quarta-feira, 20 de novembro de 2024

O Sistema de Gerenciamento da Educação e a saúde mental do Professor

Em 2024 os servidores da educação da Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins, em especial os professores, tiveram acesso a uma nova versão do Sistema de Gerenciamento da Educação (SGE) - ferramenta que concentra todos os dados e informações acerca do fluxo escolar como matrículas, frequência e os índices de aprovação e reprovação. Mas também os planos de cursos, de aula, competências, habilidades e objetos de conhecimento trabalhados pelos professores em sala de aula. Ou seja, uma ferramenta importante para quem gere a educação no Tocantins. Pois é a partir dos dados fornecidos pelos profissionais que estão em sala de aula que se pode ter um diagnóstico da realidade da educação pública do Tocantins e a partir daí planejar ações de enfrentamento aos problemas detectados, como por exemplo, em relação a evasão escolar e o índice de aprendizagem.

O principal responsável por alimentar o sistema é o professor que está na regência da sala de aula. Devendo portanto dedicar parte do seu tempo para esse fim. A questão é que a dinâmica escolar nem sempre possibilita que isso seja feito a contento. Obrigando, não raramente, o professor de fazer isso no seu tempo que deveria ser de descanso. Algo que facilitaria é se tivéssemos uma ferramenta que ajudasse - o que não é o caso da nova versão - que parece ter sido feita estrategicamente para complicar a vida de quem está na sala de aula. A versão anterior de fato já estava ultrapassada. Porém, imaginava-se que a mudança seria para melhor. Não foi o que ocorreu, infelizmente. Como consequência temos uma ferramenta que ao invés de otimizar o trabalho docente tem o tornado mais penoso. Ainda mais num contexto de deficiência do serviço de internet nas escolas.

Independente disso, como também do fato dos professores não terem passado por formação. Pela instabilidade do sistema e as suas constantes atualizações. Há prazos a serem cumpridos. E quando não são, a cobrança vem de forma enfática. Inclusive com ameaça de notificação entre outros.

Marcuse (1973) é um crítico do desenvolvimento tecnológico porque observa que esse desenvolvimento ao invés de contribuir para libertação dos indivíduos acaba tendo um efeito contrário. E é isso que observamos no caso da nova versão do sistema de gerenciamento escolar (SGE). Uma ferramenta que deveria contribuir com o nosso trabalho docente acaba se tornando algo nocivo que afeta a saúde mental.

O trabalho burocrático é certamente uma das partes mais estressantes do fazer docente. E acaba afetando a sala de aula. Pois enquanto o professor está perdendo tempo preenchendo coisas burocráticas está deixando de lado o estudo e o planejamento de atividades que de fato iria impactar na qualidade das aulas. Quase sempre é um trabalho repetitivo, preenchendo coisas que não fará nenhuma diferença no processo de ensino-aprendizagem. 

Desde o seu lançamento no início do ano letivo, a ferramenta já passou por alguns ajustes. E o que se ouve é que estes ajustes continuarão. O que evidencia a má escolha realizada por quem adquiriu o produto. Enquanto isso, quem está na ponta está pagando a conta. Essa questão me fez lembrar de um pensamento há alguns anos ao ouvir uma colega reclamar da educação, sobretudo referente às exigências burocráticas.

- Se a burocracia mata a educação. Matemos a burocracia então.

Hoje acrescentaria. Ou matamos a burocracia ou ela nos matará. O índice de brasileiros com sentimentos negativos referente ao trabalho é enorme, como aponta pesquisa divulgada recentemente do State of the Global Workplace 2024. Que isso evolua para um adoecimento mental é mais do que óbvio. Também não faltam dados que mostram essa realidade, como, por exemplo, o divulgado pelo INSS, de 2023, que aponta um crescimento de quase 40% no afastamento de trabalhadores decorrentes de problemas como ansiedade e depressão. Os levantamentos também apontam que esse é um dos principais problemas que tem levado ao afastamento dos professores da sala de aula.

Engana-se quem pensa que o adoecimento mental dos professores está ligado apenas a sala de aula. A relação entre professor e aluno certamente não é fácil. Sobretudo num contexto em que a educação não é mais vista como um instrumento de mudança - tanto pessoal como social. E tanto a família como a sociedade passam por uma crise de valores.  Mas, mais desgastante do que a sala de aula é certamente as demandas burocráticas que são cobradas do professor. E o pior, é que se observa, que essas exigências não tem como fim melhorar o processo de ensino-aprendizagem, mas justificar a existência de determinadas estruturas burocráticas.

Dito isso, infelizmente não vislumbramos uma mudança dessa realidade. Sobretudo porque ouvir quem está no chão da escola parece não estar no radar de quem pensa a educação no Tocantins. Além disso, quem está no chão da escola não está muito disposto a fazer um enfrentamento para que seja ouvido.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

sexta-feira, 15 de novembro de 2024

Poema: Doce de buriti


 Para Maria Lucia, em memória 

Das delícias dessa terra,
existe uma especial.
Seu sabor é indescritível, 
coisa fenomenal.

Se feito por Maria Lúcia, 
melhora ainda mais.
Ela sabe o ponto certo,
ela sabe como faz.

O fruto tem que ser bom,
tem que ser da estação. 
Se não for do tempo certo,
não vingará não. 

De preferência que seja,
da chácara do Vô Chó. 
Feito no fogão a lenha,
não há coisa melhor. 

Depois de qualquer refeição, 
sempre cai bem.
É a melhor sobremesa,
não tem para ninguém. 

Oh doce de buriti,
tu és especial.
Dás delícias dessa terra,
não há nada igual.

Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO.  Inverno de 2019.

domingo, 10 de novembro de 2024

A música do Aureny I

O filósofo alemão Friedrich Nietzche diz que sem música a vida seria um erro. E seguindo esse raciocínio disse: “e aqueles que foram vistos dançando foram julgados insanos por aqueles que não podiam ouvir a música”. Essa frase me faz imaginar o quanto não é triste a vida daqueles que não podem ouvir a música. Corroborando com a visão do autor, de entre outros, “ O crepúsculo dos ídolos”, não consigo imaginar a minha vida sem música.

Por algum tempo, sobretudo no período da adolescência, o que me importava numa canção era a letra e o ritmo. Leitor de poesia desde a infância era natural que eu buscasse aqueles artistas que tinham uma força poética maior nas suas composições. Com o tempo fui me interessando mais pela música - identificar uma linha de baixo, o groove da bateria, um solo de guitarra. E até outros instrumentos como teclado e metais. Foi a partir daí que compreendi a grandeza de um The Beatles, por exemplo. Ou um Pink Floyd. O que não me fez deixar de apreciar uma letra poética. Ou ainda, canções pobres musicalmente mas subversivas.

A música está presente no meu cotidiano desde quando eu sequer tinha consciência disso. E com o tempo percebi que elas se tornaram o elo de ligação com um momento da minha vida. Há determinadas canções que quando ouço me remete há uma época passada, há um determinado lugar. A partir daí comecei a pensar que cada lugar tem uma música. Assim, quando ouvimos essa música somos levados a esse lugar, mesmo que ele já não exista. 

