domingo, 15 de junho de 2025

Sobre a morte do rock and roll

Não é de hoje que se ouve essa história acerca da morte do rock and roll. Mas agora com a popularidade em queda bem como o surgimento de novos artistas esse discurso tornou-se mais forte. Porém, quem aprecia essa expressão artística, que reflete num modo de vida, sabe que isso não corresponde à realidade. Certamente o rock and roll não tem a mesma relevância comercial e popularidade que gêneros como o Pop, Sertanejo, Forró e Funk. Isso não significa, no entanto, que não haja público. Como também é uma falácia que não existam novos artistas. E ainda que não existissem novos artistas o legado construído em menos de um século torna o rock and roll eterno.

Gostaria de continuar nesse ponto tanto em relação a queda de público como da falta de novos artistas. Que são usados como argumento para justificar o discurso que decreta a morte do rock. Em relação ao primeiro, é importante compreender a mudança da sociedade. E o crescimento de outros gêneros musicais, sobretudo aqueles que são mais manipuláveis comercialmente, e mais eficazes como produto de uma cultura de massa. Nesse contexto, eu diria que é até natural que haja essa diminuição de público de artistas do rock and roll - um gênero que tem na sua essência a rebeldia e o inconformismo com a ordem dominante.

Por outro lado, precisamos compreender que o crescimento de outros gêneros musicais não é de todo ruim. Ruim é a monopolização seja de qualquer gênero. Até porque o que nos caracteriza em termos cultural é a multiculturalidade.

No contexto brasileiro isso tem sido bastante evidenciado no carnaval. Já escrevi sobre isso. Mas cabe retomar brevemente aqui. 

Por muitos anos, quando se falava em carnaval logo se remetia ao samba ou axé. Isso mudou. E creio que essa mudança teve início em Pernambuco, mais precisamente em Recife com o carnaval multicultural com a presença de artistas da cultura tradicional como o maracatu e o frevo. Passando por outros gêneros. Inclusive rock and roll. Tivemos com isso, digamos assim, uma mudança de paradigma expressada no carnaval de rua em todas as regiões do país. E lá estão presentes blocos que cultuam o rock and roll entre eles: Bloco Sargento Pimenta (que homenageia a banda The Beatles), Bloco Toca Rauuul! (que homenageia o Raul Seixas) e Bloco 77 (que homenageia bandas do movimento punk).

Em relação ao segundo, o surgimento de novos artistas, há sim. Inclusive com uma produção de muita qualidade. A questão é que os críticos esperam um novo The Beatles, Rolling Stone, Black Sabbath, Jimi Hendrix,  Raul Seixas, Rita Lee, Cássia Eller. O que é impossível. Quando surge um novo artista logo vem a comparação e a partir daí o veredicto de que não é boa. Mas o fato é que há novos artistas do rock and roll, tanto a nível internacional como nacional, fazendo música de muita qualidade. Sem falar nos nomes consagrados que continuam produzindo coisas relevantes.

Ousarei agora citar alguns nomes desses artistas. Essa citação, no entanto, não é valorativa, mas de gosto. Ou seja, do que ouvi e gostei. E passou a fazer parte da minha playlist.



A primeira banda é a Idles (britânica-irlandesa), formada em Bristol em 2009. Composta por Joe Talbot, Mark Bowen, Lee Kiernan, Adam Devonshire e Jon Beavis. Tem um som visceral com uma energia punk. Letras críticas e uma postura irreverente.

A segunda é uma banda estadunidense - The interrupters - que toca um ska punk muito envolvente. Que surgiu na Califórnia, 2011, formada por Aimee Allen no vocal,  e os três irmãos: Jesse Bivona na bateria, Justin Bivona no baixo e Kevin Bivona na guitarra. O som é bem contagiante e as letras abordam tanto questões sociais como o cotidiano. O vocal rouco da Aimee é um diferencial.



A terceira é a The chats - uma banda de punk rock australiana formada em 2016 (Sunshine Coast) e é composta por um trio: Josh Hardy - na guitarra, Matt Boggis - na bateria e Eamon Sandwith no contrabaixo e vocal. Temos aqui uma sonoridade clássica do punk rock e as letras abordam o cotidiano dos jovens com suas venturas e desventuras.

A quarta é brasileira, Manger Cadavre, uma banda de hardcore metal formada em 2011 em São José dos Campos (2011), tem como integrantes a vocalista Nata e Marcelo Kruszynski: baterista, Bruno Henrique: baixista e Paulo Alexandre: guitarrista. As letras têm uma forte crítica social gritadas pela Nata num gutural raivoso.

A quinta vem da Paraíba e foge um pouco da pegada dos nomes anteriores. Trata-se da Seu Pereira e Coletivo 401. Formada em 2009, o destaque fica por conta do naipe de metais (lembrando Los Hermanos) e letras poéticas, que tem como responsável Jonathas Pereira Falcão, que também é o vocalista.

A sexta, puxando um pouco a sardinha para minha terra, o Tocantins, destacaria a banda Big Marias (Palmas). Numa pegada punk esse trio composto pelas irmãs: Samia Cayres (Guitarra e Vocal) e Didia Cayres (Bateria). Além do Felipe Marinho (Contrabaixo). Fazem um som de extrema qualidade.



