sexta-feira, 20 de outubro de 2023

Resenha: Era uma vez... na Barra da Aroeira

Para quem nasceu no sertão tocantinense ou nas barrancas do Rio Tocantins, uma das lembranças da infância era quando sentavamos ao redor de uma lamparina para ouvir os mais velhos contar estórias de troncoso ou dos tempos da caroxinha. Eram contos da tradição oral que iam sendo passadas de geração em geração – que nos encantava e alimentava nossas mentes de crianças. Uma mostra dessa tradição pode ser conferido no livro Era uma vez... na Barra da Aroeira, organizado por Irma Galhardo.

Publicado em 2022, a obra trás uma coletânea de contos tradicionais da Comunidade Quilombola da Barra da Aroeira, localizado no territorio do Estado do Tocantins. São contos oriundos da cultura oral que perpassa pelo mundo fantástico, o enfrentamento de desafios, a superação de dificuldades, lições morais entre outros. E partir do trabalho de lapidação da Irma Galhardo, referência literária no Tocantins, podemos dizer que estamos diante de um clássico – que inclusive foi contemplada com o Prêmio Aldir Blanc Tocantins. 

Na apresentação do livro, Amanda Fernandes – Doutora em Letras pela USP. Chama atenção para o fato dos 13 contos presente na coletânea terem como porta voz – mulheres. Diante disso ela afirma que “as mulheres, cuidadoras ancestrais da infância,  são as grandes guardiãs dos contos tradicionais” (2022, p. 15). Lembrando da minha infância isso de fato se confirma. Geralmente quem nos contava essas estórias eram mulheres – minha avó Jovelina, minha mãe Maria Lúcia, Dona Caetana e Dona Júlia.

Ao final da obra a gente pode conhecer visualmente essas guardiãs dos contos tradicionais do Barra da Aroeira – Diolina Fernandes Rodrigues, Erminia Rodrigues, Andressa Rodrigues e Salviana Rodrigues. 

Já a organizadora da obra dispensa maiores apresentações. Como já dissemos, é uma referência literária no Tocantins. Já tendo publicado diversas obras entre elas o clássico Epopéia Tocantinense. Ela é também Mestre em Literatura pela UFT e em Cultura Popular pelo Ministério da Cultura. Além de ser uma divulgadora da literatura tocantinense por meio do Projeto Tocantins Poético e Lendário. 

A capa do livro de autoria do Danilo Itty merece uma menção especial – um belo desenho que mostra a beleza afro. O livro também conta com um pequeno glossário e um texto da Professora Maria Aparecida de Oliveira Lopes – da Universidade Federal do Sul da Bahia – que nos situa a Comunidade Quilombola Barra da Aroeira.

A leitura vale pela obra completa, mas para destacar um que me lembrou um personagem icônico da literatura brasileira – João Grilo do Auto da Compadecida, destacaria O rei e o esperto, narrado pela Andressa Rodrigues. A estória narra o desafio que o rei impõe a um jovem apaixonado que quer se casar com sua bela filha. Nessa narrativa encontramos o exemplo da inteligência do povo para superar os obstáculos. Já no O rico e o pobre, narrado pela Diolina Fernandes Rodrigues, temos uma lição moral típico das grandes fábulas, ou seja, uma lição de onde a ambição pode nos levar e a mensagem de que a maldade que fazemos com o outro pode se voltar contra nós. 

Além de já ter lido a obra. Também trabalhei a mesma com estudantes dos anos finais do Ensino Fundamental. E a reação deles durante a leitura me surpreendeu. Eu tinha consciência da importância da obra, por isso da escolha em trabalha-la. Mas não tinha noção da potência. E foi o envolvimento dos estudantes que me mostrou isso.

Diante dessa experiência não só recomendo a leitura do mesmo, como também recomendo a utilização do livro em aulas diversas – arte, literatura, história, geografia e projeto de vida. Tanto no Ensino Fundamental como no Ensino Médio. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Professor da Educação Básica. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. 

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