No entanto, nem todos vivem o lugar da mesma forma. De modo que essa música sempre depende da ótica de cada um. Ou seja, a música que me remete a Miracema da minha infância não é a mesma que remete a Miracema da infância do meu irmão Paulo. A música que marcou o meu período no colegial não é a mesma do meu amigo Joe. E daí por diante. Ou seja, a música do lugar está relacionada às nossas vivências pessoais.

Pensando nisso fiquei imaginando qual será a música do Aureny I - qual canção, ou canções, irá me fazer recordar desses dias quando eu já não estiver por aqui? Uma coisa é certo será um blues rock, pois nunca ouvi tanto esse estilo quanto tenho ouvido ultimamente. Em especial Saco de Ratos, Bebados Habilidosos e Celso Blues Boy.

Não sei porque, o Aureny me remete a uma zona boêmia de uma cidade grande como São Paulo - um lugar um tanto marginalizado, mas apreciado por amantes da noite dispostos a se aventurar por becos escuros atrás de álcool e sexo. Justamente aquilo que é retratado nas canções dos artistas citados.

“Na casa da luz vermelha
Só tem dor e solidão
Vejo tantas almas tristes
E mesmo assim estão sorrindo pra mim.
Cartão esquecido
Que a sorte abandonou
Quem chega aqui está perdido
Sem abrigo e sem amor
Mas nem conseguem entender.
Que nessa beira de estrada
É um jeito triste de viver
Na sala cheia de fumaça, ninguém vê
Que estou chorando por você
Chorando por você
Por você…”

Não me entendam mal, não estou dizendo que o Aureny I é um cabaré. Pelo menos, não no sentido que as pessoas geralmente imaginam, como um lugar sem regras. Mas eu não diria que o retrato que o Celso Blues Boy apresenta na sua canção (na casa da luz vermelha) seja muito distante do que encontramos nas ruas do Aureny I: almas tristes que apesar dos pesares sorriem para mim.

Talvez eu mesmo seja uma alma triste que nunca nega um sorriso para quem quer que seja. O artista tem sua razão em dizer que esse é um jeito triste de viver. Mas eu diria que tem lá sua beleza. E daqui há algum tempo isso ficará mais nítido. Ou não, né. Vai saber. Por enquanto essa canção é para mim a música do Aureny I. E para você? Qual é a música do lugar onde você vive?

Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock n roll.

terça-feira, 5 de novembro de 2024

Resenha: o homem unidimensional, Herbert Marcuse

Quando você ler um livro que foi escrito há alguns anos e tem a impressão de que ele foi escrito hoje, que dizer que você está diante de um clássico. Pelo menos, é uma ideia que eu corroboro, e que me veio à cabeça quando estava lendo “o homem unidimensional”, do filósofo alemão Herbert Marcuse. A minha impressão ao ler a obra completa é que o problema ao qual o filósofo se dedica é: numa sociedade administrada por uma racionalidade tecnológica, em que os indivíduos são levados a abrir mão da sua liberdade em troca de conforto, é possível vislumbrar mudanças qualitativas?

Antes de adentrarmos a obra, conheçamos o nosso filósofo. Herbert Marcuse nasceu em Berlim (Alemanha), no ano de 1898. Sua formação se deu nas Universidades de Berlim e Freiburg. Lecionou nas Universidades de Columbia, Harvard e Brandeis. Integrou a famosa escola de Frankfurt tendo tido uma enorme contribuição na resistência ao regime nazista e na popularização da teoria crítica. Tornando-se uma referência para a chamada nova esquerda. Além da obra em análise, ele publicou: Eros e civilização (1957), Cultura e sociedade (1970), A dimensão estética (1977) entre outros.

“O homem unidimensional: a ideologia da sociedade industrial” é de 1964, ou seja, em 2024 completa 50 anos da sua publicação. E trás uma profunda análise das sociedades desenvolvidas industrialmente e a importância da teoria crítica da sociedade como uma trincheira de resistência a um projeto totalitário caracterizado por novas formas de controle.

A obra é organizada por seções composta por capítulos. Segundo a seguinte lógica: na primeira seção o objeto é a sociedade. Na segunda é o pensamento unidimensional. A terceira é acerca de possíveis alternativas. A partir dessa sequência podemos perceber a linha de raciocínio do filósofo. Ou seja, primeiro ele faz um diagnóstico da sociedade contemporânea, mais especificamente as mais desenvolvidas industrialmente como os Estados Unidos da América (EUA). No segundo momento ele analisa como o pensamento é moldado fazendo com que os indivíduos se comportem de determinada maneira. E no terceiro momento ele aponta para possíveis alternativas, que na sua visão, passam pela defesa da teoria crítica como um contraponto ao projeto dominante.

Vale a pena ressaltar o texto introdutório da 1ª edição escrita por Marcuse intitulada de “a paralisia da crítica: sociedade sem oposição.” Que já dá o tom do que iremos encontrar no decorrer da obra. Ou seja, um diagnóstico de uma sociedade autoritária que impõe o seu projeto de dominação não mais pelo uso da força mas pela introjeção de falsas necessidades. Com isso o nosso filósofo ressalta que nessa conjuntura a liberdade é transformada num poderoso instrumento de dominação. Diante disso é importante lembrar de Karl Marx quando ele nos diz que não há liberdade verdadeiramente quando não podemos escolher entre duas alternativas concretas.

“Nós vivemos e morremos racionalmente e produtivamente. Nós sabemos que a destruição é o preço do progresso, assim como a morte é o preço da vida, que a renúncia e o esforço são pré-requisitos para gratificação e o prazer, que os negócios têm que continuar, e que as alternativas são utópicas. Essa ideologia pertence ao aparato social estabelecido; ela é requisito para seu funcionamento contínuo e faz parte de sua racionalidade”.

O trecho acima nos dá uma ideia da escrita do Marcuse. Ou seja, um texto acessível. Óbvio que temos consciência de que para quem não é da filosofia haverá uma certa dificuldade em relação a compreensão de determinados conceitos. Mas creio que isso não é limitador para que o público no geral possa ler e compreender a obra. Sobretudo a caracterização da sociedade contemporânea e como sua lógica de funcionamento forma indivíduos submissos.

Nesse contexto é possível vislumbrar alternativas? Para um materialista histórico dialético tal como Marcuse sempre há alternativas. E na sua concepção a alternativa passa pela restauração do pensamento crítico. Não num sentido moral, como percebemos muitas vezes, sobretudo na atualidade. Mas se opondo negativamente a uma consciência feliz positiva.

Enfim, não é nosso objetivo fazer uma análise profunda dessa obra aqui. Mas apenas resenha-lo brevemente, salientando a sua importância e relevância. E a partir daí recomendar a sua leitura. Por tanto encerramos por aqui com um verso do Maiakovski que acredito representar o espírito com o qual Marcuse encerra o livro: “é preciso arrancar alegria ao futuro”.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Diálogos em sala de aula

- Qual o sentido da gente estudar tanto para depois virar professor e ganhar um salário desses?

Esse questionamento ouvi numa aula de filosofia esses dias por parte de um estudante. A minha resposta imediata é que para mim fazia muito sentido. Pois no contexto em que vivemos o salário que eu ganho me dá uma condição de vida superior a maioria dos brasileiros. Sem falar que a medida que eu continuasse me qualificando poderia melhorar o meu ganho. 

