segunda-feira, 5 de junho de 2023

Crise hídrica e o livro “Gestão de Recursos Hídricos em Tempos de Crise”, de Ricardo Motta Pinto-Coelho e Karl Havens

É possível superar a crise da água? Essa questão talvez não tenha muito sentido para quem vive num território que água ainda  não é um problema. Mas é só analisarmos as mudanças ambientais que ocorreram no território APA-Serra do Lajeado, sobretudo após a construção de Usinas Hidrelétricas como a Luiz Eduardo Magalhães e a Peixe Angical, para vermos que isso não tardará em acontecer, sobretudo se não houver uma mudança de paradigma. É nesse contexto que ganha importância a leitura da obra Gestão de Recursos Hídricos em Tempos de Crise”, de Ricardo Motta Pinto-Coelho e Karl Havens.

A obra apresenta um olhar para a gestão dos recursos hídricos na nossa sociedade a partir da Limnologia ou Hidrobiologia – que é a ciência, que a partir de uma perspetiva multidisciplinar, estuda a água – o seu crescente processo de destruição e uso sustentável. Para Pinto-Coelho e Havens (2016), no momento de crise que estamos vivendo é importante estudar a gestão dos recursos hídricos – que se caracteriza por uma distribuição desigual –  Isto é, há lugares que encontramos uma quantidade razoável de água, já em outras regiões temos escassez. Sobretudo quando falamos em água doce.

O ponto de partida dos autores é uma breve apresentação sobre a história da Água – ressaltando a sua importância para a vida humana. Um exemplo nesse sentido é a afirmação de que sem água não há produção de energia. E é a energia que movimenta a agricultura e a indústria – que por sua vez movimenta a economia. Os autores também apresentam alguns recursos hídricos e a sua importância, como é o caso dos Rios, Lagos, os Reservatórios, Estuários, Aquíferos e geleiras. Um ponto interessante da obra que nos possibilita uma maior compreensão é a análise de casos, como por exemplo o desastre ambiental em Mariana (MG). A crescente demanda por água e a falta de saneamento básico nas cidades é outro ponto abordado pelos autores. Como também a importância da educação ambiental e de uma governança da água com políticas públicas, legislação apropriada e regulamentação. Por fim eles encerram falando sobre perspetivas para o futuro da água. A seguir destacaremos um pouco mais os pontos centrais, na nossa visão, trabalhados na obra. Antes conheçamos um pouco os nossos autores.

Ricardo Motta Pinto-Coelho atua há mais de 30 anos no Departamento de Biologia Geral da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Suas atividades de pesquisa concentram-se nas áreas de limnologia e gestão de reservatórios, ecologia de organismos aquáticos e nos impactos da eutrofização sobre a biota aquática. Como professor, dedica-se ao ensino de ecologia geral e à limnologia, com vários cursos a distância (e-learning) em ecologia geral. E Karl Havens tem 25 anos de experiência profissional em ensino, pesquisa e extensão nas áreas de ecologia de organismos planctônicos e limnologia de lagos e estuários, especialmente no que se refere aos efeitos da eutrofização nesses ecossistemas. Dedica-se em especial a estudar o impacto de agentes estressores naturais e humanos na estrutura e na função do plâncton e de outros componentes dos ecossistemas aquáticos. 

Para os autores (2016) é importante pensar na relação entre homem e natureza. Sobretudo quando falamos em saúde ambiental, sustentabilidade e bem-estar. A Água é um recurso essencial para a vida. E aprendemos ao longo da história, que quando não tratada, pode gerar doenças. Eles ressaltam que a água não serve apenas como alimento. Desde a antiguidade percebemos a sua utilidade no transporte, mas sobretudo na produção de energia. Só lembrarmos que as máquinas a vapor propiciaram a revolução industrial e toda as mudanças econômicas e sociais advindas desse processo.

Nossos autores (2016) salientam que sem água não há produção de energia. Logo estamos diante de um elemento importante para economia. No Brasil, por exemplo, o maior consumo de água é na agricultura. Seguido, em segundo lugar, pela indústria. E em terceiro pelo uso doméstico. Percebe-se por tanto a utilidade da água na produção de alimentos. E nessa linha, a pecuária bovina é a que mais gasta água, seguido do porco e da galinha. Já as frutas e legumes gastam menos água.

Para Pinto-Coelho e Havens é importante economizar água, mas o Brasil faz o contrário. Quando falamos em produção de energia a aposta do Brasil é nas Usinas Hidrelétricas (requer muita água). E, majoritariamente, em energia não renovável. E a falta de diversificação no campo da produção de energia faz com que hora e outra enfrentemos crises como a do apagão em 2001. Já no campo da produção de alimentos uma alternativa interessante seria a pesca. Há uma crescente demanda por pescado o que demonstra o seu potencial econômico. Sem falar na importância para saúde, tendo em vista  (o peixe) se tratar de  um alimento saudável. No entanto para o desenvolvimento da aquicultura é necessário um ecossistema saudável.

Quando se fala em ecossistema saudável os Rios são fundamentais. Nossos autores (2016) afirmam que para que um grande Rio tenha saúde ecológica se faz necessário mudanças na economia da região.

