse essa escolha. Esse cardápio poderia ser construindo tanto com eletivas organizadas pela Seduc-TO como por eletivas elaboradas pelos próprios professores de uma determinada escola. Quanto a escolha dependeu muito do tamanho da unidade de ensino. Um ponto de atenção que observamos nesse processo é o risco de que essa escolha não aconteça. Com isso as eletivas são empurradas goela abaixo dos estudantes. Ai então a tão propagandiada liberdade do estudante na construção do seu itinerário formativo vai para o ralo. Isso também serve para as trilhas de aprofundamento.


Nesse novo contexto o componente curricular de Projeto de Vida passa a ter um peso considerável, com uma carga horária semanal de 3h, sendo 1h não-presencial. E tendo como objetivo desenvolver competências e habilidades voltadas sobretudo para o autoconhecimento e o autocuidado, ajudando o estudante a direcionar o seu processo formativo para um determinado objetivo de vida. De modo que os demais componentes curriculares devem se organizar a partir daí. 


Essas mudanças significou o aumento da carga horária do Ensino Médio. E para encaixar tudo isso no horário regular criou-se então as aulas não-presenciais. Não só no componente curricular de Projeto de Vida como falamos acima. Mas outros componentes curriculares como Português, Matemática, História e Biologia tiveram sua carga-horária presencial reduzida. Já o funcionamento dessas aulas não-presenciais requer uma avaliação séria sobre a sua efetividade. Sobretudo com o uso dos roteiros impressos. 


Outra novidade foi a criação da figura do Coordenador de Área, responsável por coordenar as ações desenvolvidas pelas áreas. Partindo da ideia de que a formação básica agora não é mais por componente curricular mas por área, essa figura tem um papel fundamental para garantir que isso funcione na prática. Isto é, garantir que todas as ações no contexto do Novo Ensino Médio, tenha uma perspetiva multidisciplinar. E a sua importância vai aumentar a medida que for avançando a implantação das trilhas de aprofundamento nas 2° e 3° séries. Pois a forma com que será desenvolvida as trilhas de aprofundamento, caberá ao coordenador de área fazer a articulação e ajustes necessários entre os professores que irão trabalhar uma determinada trilha.


As trilhas de aprofundamento 

Como o nome sugeri as trilhas de aprofundamento vem para dar continuidade ao processo anterior. Parte-se da ideia que o estudante adquiriu um conhecimento sobre o seu objetivo de vida que lhe permite dar um passo maior em direção ao mesmo.


As trilhas foram elaboradas pela Seduc-TO no contexto do Documento Curricular do Tocantins (DCT). Mas os estudantes, em tese, continuam com o poder de escolha. A partir de uma análise da instrução normativa n° 10 de 19 de Dezembro de 2022 e com alterações de 18 de janeiro de 2023, podemos dizer que essa escolha se dará por área. Ou seja, cada área tem um cardápio de trilhas e os estudantes deverão optar por uma dessas. No entanto, um aspecto a se ressaltar é que se o estudante optar por uma trilha de linguagens, não quer dizer que ele só terá aula de componentes curriculares da área de linguagens. Como assim? Explico.


As trilhas serão divididas em módulos. E pode ser que num determinado módulo de uma trilha de Matemática seja trabalhado por alguém da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Para ficar mais claro peguemos um exemplo da modulação indicada pela instrução normativa n°10/2022.


A trilha de aprofundamento “Nutrição e qualidade de vida: cuidado do corpo e da mente” é da Área de Ciências da Natureza e suas tecnologias. No entanto, ao longo dos seus 10 módulos, alguns poderão ser ministrados por alguém da Educação Física, da Geografia, da Sociologia e da Filosofia. São vários exemplos nesse sentido. Desse modo, percebemos que a maioria das trilhas são integradas com um ou mais componente curricular. Ou com uma, ou mais área. Vejamos outro exemplo: A trilha “clube dos Literatos Juvenis” é da Área de Linguagens, mas ao longo dos seus módulos temos Sociologia e História que são da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. 