- De onde eu venho. O lugar que estou hoje me deixa com muito orgulho. Sem falar que eu gosto do que faço. Acordo todos os dias e venho dar aula com prazer.

Compreendi a provocação do estudante como um movimento que existe de desqualificação do fazer docente na educação básica. Um movimento que parte, muitas vezes, dos próprios professores que desencorajam os estudantes a fazer uma licenciatura. Tanto que diferentes levantamentos apontam que é uma minoria aqueles jovens que se dispõem ser professor. Entre aqueles que entram na universidade para cursar uma licenciatura o indice de evasão é alarmante. E aqueles que desistem quando conhecem a realidade de uma sala de aula não são poucos.

Não vou aqui romantizar a realidade. De fato não é um trabalho fácil. Sobretudo num contexto em que a educação parece ter se tornado algo supérfluo. As condições de trabalho nem sempre são as melhores. E os vencimentos estão longe de ser aquilo que merecemos pelo trabalho que fazemos. 

Mesmo assim, com o salário que ganhamos temos uma situação privilegiada em relação a maioria da classe trabalhadora. E não digo isso para que nos conformemos. Mas para que tenhamos consciência de que mudar as condições atuais do nosso fazer profissional, bem como a sua valorização, passa por essa compreensão. E a partir daí buscarmos fortalecer a profissão e não aceitar a sua desqualificação. 

Eu gostei da provocação do estudante. E fiz questão de dizer isso. Falei que quanto mais houvesse questionamentos por parte deles mais dinâmicas seriam as aulas. Óbvio, que esses questionamentos deveriam ser no contexto do que estávamos discutindo. Foi então que na mesma linha, outro estudante questionou qual era o sentido dele ter que ir todo dia para a escola pois já estava cansado daquela rotina.

A minha resposta foi: - o sentido quem tem que dá é você. A resposta quem tem que dá é você. Para deixar claro que não se tratava de uma mau resposta. Expliquei o motivo.

- Eu posso fazer todo um discurso lindo aqui sobre a importância do estudo. Mas vai ser o que eu penso. Vai ser o meu sentido em relação a educação a partir da minha experiência. Que como já ficou evidente na resposta anterior é inegável. Eu posso até ti convencer. Mas no final das contas vai ser o que eu penso. O que estou querendo dizer é que a vida é sua meu caro. E quem tem que encontrar sentido pra ela é você. O meu papel aqui será problematizar. Quem sabe ajudá-los a encontrar esse sentido.

Pela reação dele não era a resposta que esperava. Provavelmente pensava que eu faria um discurso tentando convencê-lo do contrário. No entanto percebi que ele compreendeu a minha colocação. Ou seja, nós precisamos assumir a responsabilidade pelas nossas escolhas. Pois quem arcará com as consequências seremos nós. Ora, não podemos jogar para os outros a responsabilidade de dar sentido a nossa existência. E quanto mais cedo aprendermos isso melhor.

Pedro Ferreira Nunes –  É professor de Filosofia na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins 


sexta-feira, 25 de outubro de 2024

Política no Tocantins e a incômoda posição de estar sempre entre o espeto e a brasa

Isso me ocorreu ao analisar a opção que aqueles que se insere no campo da esquerda (como eu) terão em relação às eleições no segundo turno em Palmas. Para nós que vivemos no Tocantins não é nenhuma novidade. Vivendo num território em que a esquerda não tem grande relevância. Incluindo nesse bonde a socialdemocracia. Não raramente temos que escolher entre direita e direita. Esse é o caso da disputa entre Eduardo Siqueira Campos (Podemos) e Janad Valcari (PL).

Nesse cenário qual seria a melhor escolha? A grande maioria daqueles que se insere no campo progressista estão fazendo a escolha pela candidatura do Eduardo Siqueira Campos. O que é compreensível diante do fato de que a outra alternativa é uma candidata que veste a camisa do bolsonarismo. Ou seja, a escolha é pela direita tradicional (maquiada de moderninha) ao invés da extrema direita (maquiada de liberal). A diferença entre uma e outra é que com a primeira há um diálogo possível, sobretudo o respeito ao Estado democrático de direito. Já a segunda não.

Outro fator a ser levado em consideração é que pensando num projeto nacional de manutenção do bolsonarismo fora do poder. Não é nada interessante ter no comando da capital alguém que irá dar palco para a extrema direita. Não que Eduardo não faça isso. Pois ideologicamente ele está mais próximo do bolsonarismo do que da esquerda. No entanto com Janad isso será automático. Só vermos quem já passou pelo seu palanque (Bolsonaro, Michele, Nicolas, Damares entre outros).

Foi justamente o apoio dessa gente que é bastante popular em Palmas, sobretudo na periferia, que catapultou Janad ao lugar que ela chegou.

Apesar de ver toda a sua força durante o primeiro turno da campanha, ao contrário do que algumas pesquisas apontavam, sempre disse que haveria segundo turno. Ainda que não percebesse um movimento que pudesse impedir a sua vitória.

O fato é que esse movimento ocorreu. As votações expressivas tanto do Professor Júnior Geo como do Eduardo mostraram uma resistência do eleitorado palmense ao bolsonarismo representado por Janad. Mostraram também que o que parecia ser uma terceira via tornou-se uma alternativa real - a candidatura do Eduardo Siqueira Campos que conseguiu ficar à frente do Júnior Geo (que contava com o apoio da prefeita Cintia).

Não acredito que ninguém que tenha minimamente uma formação progressista tem alguma ilusão quanto a uma gestão do Eduardo Siqueira Campos que não seja para atender os interesses do mercado. Tanto é que um dos pontos do seu programa de governo é o estabelecimento de parceria público-privada (privatização). Entre eles na educação e no transporte público. No transporte público, por exemplo, sua proposta é adquirir 200 novos veículos e entregar para uma empresa privada fazer a gestão, óbvio que isso não será em troca de nada, mas da tarifa que os usuários pagam diariamente.

O mote do seu programa é a livre iniciativa com justiça social. É praticamente o mesmo lema do Governo Siqueira Campos à frente do Estado do Tocantins (o Estado da livre iniciativa e da justiça social). Em primeiro lugar o interesse do mercado e alguma migalha para o social (compreendido como caridade).

Diante desse cenário, votar nulo seria uma opção? Já que independente de quem for eleito as perspectivas não são boas para a classe trabalhadora, sobretudo quem vive na periferia. Para alguns sim.

Minha posição, não sem incômodo, é defender a necessidade de não ficarmos neutros num cenário em que uma candidata que reivindica o bolsonarismo pode chegar ao poder. Seguindo a análise do filósofo e professor Paulo Arantes sobre Bolsonaro de que este seria uma ruptura para o pior, que deve ser portanto estancado e contido. Aqueles que o seguem também o são. E por tanto devem ser combatidos igualmente.

Também devemos nos perguntar se esse é o horizonte que queremos. Nos acomodar com a incômoda posição de ter que escolher entre direita e direita. Esperando em troca ganhar algum cargo comissionado. Ora, quando vamos pensar e trabalhar seriamente para nos colocar como uma força relevante na política tocantinense? 