Os rios são importante para vida humana, apesar de pouco contribuirem para o estoque de água. A sua importância se dá entre outros no transporte de materiais orgânicos, fertilizando o solo – sem isso algumas áreas seriam menos produtivas. 

Já os Lagos por sua vez armazenam maior quantidade de água doce que os Rios. São centros de biodiversidade – uma das suas características que distingue um Lago de um reservatório é o seu equilíbrio dinâmico e a sua maior complexidade biológica e ecológica. As características hidrologicas de Lagos e Rios são diferentes. Um aspecto importante segundo nossos autores é o cuidado que se deve ter ao realizar ações de manejo e recuperação de Lagos.

Em relação a construção de reservatório pelo homem, eles (2016) destacam  que visa sobretudo a produção de energia – projetos que acaba afetando várias bacias hidrográficas. A construção de Usinas Hidrelétricas provocam tanto impactos ambientais como sociais – além de desapropriar as pessoas de suas terras altera a deposição de sentimentos nas várzeas tornando essas áreas muitas vezes improdutivas. Pinto-Coelho e Havens (2016) através de estudos de casos apontam que essas áreas sofre uma rápida degradação ambiental, tanto das águas como do seu entorno. De modo que seria interessante pensar num zoneamento.

Outro ponto importante são os riscos de desastres como o de Mariana (MG) – um desastre que impactou na vegetação e na fauna através de uma contaminação ambiental. Desastres como o de Mariana deve servir como exemplo, para tanto é preciso punir os responsáveis pela tragédia e recuperar a área degradada.

Além dos Rios e Lagos outra área importante são os estuários localizados nas regiões litorâneas. Aqui encontramos o ecossistema mais produtivo, mas também os mais sensíveis as mudanças climáticas – sobretudo por que são locais onde há uma grande desindade humana. Já os aquíferos também são ambientes importante para o armazenamento de água – servindo para consumo e irrigação. Nossos autores defendem o uso racional dos aquíferos. E alertam para o fato de que tanto a exploração de petróleo como as intrusões salinas colocam em risco esses ambientes. Por fim tem as geleiras, que é outro recurso hídrico importante. Pois alimentam os Rios e afetam o nível dos oceanos. Por tanto, segundo nossos autores, deve-se trabalhar para sua manutenção.

Com a migração do campo para cidade houve um aumento significativo do consumo de água no ambiente urbano – cidades que surgiram, na sua grande maioria, ao longo das margens dos Rios. Muitas, ainda hoje, não conta com saneamento básico. E a falta de saneamento básico provoca doenças.  Por exemplo, 80% das doenças estão relacionadas a baixa qualidade da água. Outro fator de agravamento dessa situação é o uso do automóvel – interferindo negativamente na qualidade da água.

Crises de água, como vimos em São Paulo (no Sistema Cantareira), é um alerta acerca do mau uso que estamos fazendo dos recursos hídricos. Que se não for modificado tende a se agravar. 

Nesse contexto a educação ambiental ganha um papel fundamental, sobretudo educação numa perspetiva popular – onde o diálogo e a valorização do saber popular são aspectos fundamentais. Para os nossos autores (2016) essa educação ambiental deve ser pensada para além do sistema de ensino oficial. Nesse sentido, mesmo sem deixar de levar em consideração a Política Nacional de Educação ambiental (PNEA) estabelecida pela lei 9.795/99, deve-se estimular os estudantes a buscar soluções.

Sobre a governança da água Pinto-Coelho e Havens  (2016) salientam ser necessário políticas públicas, legislação apropriada e regulamentação clara para utilização dos recursos hídricos. No Brasil do ponto de vista da legislação temos a lei 9433/97. Mais, de acordo com nossos autores, ainda falta muito para que o país tenha uma autêntica governança nesse campo. Mesmo dispondo de todos os recursos para que isso ocorra.

Por fim eles salientam sobre as perspetivas futuras para Água, defendendo ações que vão para além da conservação. Nossos autores diz ser necessário a construção de um pacto social sobretudo no sentido de fortalecimento de uma economia verde. E afirmam que para que a economia verde seja uma alternativa real á economia marrom, se faz necessário o envolvimento do capital financeiro. Mesmo assim eles encerram questionando acerca da possibilidade de se superar a crise da água. 

Considerações 

Ao concluir a obra com uma pergunta os autores deixam o problema em aberto. Ainda que ao longo do estudo apresentado por eles há claramente uma proposta para enfrentamento da crise hídrica, proposta que passa por uma melhor gestão dos recursos hídricos – e para melhor gerir esses recursos é preciso conhece-lo. Daí todo o percurso que eles fazem passando pela história da água até o estudo de casos concretos como os impactos ambientais decorrentes de impreendimentos como Usinas Hidrelétricas. Nesse sentido a obra tem uma importância inquestionável. Mas eu reformularia a pergunta final. Ao invés de pode se superar a crise das águas, questionaria: pode se superar a crise das águas nos marcos de uma sociedade fundamentada no modo de produção capitalista?

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.


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