Aliás, o que falar de “As Tocantinas” depois do que escreveu Pedro Tierra? Concordo totalmente com o que ele fala a respeito da influência do Manoel de Barros na poesia do Célio Pedreira. No decorrer da leitura isso fica muito evidente. Assim também o que Tierra chama de exercício temerário da língua. É desse exercício que o poeta vai construindo as imagens que a Carolina Pedreira chama atenção na sua apresentação da obra. Eu acrescentaria também um vocabulário que remete as raízes tocantinense com a inserção de palavras como: arrancho, gamela, furupa, bulandeira, loca entre outros.
As Tocantinas não é a primeira obra desse médico, professor, escritor e poeta tocantinense que nasceu nos idos de 1959 na histórica cidade de Porto Nacional. Na sua bibliografia consta Porta (2003), Porto Transversal (2008), Raimundo (2012) e Um poema catedral uma canção (2005). Todos de poesia, sendo este último em parceria com Elizeu Lira. Na prosa consta Agudas e crônicas (2007) e três cartas para Maria Isabel (2009). Também em parceria com Elizeu Lira (entre outros) tem o cantigas da claridade (2005) e ainda Saúde e Comunidade (2015).
As Tocantinas foi publicado em 2014 pela editora da Universidade Federal do Tocantins (EDUFT). E trás 100 poemas que retratam a relação do poeta com suas origens, reconstruindo memórias e vivências no sertão tocantinense. Tudo isso construído numa espécie de trabalho artesanal com a língua que culmina em imagens que nos ajuda a compreender um pouco mais das nossas raízes culturais. Um exemplo nesse sentido é o poema bulandeira:
O braço
rompe a roda
a roda
vira o ralo
o ralo
na raiz da fome
farinha.
Numa primeira leitura me pareceu não muito palatável. De modo que não recomendaria para quem não tem um certo nível de leitura – que compreenda o exercício da língua feito pelo poeta na construção dos seus poemas. Apesar de serem poemas curtos é necessário um tempo para digestão de cada um. No exemplo acima o poeta fala de um instrumento (bulandeira) utilizado no processo de transformação da mandioca em farinha – um alimento fundamental na culinária sertânica. Na verdade a questão que o poema trás não é a bulandeira em si, mas a lembrança de algo que já se foi, talvez a infância, já que com a modernização isso é coisa do passado na produção de farinha. Além desse olhar saudoso para o passado há aqueles que descreve paisagens tipicamente interioranas como o rio, grotas, serras, luar, ruas, casas ou como no poema a seguir, os pés de manga:
Fiel aos quintais
quanto mais sem dono
mais anda igual
na boca dos homens
e dos porcos.
Oásis soberano
no solapino
lugar de arvorar-se.
Verde praticável
no estio
ou festejando chuva.
Paciência índia
nesses trópicos de machado.
São muitos poemas. Não destacaria alguns, mas a obra completa (Os dois que destaquei acima foi apenas para ilustrar minha fala). Aqueles que se interessarem pela leitura, além da versão impressa comercializada pela EDUFT, há versões em pdf que podem ser baixadas gratuitamente na Internet.
Como leitor não vou dizer que a obra tenha me afetado tal como “O Porto submerso” do Pedro Tierra – nosso poeta maior. Ou outros poemas de poetas que produzem literatura no Tocantins como o J.J Leandro. Confesso que até me decepcionei um pouco. Pois esperava mais, sobretudo por que já havia lido antes algumas crônicas desse autor no jornal do Tocantins e as achei excelentes. Talvez o erro do poeta, na minha visão, tenha sido o de ter tentando imitar o Manuel de Barros. O estilo do Manuel é inimitável. De modo que me pareceu um tanto forçado e transformou sentimentos genuinos em poemas pouco tragáveis. Pelo menos numa perspetiva popular.
Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.
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