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

domingo, 20 de outubro de 2024

O filme Nação dos sonhos do Michael Goldbach e a nossa formação moral

O que seria uma “Nação dos sonhos”? Me parece que há duas respostas possíveis. Primeiro, um lugar perfeito. Ou, segundo, um lugar em que se vive fora da realidade. Esse parece ser o sentido dado pelo diretor Michael Golbach a sua película Daydream Nation (2011).

A narrativa se desenrola numa cidade interiorana. Envolta por uma névoa conservadora, assolada pela poluição de fumaça e o perigo de um serial killer de mulheres. Caroline (Kat Dennings) é o fio condutor da narrativa. É a partir da sua perspectiva que conheceremos o lugar e suas personagens. Como o jovem Thurston Goldberg (Reece Thompson) viciado em maconha, que carrega consigo o trauma da morte de um amigo num acidente. E o professor Barry Anderson (Josh Lucas) - um aspirante a escritor que buscou refugiou ali após descobrir uma traição da esposa com o seu melhor amigo.

A vida desses personagens vai se encontrar numa escola de ensino médio. O cineasta não poderia escolher um lugar mais simbólico para retratar aquela realidade. Desmotivação, falta de perspectiva, traumas e mais traumas é em resumo o que desfila naqueles corredores. Caroline olha para tudo com um ar de superioridade e desprezo, vindo de uma cidade grande, com uma mentalidade mais liberal não vai se deixar enquadrar por aquela realidade, pelo contrário. Buscará subverte-la.

A questão é que estamos falando de uma jovem, que por mais que tenta se mostrar forte está passando por um momento de transição assim como os demais. E nesse momento de transição nem sempre irá agir de forma virtuosa, digamos assim. Não vamos condená-la por isso, mas entender que faz parte do seu processo de desenvolvimento e amadurecimento. O mesmo não podemos dizer do professor Barry - do qual se espera um nível de maturidade condizente com sua idade e formação. Mas também não o condenemos. Tentemos compreender a fraqueza humana.

Kohlberg, psicólogo estadunidense, tem uma teoria interessante acerca do comportamento moral. Que pode nos ajudar a compreender a psique dos personagens do Daydream Nation. De acordo, com esse pensador, há diferentes níveis de moralidade. O primeiro, denominado de pré-convencional, tem como principal característica uma ética individualista, onde a preocupação com o eu se sobressai. Nesse nível há dois estágios. O primeiro é a consciência de que as regras morais derivam da autoridade. E o segundo a consciência da necessidade de acordos diante dos diferentes interesses pessoais. Prevalecendo sempre o meu interesse como prioridade. Esse é o caso de Caroline quando decide seduzir o professor Barry como uma forma de fugir do tédio do lugar. E também do professor ao ceder a investida de Caroline. Sobretudo porque vê nessa relação um meio de recuperar a confiança perdida em si como escritor.

O segundo nível de moralidade é denominado de convencional, aqui também há mais dois estágios, mas em resumo, o indivíduo passa a ter preocupação com o outro, a reconhecer o outro não como um meio. Esse é o caso do Thurston no seu relacionamento com Caroline e pelo remorso que sente pela morte do amigo. Com isso percebemos que não necessariamente o desenvolvimento moral está relacionado a idade. Pois Thurston é um adolescente ao contrário do professor Barry.

Ainda temos o terceiro nível, denominado de pós-convencional, que também se divide em dois estágios, para Kohlberg este é o mais alto nível de moralidade. E se caracteriza por um comportamento moral fundamentado em princípios éticos. Não é o caso de nenhum dos personagens do filme em análise. No entanto percebemos eles se movendo nesse sentido a partir de um elemento fundamental, o erro.

E o que é o erro senão aquilo que a sociedade estabelece como errado. E ao se estabelecer algo como errado busca-se criminalizá-lo para que os indivíduos, sobretudo os mais jovens, não o pratique. No entanto, esquecemos que o erro é um elemento pedagógico muito importante. E que nos faz crescer. De modo que a questão não é tanto cometer erros, mas a capacidade de aprender com eles e evoluir.

O que me parece é que esse período de transição que caracteriza a juventude  é o que mais cometemos “erros”. Muitas vezes apenas pelo prazer de desafiar o status quo. O cuidado que tem que se ter é que alguns são irreversíveis, como por exemplo, o que levou a morte do amigo do  Thurston. No final, Daydream Nation, nos mostra não uma nação ideal, mas a possível. E essa nação possível, pode ser boa de viver se soubermos aprender com nossos erros. Ou olhando para os personagens, que são um retrato das juventudes que existem na nossa sociedade. Daydream Nation, nos mostra não indivíduos perfeitos, mas reais. E que por serem reais cometem erros mas não cortam os pulsos por isso.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

terça-feira, 15 de outubro de 2024

Conto: A noite mais longa

Ele nunca imaginou que um dia colocaria os pés num lugar daqueles. Ainda mais agora que já ultrapassara 60 primaveras. Sempre trabalhou duramente para sustentar a família e buscou educar os filhos para que seguissem o seu exemplo. Das tantas noites difíceis que tivera, aquela era a pior. E quanto pior, mais longa, tornando o sofrimento ainda maior.

Algo lhe dizia que não sairia vivo dali. As pessoas que passavam por ele naquele corredor olhavam-o como se estivesse vendo um morto. Ele sabia que isso não ia demorar acontecer. Os anjos da morte nos seus cavalos negros a qualquer momento se materializariam naquele lugar, fazendo ecoar o som feroz de suas armas. Mais tardavam, fazendo com que os minutos se transformassem em horas. – o que fiz para merecer esse final? A tortura psicológica daquele momento era pior que tudo.

Ele não temia a morte. Sempre fora um homem temente a Deus. Este certamente estaria lhe reservando um bom lugar. Lamentava deixar sua esposa, filhos e netos. Mas se o seu destino era pagar com a vida um erro de um filho. Nada podia fazer. Se não orar e pedir a proteção de Deus para aqueles que ficavam. Orava inclusive pela alma dos seus algozes. – Pai, perdoai-vós, eles não sabem o que fazem.

Por ele não estaria mais naquele lugar. Mais fora orientado a aguardar o amanhecer para que pudesse voltar para casa em segurança. Para ele estava apenas adiando o inevitável. Já mais voltaria a ver a casa que construira com tanto sacrifício. Desde cedo trabalhando duro e o máximo que conseguira fora aquela casinha e uma aposentadoria de miséria. Mas não se lamentava, pelo contrário, agradecia a Deus pelo que tinha – era pouco, mas havia conquistado com trabalho.

Não entendia por que o seu amado filho, mesmo com tanto conselho, decidira pelo caminho da criminalidade. Foram noites e noites de joelhos dobrados, juntamente com sua esposa, orando para Deus, pedindo para que aquele menino tomasse juízo. Mas nada de mudança. Agora estava morto. Tão jovem, tão jovem. Tudo bem que não era flor que se cheirasse. Mas será que merecia aquele destino? Questionava-se.

Se o filho, mesmo com o crime que cometera, não merecia a morte sumária. Ele muito menos. Se tinha mentido para Policia num primeiro momento não fora para proteger o filho criminoso, mas por receio do que esse poderia fazer a si e a sua mulher. Agora que havia esclarecido no seu depoimento o por que dá mentira, sua consciência estava mais tranquila do que nunca. Morreria como culpado de cumplicidade, mas seria absolvido pela justiça divina.

