segunda-feira, 30 de outubro de 2023

Byung-Chul Han e a Sociedade do Desempenho

“Hoje o indivíduo se explora e acha que isso é realização”. Essa frase é do Filósofo Sul-Coreano Byung-Chul Han, autor de obras como “Sociedade do Cansaço”, “Morte e alteridade”, “O que é poder?” entre outros. A frase em questão pode ser melhor compreendida a partir da leitura do seu texto intitulado de “Sociedade do Esgotamento” – onde ele afirma que a Sociedade da Disciplina apontada por Foucault se tornou primordialmente uma sociedade do Desempenho.

Como isso se deu? Antes de responder essa pergunta precisamos compreender o que seria a Sociedade Disciplinar. Para responder precisamos recorrer ao filósofo francês Michel Foucault. Mais especificamente a sua obra “Vigiar e Punir” (1975) – onde ele analisa o surgimento das prisões. Chegando a conclusão que a sociedade moderna inaugura novas formas de disciplinar o indivíduo – não mais utilizando o suplício característico do período anterior. Até por que o novo modo de produção precisa de corpos produtivos – corpos dóceis – por meio de um aparato disciplinar onde a estrutura panóptica permite um estado de vigilância contínuo. Essa lógica está presente em toda a sociedade – nas escolas por exemplo através da imposição de toda uma rotina por meio de um regimento escolar que determina horários, formas de se vestir e comportar. E caso aja alguma transgressão vem a punição. Ou seja, a lógica do vigiar e punir – que tornou-se até mais eficaz com os aparelhos eletrônicos de monitoramento.

Han por sua vez vê uma mudança de paradigma. Para esse filósofo não estamos mais numa sociedade onde a disciplina é o fator primordial, mas o desempenho. Óbvio que para alcançar determinado objetivo é necessário disciplina. Porém essa não é mais imposta por um fator interno, mas assimilada pelo próprio indivíduo como algo necessário para alcançar uma meta.

“A sociedade de hoje não é mais primordialmente uma sociedade disciplinar, mas uma sociedade de desempenho, que está cada vez mais se desvinculando da negatividade das proibições e se organizando como sociedade da liberdade” (2017, p. 79).

Enquanto na sociedade disciplinar não há liberdade. E são imposta aos indivíduos uma série de “tu não deves” – proibições. Na sociedade do desempenho o sentimento é de liberdade.

Marcuse já apontava para esse fato ao analisar a ideologia da sociedade industrial e a construção do homem unidimensional. Para o filósofo Frankfurtiano, os indivíduos acreditam ser livres para fazer escolhas quando não são. Ele ressalta a introjeção de valores que faz com que os indivíduos auto se explorem. Por isso, ele não fala mais em alienação, mas em autoalienação. Marcuse chegará a conclusão de que sob um manto de liberdade, a sociedade atual é tão autoritária como a anterior.

Retornemos a Han. Para esse filósofo o sujeito atual tem como lema: liberdade e boa vontade. Desse modo ele não se submete a um trabalho obrigatório. E nem se move a partir de deveres ou da relação com o coletivo. “Ele ouve a si mesmo. Deve ser um empreendedor de si mesmo. Assim ele se desvincula da negatividade das ordens do outro”. Conseguindo assim emancipar-se e libertar-se do outro. 

Nosso filósofo aponta porém que essa “dialética misteriosa da liberdade transforma essa liberdade em novas coações” (2017, p. 83). O ponto chave desse processo é a transformação do indivíduo no seu próprio algoz. Ele coage a si mesmo a ter um determinado desempenho – forçando-se a produzir cada vez mais sem já mais alcançar um ponto de repouso da gratificação. Pois essa se dá na relação com o outro. Assim “vive constantemente num sentimento de carência e culpa” (2017, p. 87). O que leva-o a um estado de adoecimento mental.

Para Han (2017) o sujeito do desempenho só se realiza na morte. Ou seja, a sua realização é a autodestruição:

“O sujeito do desempenho esgotado, depressivo está, de certo modo, desgastado consigo mesmo. Está cansado, esgotado de si mesmo, de lutar consigo mesmo. Totalmente incapaz de sair de si, estar lá fora, de confiar no outro, no mundo, fica se remoendo, o que paradoxalmente acaba levando a autoerosão e ao esvaziamento” (2017, p. 91).

As palavras de Han bate forte como um soco no estômago. Elas nos mostra um fato que está aí mas que, submersos nesse contexto, nos negamos a ver. E não é fácil mesmo. Há todo um aparato tecnológico (o mundo digital) desempenhando um papel central nesse sentido. Logo as perspectivas de mudanças não são animadoras. Mas pensando dialeticamente não podemos dizer que é impossível. Ainda que o horizonte nos parece cada vez menos animador. 

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Educador Popular e Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

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