Tem algumas exceções, como por exemplo, na área de Matemática a trilha “Modelagem Matemática aplicada à vida: construindo o saber matemático a partir das relações sociais”. Não tem outro componente curricular a não ser matemática. O que na nossa avaliação é um equivoco pois falar em saber e relações sociais sem filosofia e sociologia não dá. Eis ai um ponto que cabe uma problematização maior e nos leva ao nosso problema sobre o lugar da Filosofia e das Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento. Mas deixemos para adiante essa questão. Antes é importante destacar que há uma diferença na carga-horária das trilhas, isso por que a da 2° Série é menor do que a da 3° Série). Além disso os estudantes das 2° e 3° séries continuaram com o Componente Curricular de Projeto de Vida, mas apenas com 1h/a semanal. E as eletivas no mesmo esquema das 1° séries. Inclusive poderão cursar uma eletiva juntamente com estudantes de outra série ou turma que não a sua de origem. Na 3° série não haverá os componentes curriculares de Arte, Filosofia e Sociologia. No entanto, os mesmos poderão ser abordados nas trilhas, eletivas e projeto de Vida.


O lugar da Filosofia e Ciências Sociais nas trilhas de aprofundamento 

Num primeiro olhar podemos ressaltar que o lugar da Filosofia e das Ciências sociais (Geografia, História e Sociologia) vai para além da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas. Percebemos a presença desses componentes curriculares nas trilhas de aprofundamento das demais áreas. Como também tem a presença de componentes curriculares de outras áreas nas trilhas das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – uma integração que já estava prevista nas disciplinas eletivas. Mas que com as trilhas há uma organização mais fechada. 


Essa organização mais fechada, por um lado garante que a integração ocorra de fato. Por outro lado coloca uma espécie de tutela limitante. Pois pensando a partir da Filosofia e das Ciências Sociais percebemos que os módulos onde somos chamados a cooperar não são os adequados. Vejamos três exemplos nesse sentido:

Na trilha “AMPLIFICA! A linguagem em movimento”, a História que deveria ser o ponto de partida ou um ponto intermediário, é o último, o que fecha a trilha. Também caberia um módulo para falar da Filosofia da linguagem. Na trilha “agronegócio e Agricultura Familiar” nos parece óbvio que o ponto de partida é a Sociologia e não Química ou Biologia como proposto. Na trilha “Contribuições da matemática para o mundo digital” o ponto de partida é uma questão filosófica sobre o que é a matemática e o que é o mundo digital, cabendo assim como ponto de partida um módulo de Filosofia da Matemática. 


Outra questão são as trilhas que seria fundamental um módulo para Ciências Humanas e Sociais Aplicadas, que não há. Como no exemplo que trouxemos da trilha da Área de Matemática Modelagem Matemática aplicada à vida: construindo o saber matemático a partir das relações sociais”.


Pode parecer corporativismo, mas creio que todas as trilhas de aprofundamento, independente da área, requer necessariamente pelo menos um módulo sob responsabilidade de alguém com formação na área das Ciências Humanas e Sociais Aplicadas  (Filosofia, Geografia, História e Sociologia). Pois é impossível o aprendizado do que quer que seja sem levar em consideração os aspectos filosóficos, sociológicos, históricos e geográficos). Peguemos por exemplo um curso universitário, independente da área de formação certamente haverá um módulo sobre ética e de fundamentos histórico-sociológico. Ora, sem a presença de uma dessas perspectiva de conhecimento não podemos falar na formação de uma consciência crítica voltada para o exercício da cidadania.


Com isso concluímos ressaltando que a organização atual das trilhas de aprofundamento da Rede Estadual de Educação do Tocantins deve ser repensada. Sobretudo em relação ao lugar da Filosofia e das Ciências Sociais. Não podemos aceitar um processo de ensino-aprendizagem que relega para as humanidades uma posição terciária na grade curricular de ensino. Sobretudo num contexto de desumanização crescente, ataques a democracia e aos direitos humanos.


Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

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