Que noite longa. Parecia nunca ter fim. Ele tentou tirar um cochilo. Mas os pensamentos não lhe dava trégua. Pensava na sua esposa, nos filhos, na casa, nos irmãos da igreja, na plantação de mandioca. Mesmo com a idade avançada e sendo aposentado, não fugia do trabalho. Qualquer pedacinho de terra ele aproveitava para plantar uma mandioquinha, um feijão, um milho, uma abóbora, para ajudar no orçamento da família. 

Ele tentava esquecer dos acontecimentos que o fizeram chegar ali – do confronto que levou a morte do seu filho. Tentava inclusive esquecer de onde estava. Imaginava-se no lugar da sua infância em meio a natureza. Como era bom a vida no campo. Não havia a violência que existe nas cidades. A relação de respeito entre pais e filhos eram outra. Mas passos rapidos nos corredores o fizeram lembrar de onde estava.

Quando os anjos da morte chegaram, o local escureceu. Ele não esboçou reação. Estava sereno. Eram muitos, muitos foram os disparos. Seu corpo ficou estendido no corredor. E os anjos partiram deixando um rastro de sangue, na noite mais longa naquela cidade interiorana. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir Rock in roll. 

quinta-feira, 10 de outubro de 2024

Uma crônica dos últimos momentos das eleições municipais de 2024 em Lajeado

Acompanhando de longe a campanha eleitoral em Lajeado, sobretudo pelas redes sociais, me parecia uma eleição bastante disputada onde não se percebia na reta final um favorito claro. Assim quando cheguei às vésperas da votação tentei sentir o espírito da cidade.

O meu primeiro contato foi com colegas que votariam na Márcia (PSDB). E o que senti nesse bate papo foi uma profunda confiança na eleição da candidata tucana. Eles me disseram que o povão estava todo com a Márcia, ainda que muitos não falassem publicamente. O contato com aqueles que votavam no Tércio foi um pouco diferente. Também acreditavam na vitória, mas pontuando que seria apertado.

Essa visão mudou um pouco depois da carreata promovida pelo candidato republicano que marcou o encerramento da campanha. Eu estive presente participando do ato e fiquei impressionado. Me pareceu ter sido uma estratégia bastante acertada que poderia influenciar os eleitores indecisos. E o sentimento dos que ali estavam é que a vitória era praticamente certa. No entanto, a demonstração de força não impactou na decisão dos eleitores lajeadenses. Tanto que houve vários comentários dizendo que muitos dos que estavam na carreata não eram da cidade. Ou seja, não havia indecisão em relação ao voto por parte do eleitorado.

No domingo a cidade amanheceu tranquila, fui até o meu local de votação entre 11h e 12h, votei e retornei para casa. No período da tarde me organizei para retornar para Palmas. E enquanto estava na margem da rodovia esperando a Van, um colega que fazia parte da campanha do Tércio deu a notícia.

- Perdemos a eleição.

A minha reação foi de surpresa. Quis saber mais detalhes mas ele não tinha. Como ele estava indo para Palmas me ofereceu carona - o que foi providencial pois eu já estava há um bom tempo tentando pegar uma van mas todas que passavam estavam lotadas. Durante a viagem fomos conversando e analisando tanto o resultado como o novo cenário político na cidade. E um ponto bastante enfatizado foi do capital político da Márcia. Ainda não sabíamos de quanto tinha sido a vantagem de um para o outro. E nem quais e quantos vereadores eleitos de cada grupo. Só quando chegamos em Palmas e tivemos acesso a internet é que soubemos.

Para mim ficou evidente que a cidade de Lajeado se moveu num sentido de mudança. E quem melhor incorporou esse sentimento na campanha eleitoral foi a candidata tucana. A renovação de mais de 50% das cadeiras do legislativo lajeadense também corroboram com essa tese. E o mais interessante desse movimento foi ver a eleição de gente jovem com profundas raízes na cidade. Como é o caso do Madruga (Republicanos) e do Márcio Brito (PL). Ouso apostar que essa seja a legislatura mais jovem da história do Lajeado.

Em relação à representação feminina não houve mudança referente à quantidade. Mas o nome da ocupante desta cadeira (Eva Enfermeira/PSDB) é certamente muito significativo tanto pela sua história com o território como pelo seu trabalho como servidora pública da saúde.

Confesso que não me empolguei com a candidatura da Márcia. Para mim será como uma espécie de rainha da Inglaterra. Ou seja, apenas figurativa. Quem realmente vai comandar a administração não será ela. Talvez eu esteja subestimando o seu papel como líder. E espero estar enganado quanto a isso para o bem da cidade.

No geral a gente observou um movimento de mudança. E não podemos ficar tristes diante disso. Sobretudo em relação a eleição para câmara de vereadores com a ascensão de novos parlamentares e a queda de figuras tradicionais da política lajeadense. Óbvio que teremos mudança. Márcia não elegeu a maior bancada na Câmara de Vereadores e precisará ceder espaço para os parlamentares eleitos no grupo do Tércio para poder ter projetos aprovados. Os vereadores por sua vez, mesmo os novatos, nem todos ficaram na oposição.

Enfim, foi assim que vi e acompanhei os momentos finais das eleições em Lajeado. Já não estava na cidade durante a comemoração. Mas pelas postagens nas redes sociais pude perceber a emoção e felicidade do grupo vitorioso. Também pude imaginar a bad trip de quem investiu tanto e viu seus planos frustrados. No interior se vive muito intensamente o período eleitoral de escolha dos representantes locais. E isso deixa suas marcas. No final das contas a única pergunta que importa é: qual a cidade que teremos nos próximos quatro anos?

Pedro Ferreira Nunes - É Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins. Graduado em Filosofia (UFT). Especialista em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestre em Filosofia (UFT).

sábado, 5 de outubro de 2024

Leituras: A mão e a luva, Machado de Assis

Imagine uma moça de uma família burguesa, no século XIX, sendo cortejada por três pretendentes totalmente diferentes entre si. É de imaginar toda a pressão social que paira sobre a sua cabeça. Sobretudo por que essa escolha deverá ser referendada pela sua família. É em torno desse drama que se desenvolve “a mão e a luva”, romance machadiano publicado em 1874.

Guiomar é o nome da jovem cortejada. De origem popular, acabou sendo adotada por uma baronesa em substituição a uma filha falecida. De modo que isso lhe deu acesso a uma educação superior bem como uma posição social privilegiada. Não estamos diante de uma personagem frágil ou acomodada. Mas de alguém consciente de si e de onde quer chegar – uma personagem que não se deixa iludir por uma declaração de amor qualquer. De modo que no fundo nunca houve um dilema profundo em relação a sua escolha. Se num determinado momento ela tende a satisfazer a vontade da madrinha é apenas uma estratégia para alcançar o que queria.

Mas Machado de Assis, brilhante como é, consegue manter um suspense em aberto. Segurando-nos até a última linha para saber qual será a luva que encaixará perfeitamente na mão da jovem. Isso se deve pelo fato dele nos fazer sentir simpatia por um dos personagens – que é apresentado como se fosse um protagonista ao lado da moça. Levando nos acreditar que essa será sua escolha, sobretudo pensando com o coração. Mas no final a escolha acaba pairando sobre o menos improvável. Menos improvável para nós românticos. 

