Em memória do Sidney, o famoso Quati Branco
Se a vida não era fácil para quem só tinha a pesca como fonte de subsistência em Lajeado, com a construção da usina hidrelétrica as coisas tiveram uma piora considerável. Conseguir um bom pescado por essas bandas estava mais difícil que tirar leite de onça. Só mesmo se arriscando na área proibida para pesca podia se conseguir um jaú, uma caranha, um barbado e com muita sorte até um fiote.
Sempre se corria o risco de dar de cara com os home. E com eles não tinha conversa – era tortura psicológica, cacetete nos lombos e um passeio não muito agradável até a cadeia pública de Miracema.
É certo que não ficariam muito tempo atrás das grades, logo estariam novamente na cidade e logo estariam novamente nas barrancas do rio atrás de um bom pescado. Mas se pudessem evitar cair na mão dos home, evitavam. O problema é quando começavam beber cachaça – algo não muito raro – Perdiam a noção do perigo e iam até o inferno se necessário atrás de um jaú.
Ninguém melhor que o Quati Branco conhecia cada loca de pedra daquele rio. Por tanto quem quisesse ter uma melhor sorte na pescaria era bom tê-lo como guia. Para convencê-lo não havia argumento melhor que um litro de cachaça – seu alimento preferido. E foi assim que conseguiram lhe convencer a ir naquela noite para o rio.
Era madrugada, ventava um vento frio de congelar a alma, no céu uma linda lua desfilava sua beleza. As muriçocas haviam dado uma trégua. Eles dormiam sob o lajeiro, enquanto o momento certo de agir não chegava. O que eles não contavam é que seriam surpreendidos pelos home.
- Acorda bando de vagabundos!!! Vocês não sabem que é proibido pescar aqui? Cadê os peixes?
- A gente num pego nada não.
- Tá com conversa seus meliantes. Eu conheço vocês.
- É verdade seu puliça. A gente tava esperando a lua sumir.
- E as tralhas de pesca de vocês? Pode passar tudo.
- Só tem essas.
- E a tarrafa? E as redes?
- Só tem isso ai.
- Conversa. Então tá na hora de tomar um banho para tirar essa inhaca de cachaça do corpo.
O Quati Branco conhecia bem aquele ritual. E logo pensou consigo: – pronto, vai começar de novo. Tomar banho nessa água fria, nesse frio desgraçado, com roupa e tudo às 3h da madruga ninguém merece.
- Fica um ao lado do outro. E quando eu mandar um de cada vez vai dá um mergulho e sai para fora. Tá entendido?
- Sim, senhor.
- Eu não ouvi.
- Sim, senhor!!!
- Melhorou.
Os soldados que acompanhavam o comandante se divertiam com a cena dando ótimas risadas. Já o comandante mantinha uma certa seriedade. A alegria dos soldados aumentou mais ainda quando o primeiro pescador caiu na água – a cara de dor do pobre ao mergulhar naquela água fria em plena madrugada foi como se alguém tivesse feito cócegas nos soldados. Nem mesmo o comandante conseguiu segurar o riso.
- Agora o próximo.
E a cena se repetiu – os soldados e o comandante caindo na risada diante do sofrimento dos pobres diabos. Chega então a vez do Quati Branco. Ele bem sabia que o pior não era nem tanto entrar na água fria, o problema era na hora de sair. Ai sim o frio apertava como se fosse o abraço da morte.
- Vamos, o que tá esperando seu vagabundo?! Cai na água já. Gritou o comandante no pé do ouvido do Quati Branco.
O Quati Branco tomou bem o fôlego e mergulhou. Mas ao contrário dos anteriores não voltou.
- Uai, cadê ele? Será que morreu? Comentou o Comandante com os demais. E em seguida começaram a gritar pelo desgraçado. Mas não obtiveram resposta.
Há uns bons metros dali o Quati surgia tranquilamente. Ele planejara bem aquela ação. Enquanto os soldados e o comandante sorriam dos seus companheiros que eram obrigados a mergulhar com roupa e tudo na água fria – Ele matutava consigo mesmo: - Eu mergulho, seguro o fôlego e nado por dentro d'água o mais longe que eu puder. Saiu lá na frente, nessa escuridão não irão me ver, e se me verem caio no braqueara e eles não me pegam nem com o diabo.
Dito e feito. O plano do Quati funcionou perfeitamente. Naquela noite ele não faria o papel de bobô daqueles imbecis fardados que achavam ter o rei na barriga – que se divertiam torturando pobre diabos enquanto suas mulheres se divertiam com os amantes. Naquela noite o Quati Branco se tornou o homem que fez de bobô “os home”, isso ele já mais esqueceria. Nem ele e nem ninguém por essas bandas.
Por Pedro Ferreira Nunes – um rapaz latino americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll.
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