Consegui identificar em a mão e a luva algumas semelhanças com outra obra mais célebre do autor (Dom Casmurro) que foi publicada alguns anos depois. Por exemplo, o personagem Estêvão. A sua personalidade me pareceu bastante a do Bentinho. Inclusive o seu final. Trata-se também de um bacharel em direito que gosta de literatura e filosofia mas que mostra uma insegurança e fraqueza enorme. Guiomar por sua vez lembra Capitu – inteligente, articuladora e audaz.

A gente acaba torcendo para que eles fiquem juntos. Mas no fundo percebemos que são incompatíveis. De modo que a escolha de Guiomar é no final das contas uma escolha racional. Ela opta por alguém que  tem um projeto de vida – que sabe o que quer e onde quer chegar. Ou seja, ela abre mão do romântico e apaixonado (Estêvão) por um astuto e ambicioso (Luiz Alves). O terceiro (Jorge) só figurou como uma alterntiva por ser sobrinho da Baronesa e contar com sua simpatia e bênção.

A priori pode parecer que a escolha de Guiomar seguiu o que determina a moral burguesa – onde as relações afetivas são no fundo por interesses comerciais. Ela viu em Luiz Alves, que se tornara deputado, alguém que poderia alça-lá a uma condição de maior destaque na sociedade. Os outros dois pretendentes não eram pobres. Mas não tinham essa característica que ela tanto apreciava – a ambição. 

É importante não ver esse termo de forma pejorativa como se estabeleceu em grande parte do senso comum. A ambição aqui é no sentido de não acomodação. De querer algo e ir atrás. Fazer acontecer. Foi a partir daí que surgiu o amor deles. Dá percepção de que um completava o outro. Não a partir de uma idealização mas de coisas palpáveis. Isso me lembrou Nietzsche e o seu amor fati.

“Minha fórmula para o que há de grande no individuo é amor fati: nada desejar além daquilo que é, nem diante de si, nem atrás de si, nem nos séculos dos séculos. Não se contentar em suportar o inelutável, e ainda menos dissimulá-lo, mas amá-lo”.

Enfim, se “a mão e a luva” não é um dos romances mais célebre do Machado de Assis, não é por falta de qualidade. Trata-se de uma obra agradável de ler e que mostra o gênio literário dessa figura que é sem dúvida um dos maiores da literatura mundial. A obra trás alguns temas que é recorrente na literatura Machadiana como a reflexão sobre a vida, o amor e as relações sociais. E ao final da leitura certamente não saímos os mesmos.

Pedro Ferreira Nunes – Professor da Rede Pública Estadual da Educação do Tocantins. Graduado em Filosofia. Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. E Mestre em Filosofia. 

segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Cotidiano

Feira do Aureny I
Aos poucos vou me tornando uma presença conhecida pelas ruas dos aurenys. Seja indo de casa para o trabalho e retornando do trabalho para casa. Nas corridas vespertinas, no comércio local (em especial na distribuidora) e na feira aos domingos.

- Como são as coisas. Quando te vi pela primeira vez achava que se tratava de um hippie. Não imaginava que você fosse um professor.

Comentou comigo um cara que monta uma banquinha de jogos em frente a uma lotérica. De cumprimento em cumprimento fomos nos aproximando e hoje ele é um dos poucos com quem troco algumas palavras. Mas não sei sequer o nome dele. Aliás, preciso aprender. Pois ele sempre me chama pelo nome: - Professor Pedro. Não é certo da minha parte não retribuir. Dificuldade de memorizar não é pois sei o nome de praticamente os quase trezentos alunos para quem dou aula.

- Você estava sumido!

Comentou outro cara quando estava indo para o trabalho após o retorno das férias julinas. Eu não o conhecia. Imaginei que o comentário expressava o fato dele estar habituado em me ver passar por ali. E deu falta de mim durante o mês de julho.

Sou um cara bastante previsível e rotineiro. Costumo sempre sair de casa no mesmo horário e seguir pelo mesmo caminho. De modo que as pessoas que habitam ou circulam por ali acabam se acostumando com a minha presença. Alguns falam comigo. Outros apenas observam. Devem ficar especulando quem sou eu. De onde venho. O que faço. Aqueles que descobrem dizem nunca ter imaginado que eu fosse um professor e dou aula de filosofia no tradicional Santa Rita de Cássia.

Não faço muita questão que saibam, no fundo não quero criar laços. Lembro que uma vez resolvi ir assistir um jogo de futebol numa distribuidora perto de casa. Pedi uma cerveja e sentei sozinho numa mesa. Num determinado momento um senhor se aproximou puxando conversa querendo saber de onde me conhecia. A minha educação não permitiu que eu o repelisse. E assim busquei aplacar sua curiosidade acerca da minha figura. Mas em relação ao meu trabalho disse apenas que era na escola. Não entrando em detalhes sobre a minha ocupação. Não fora a primeira vez que omitira essa informação.

A minha vida social deixo apenas para o trabalho. Em casa quero descansar. Ficar só comigo mesmo. Interação só por meio virtual. Por isso evito, inclusive, de falar com meus vizinhos para não criar intimidade ao ponto de quererem tomar uma cerveja comigo e conversar. A convivência com os estudantes e colegas de trabalho no dia a dia já consome por demais a minha bateria social. Tanto que quando chega o final de semana não saio pra canto algum. Às vezes até planejo, mas acabo preferindo ficar em casa. Raramente, só muito raramente esse fenômeno acontece.

Me sinto bem por aqui. Assim como os moradores dos aurenys já se habituaram com a minha presença, eu também já me habituei com esse território. Já fico pensando comigo caso seja necessário uma mudança. Esta certamente virá. Pois não pretendo envelhecer aqui. Mas não por enquanto. A priori não escolhi estar aqui. Mas já que estou, vou viver. Aproveitar essa experiência para aprender e crescer.

Se não fosse essa minha tendência de se fechar numa rotina e buscar conservá-la, sei que conheceria pessoas incríveis e vivenciaria mais experiências significativas. Pois o fato é que sempre que quebro a rotina coisas interessantes acontecem. Sei que preciso fazer isso mais vezes. Mas não é fácil para mim, não é fácil.

“A gente pode dar uma volta no quarteirão
Nessas noites que a tv não satisfaz
E a cama tá vazia
Nessas noites sempre pinta melancolia
Pros babacas sozinhos como nós
E logo eu que sempre vivi
Com cabeça cheia de sonhos
Afastando qualquer gesto de carinho”.
Saco de Ratos


Pedro Ferreira Nunes - é apenas um rapaz latino-americano que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Filosofia, Educação e Direitos Humanos

No contexto das aulas remotas durante a pandemia do SARS-CoV-2 (COVID-19), depois de fazer vários cursos relacionados a área da educação, decidi fazer uma pós-graduação online. Alternativas eram muitas, valores bastantes acessíveis. Me restava escolher algo relacionado a minha área de formação e atuação, numa instituição reconhecida pelo Ministério da Educação (MEC). Foi então que cheguei à especialização em Filosofia e direitos humanos da Universidade Venda Nova do Imigrante (Unifaveni).

Eu tinha consciência que a qualidade dessas pós-graduações deixam bastante a desejar. E pude perceber isso na prática. De modo que durante o curso busquei não me ater apenas as apostilas e videoaulas disponibilizadas pela instituição. Com isso não tive muita dificuldade na realização das tarefas e avaliações. E no final consegui produzir um artigo que muito me orgulha - não por ter obtido a nota máxima sem o auxílio de nenhum orientador, mas sobretudo por ter me direcionado ao Mestrado em Filosofia, como também por ter deixado uma contribuição importante, pelo menos na minha avaliação, para discussão da temática.

Trata-se de um trabalho teórico. Mas, que surgiu de um problema que me incomoda no cotidiano - o discurso contrário aos direitos humanos. Discurso esse reproduzido entre os muros das escolas. E que se evidencia em relações autoritárias. Tentando responder o problema, me pareceu uma boa estratégia utilizar a arte, mais especificamente o cinema, para mostrar essa realidade (corroborando com a tese de que a arte imita a vida, em especial o cinema). O título do artigo foi justamente inspirado num filme (Entre os muros da escola) e dos filósofos nos quais fundamentaria a minha argumentação (Aristóteles, Espinosa e Vladimir Safatle).

O nosso ponto de partida seria a compreensão do que são os afetos e a sua relação com o comportamento humano. O ponto seguinte seria mostrar como isso se dá no cotidiano a partir de nossas ações - ações que nem sempre condizem com o que estabelece os direitos humanos. Depois buscamos entender o que são esses tais direitos humanos que tanto se fala, mas que poucos sabem de fato o que são. Para finalizar mostramos a relação intrínseca entre ética e direitos humanos. Enfatizando que a promoção desses direitos passa necessariamente por uma formação ética, que tanto no contexto clássico, passando pela modernidade, ou na contemporaneidade salienta a necessidade de agirmos de forma racional diante dos afetos que circulam na sociedade.

Quem navega por esse blog já deve ter visto alguns trechos que disponibilizei deste artigo. De modo que não se trata de algo totalmente inédito. No entanto, agora segue o texto na íntegra (que pode ser baixado pelo link: https://drive.google.com/file/d/1SlfqZDWmMQbsWoTUmBhgOcQjkm_WxwCy/view?usp=sharing). Não há nenhuma modificação em relação à escrita que foi submetida à avaliação como requisito para conclusão da especialização. Apesar de já terem passado três anos desde que escrevi esse artigo, vejo que ele está envelhecendo bem. Tanto pelo problema que persiste - e que não vislumbramos a sua superação a curto ou médio prazo. Como também por termos nos apoiado em clássicos. No entanto dei uma modificada no formato, dando uma cara mais de revista - inserindo algumas imagens, não só dos filmes utilizados na análise, como outras que acredito que podem contribuir para quem queira trabalhar a temática em sala de aula (e fora dela) a partir dessas obras.

Recentemente durante uma formação fiquei observando uma discussão acerca do comportamento dos estudantes de uma escola cívico-militar. Durante a discussão um colega pontuava a diferença do comportamento desses estudantes na presença dos militares e na sala de aula apenas com os professores. Enquanto num espaço demonstram respeito às normas, no outro a postura é diferente. Não quis polemizar, mas pensei comigo. Ora, de onde vem esse comportamento se não dá sociedade que vivemos - sociedade esta onde a aparência importa mais do que a essência - o ter mais do que o ser. Como cobrar desses jovens uma postura diferente daquilo que eles veem em casa e nos espaços que frequentam?

Trago esse exemplo para mostrar mais ainda a importância dessa temática. Para a necessidade de olharmos para aquilo menos evidente - as violações que não deixam marcas visíveis. Não deixam marcas visíveis mas estão aí e todos nós de certa forma contribuímos para sua normalização.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor de Filosofia na Rede Pública de Ensino do Tocantins. Possui Graduação em Filosofia (UFT). Especialização em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestrado em Filosofia (UFT).

sexta-feira, 20 de setembro de 2024

Breve comentário sobre assédio sexual

Mesmo sendo criado numa cultura machista onde aprendemos desde pequeno que a mulher é um objeto ao nosso dispor -  de modo que assediar sexualmente uma mulher é visto como um ato de virilidade. A mim sempre pareceu algo abominável. Em grande medida, tal postura surgiu a partir do rechaço ao que eu via na comunidade em que estava inserido. E ao longo do tempo essa postura foi se solidificando à medida que fui tendo uma formação ético-filosófica mais profunda.

Essa não é, no entanto, a postura que prevalece na nossa sociedade. O que podemos inferir a partir de dados como da pesquisa da consultoria deloitte, divulgada em 2024, que aponta que 40% das mulheres brasileiras já sofreram assédio no ambiente de trabalho. Dos casos apontados pela pesquisa, 60% não reportaram o caso ocorrido. O que se deve em grande medida, tanto pelo trauma como pelo medo. Pois não raramente a vítima, nesses casos, é transformada em culpada pelo ocorrido.

Lembro que quando estudante do curso de graduação em Filosofia na Universidade Federal do Tocantins (UFT), duas colegas me procuraram em momentos distintos para falar sobre episódios envolvendo professores da instituição. Enquanto membro do Centro Acadêmico do curso me coloquei à disposição para levar o caso ao colegiado de Filosofia. No entanto, elas pediram que apenas fizéssemos  uma ação de conscientização.

Isso mostra que o assédio sexual às mulheres está em todos os lugares. E a sua superação passa necessariamente por uma mudança de paradigma em relação à cultura machista dominante. No entanto, vislumbrar tal mudança nos marcos da sociedade atual nos parece algo distante.

É inegável que houve avanços nas últimas décadas em relação ao reconhecimento dos direitos das mulheres. No entanto, não basta reconhecer, é preciso garantir.  Com isso apontamos um aspecto importante que é preciso ressaltar - a diferença entre reconhecer e garantir. Por exemplo, em relação ao assédio sexual,  que é considerado um crime previsto no código penal brasileiro, no seu artigo 216-A.

Esse código define o assédio sexual como o crime de: “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”.

A lei não tipifica gênero, mas é evidente quem são a maioria das vítimas. Em relação a pena prevista é de um a dois anos. Porém para que isso ocorra é preciso denúncia. Mas como mostramos no início, a maioria das vítimas não se sentem seguras em levar o caso adiante. É compreensível, sobretudo porque estamos numa sociedade que ao invés de acolher as vítimas, julga-as.

São raros os casos que chegam ao conhecimento do grande público. Geralmente, aqueles que envolvem alguma autoridade ou celebridade. Esses casos são importantes porque jogam luz ao problema. A questão, porém, é que ao serem abordados de maneira espetaculosa pelos meios de comunicação de massa não apontam para sua superação.

Isso evidencia o distanciamento entre reconhecer e garantir. Não basta ter uma legislação reconhecendo um determinado direito, se isso não reverberar no cotidiano. Ou seja, na vida das pessoas, garantindo-lhes uma vida digna.

Esse é um ponto que vale para os direitos humanos em geral. Há toda uma legislação, a começar pela constituição federal (1988) - que estabelece o respeito à dignidade humana como um dos princípios da nação, que reconhece esses direitos como sendo responsabilidade do Estado e da sociedade em geral a sua efetivação. Mas que na prática isso não acontece. Aliás, não raramente o próprio Estado, que deveria ser o seu garantidor, é o seu violador.

Desse modo ressaltamos que a existência de uma legislação que reconhece direitos a determinados grupos marginalizados não significa a sua efetividade. Sobretudo nos marcos de uma sociedade onde a violência é um dos seus pilares de sustentação. Não queremos dizer com isso que a legislação não é importante, que esse reconhecimento não seja um avanço. Mas não podemos parar por aí.

Voltando a questão do assédio sexual, para finalizar, nos atentemos para o que diz Silvia Federici sobre a superação da violência constante na vida das mulheres:  “É necessário entender de onde vem a violência, quais são suas raízes e quais são os processos sociais, políticos e econômicos que a sustentam para entender que mudança social é necessária.”

Essa mudança deve começar por nós mesmos. Pois de nada adianta a gente concordar com o discurso contra a cultura machista dominante, se nas relações que estabeleço no meu cotidiano reproduzo essa cultura.

Pedro Ferreira Nunes - É Professor de Filosofia na Rede Pública de Ensino do Tocantins. Possui Graduação em Filosofia (UFT). com Especialização em Filosofia e Direitos Humanos (Unifaveni). E Mestrado em Filosofia (UFT).

domingo, 15 de setembro de 2024

Poema: Pedreira



Para o Professor Flávio 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Depois do fim de um relacionamento, 
de uma crise existencial. 
Respirar um ar diferente 
era fundamental. 

Daí não pensei duas vezes
quando um amigo me convidou.
Parti para Comunidade Pedreira 
um lugar acolhedor. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Lembro quando a tarde
saíamos para caminhar.
Encontrávamos uma morena
varrendo o terreiro do bar.

A noite seguiamos 
para a escola JK.
Depois dávamos uma esticada
até o orelhão do lugar. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Educação era nossa obsessão 
ficávamos a debater.
Por que não se avança?
o que era preciso fazer?

E assim os dias passavam
eu até me esquecia.
Da morena tatuada 
que roubara minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Agora depois de tanto tempo 
quando passo nesse lugar.
Me recordo daqueles dias,
que ia me refugiar. 

Pedreira, querida Pedreira 
quase 20 anos se passou.
Você já não é a mesma 
o mesmo eu não sou.

Alguma coisa ficou
lembranças daqueles dias.
Que você me acolheu
e devolveste minha alegria. 

Pedreira, ei de ti cantar
recordando os velhos tempos.
Refúgio de dias nublados 
inesquecíveis momentos. 

Pedro Ferreira Nunes. Comunidade Pedreira. Lajeado -TO. 23 de Outubro de 2022.


terça-feira, 10 de setembro de 2024

Breve análise das eleições em Lajeado

Quem há um ano diria que Dr° Tércio (Republicanos) teria o apoio do atual prefeito - Junior Bandeira (PL) na sua candidatura à prefeito de Lajeado no pleito de 2024? E o Nego Dilson (PSDB) estaria na coligação encabeçada pela Márcia (PSDB) e a Leidiane (PDT)? Ou que Dr° Tércio, lançado na política pelas mãos da Márcia. Teria esta como sua principal adversária nesse pleito?

A priori, para quem não compreende a política, pode achar uma falta de caráter, ou como se diz popularmente: “uma cachorrada”. Mas isso nada mais é do que o reflexo da dinâmica da sociedade que vivemos - uma sociedade que não é estática. E se a sociedade não é estática, a política muito menos. Tanto que isso não é uma realidade só de Lajeado. Se formos para Miracema encontraremos uma disputa entre duas figuras que estiveram juntas na chapa majoritária na eleição passada (Camila x Aprijo). Em Palmas o candidato Júnior Geo que enfrentou Cintia Ribeiro no último pleito, conta atualmente com o seu apoio. A nível nacional temos Lula e Alckmin, outrora adversários, agora ocupando o cargo de Presidente e Vice respectivamente.

Os exemplos são muitos, mas fiquemos apenas nesses. O que nos interessa a partir desses exemplos é mostrar o que na filosofia política determinamos de realismo político. E quando falamos em realismo político a grande referência é certamente Maquiavel.

De acordo com Guimarães ( 2015, pág. 15): “O  realismo  de  Maquiavel  considera  que  na  política  não  há  uma resposta  pronta,  definitiva  e  adequada  que  possa  dar  conta  de  todas  as situações em diferentes momentos. Como não há universais, cada momento é  um  momento  particular,  cada  momento  exige  resposta  adequada  a  partir das experiências modernas e o acúmulo das lições do passado, por isto é um conhecimento  empírico.  Neste  pensamento  destaca-se a  atenção  sobre  o conhecimento do homem e suas relações. É decisivo para o realismo, tentar captar  o  que  é  o  homem,  ou  no  dizer  de  Maquiavel,  “a  natureza  humana”, quais são seus desejos, seus anseios, suas mágoas, suas expectativas sobre si e os outros, seus limites e horizontes, sua vontade de poder.”

O trecho acima é bastante esclarecedor, e evidencia sobremaneira o que falamos anteriormente. Cada eleição é uma eleição diferente. E os grupos que visam chegar ao poder se organizam de acordo com as condições do momento. Desfazendo alianças e construindo outras que lhes deem maiores, e melhores, condições para vencer.

Voltando a eleição em Lajeado, é inegável o favoritismo do Dr° Tércio no pleito corrente. A campanha do candidato dos republicanos têm demonstrado mais força. Planejada há muito tempo, conseguiu mobilizar uma base de apoio que passa pelo Governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), o Senador Eduardo Gomes (PL) e vários parlamentares. Localmente possui o apoio da maioria dos vereadores com mandato e além do atual prefeito.

Essa força reflete na chapa de vereadores que certamente conseguirá a maioria dos votos. Elegendo entre 6 e 7 dos candidatos. Os candidatos que estão com Márcia terão que brigar pelas vagas restantes.

Aliás isso mostra que a eleição para ocupação das nove cadeiras no legislativo municipal lajeadense será disputadíssima. Há pelo menos 17 candidatos com condições de ser eleito entre os 44 na disputa.

Em relação à candidatura da Márcia não se pode subestimá-la. Ela é sem dúvida uma líder popular que tem uma grande estima por parte da população lajeadense. E mesmo que não tenha a seu favor uma grande estrutura pode surpreender. Até porque como manda a cartilha do realismo político, não podemos ver as coisas como dadas, prontas e acabadas.

Temos ainda a candidatura do Toninho da Brilho (PSB). Que é apenas para cumprir tabela. Não há nenhuma condição de se colocar como uma alternativa aos dois principais candidatos. Ainda que acontecesse algo que tirasse da disputa Tércio ou Márcia. Toninho continuaria sem nenhuma chance de ser eleito. Qual o sentido da sua candidatura então? O fundo eleitoral? Fazer um trabalho de base para as eleições futuras? Não sabemos.

Enfim, esse é o quadro das eleições em Lajeado. Referentes aos nomes e as forças políticas. Quanto a projetos não temos notado muitas propostas. De modo que a disputa parece estar mais relacionada a qual perfil de gestão o eleitor preferirá. Mas sabemos, sobretudo no interior, que não é só isso que define o voto.

Pedro Ferreira Nunes - É Especialista em Filosofia e Direitos Humanos. Atua como professor na Rede Pública de Ensino do Tocantins.