A sétima, também é uma banda estadunidense, trata-se da Scowl (Califórnia). Com um punk hardcore vibrante tanto pela performance da sua vocalista: Kate Moss. E sua trupe composta por Malachi Greene e Mikey Bifolco (Guitarra), Bailey Lupo (Contrabaixo) e Cole Gilbert (Bateria).

A oitava é brasileira, mais precisamente de Santos (São Paulo). Com seu punk hardcore metendo o dedo nas mazelas do nosso país, trata-se da Surra. Na sua formação temos: Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria). Para quem aprecia um som rápido e veloz seguindo a tradição do Motorhead, eis um bom exemplo.



Continuando no Brasil, a nona é uma banda da qual inclusive já escrevi uma resenha sobre um dos seus álbuns (As Crônicas de Sucupira Gotham City). Estou falando da Magoo e o bando urtiga (Palmas). Com um som que remete ao Manguebeat e letras que vai de críticas sociais ao cotidiano de quem vive na capital do Tocantins a trupe formada por Fernando Magoo (vocal), Rodrigo Rodrigues (contrabaixo), Anderson Fernandes (bateria) e Artur Raineri (guitarra) mostra que no Tocantins se faz música (rock) de qualidade.

Enfim, não há mais nada o que dizer. Ou melhor, sempre há muito a se dizer. Mas em relação a essa questão, me dou por satisfeito. Como falamos no início, essa não é uma discussão nova e não será esse texto que colocará fim nela. Mas não poderia deixar de me posicionar, por mais irrelevante que seja essa opinião.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Sementes do cerrado ou ideias para adiar o fim do mundo

Manhã de quinta-feira, 05 de junho de 2025 - dia mundial do meio ambiente. Chegamos à escola e já começamos os preparativos. Pegamos as mudas de árvores do cerrado colocamos em cima da caminhonete, dividimos o grupo nos carros e seguimos em direção ao Setor Bertaville. Chegamos por volta das 09h e o sol já estava naquele ponto que só quem mora por essas bandas conhece bem. Ainda bem que os ventos gerais desse período tornam a temperatura mais suportável. Fomos recepcionados pelos diretores da associação de moradores do bairro e pelo professor Francisco Nascimento - proponente da ação. Começamos então a abrir os buracos e logo percebemos que não seria tarefa fácil sob o sol escaldante e a terra seca. Enquanto um grupo seguia na árdua tarefa de abrir os buracos. Outro partiu para distribuir panfletos e conscientizar os moradores a adotar e cuidar de uma muda.

Assim foi a culminância do projeto integrador do 1º semestre de 2025 - sementes do cerrado: em defesa do desenvolvimento sustentável, da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cemil Santa Rita de Cássia. Depois de duas horas de trabalho duro deixamos nossos rastros naquele território. Daqui alguns anos no mês de agosto quando os ipês colorirem a paisagem com suas flores exuberantes alguém dirá que foram os estudantes de uma escola que plantaram. Ou quando os cajueiros estiverem produzindo e um cliente do bar do Oliveira pegar um caju para tirar gosto. Alguém irá lembrá-lo que aquilo foi fruto de uma ação da escola. Da mesma forma, a senhora que nos forneceu água para regar as mudas tiver colhendo alguns frutos para fazer um suco. Algum passante ao buscar refúgio nas sombras das árvores não saberá. Mas elas estarão lá. Um dos estudantes,  que participaram da ação, um dia passando pelo local poderá contar para os seus filhos e dizer: - eu ajudei a plantar.

Ailton Krenak no seu livro Ideias para adiar o fim do mundo fala da importância da memória como resistência. Enquanto pudermos contar mais uma história estaremos adiando o fim do mundo, diz o nosso filósofo indígena - que também alerta para a forma com que nos relacionamos com a natureza. Fundamentado no conhecimento dos anciãos, ele nos dirá que se não soubermos caminhar sobre a terra o céu cairá sobre nossa cabeça. Uma analogia para dizer que o que fazemos com o meio ambiente retorna para nós. Pois afinal de contas fazemos parte desse ambiente. E quando o destruímos, estamos nos destruindo.

O pensamento do Ailton Krenak foi a nossa principal referência teórica do projeto integrador Sementes do Cerrado… O nosso ponto de partida foi inclusive apresentar e refletir sobre a sua crítica a concepção mecanicista da natureza a partir do seu livro ideias para adiar o fim do mundo. Durante as atividades os estudantes puderam conhecer um pouco da sua biografia, ler trechos da obra e discuti-la relacionando com a questão ética.

Outra ação de destaque do projeto integrador foi uma aula-campo na Agrotins. Essa feira de negócios que é a principal vitrine do agronegócio tocantinense é certamente um espaço importante para conhecermos e refletirmos sobre o modelo de desenvolvimento no campo tocantinense. O espaço mostra apenas o lado positivo, cabe a nós na sala de aula mostrar o outro lado. As consequências do avanço da monocultura sob os territórios das comunidades tradicionais, a contaminação do solo, da água e dos alimentos pelo uso abusivo do agrotóxico, o trabalho análogo a escravidão entre outros.

A plantação de mudas de árvores nativas do cerrado no dia mundial do meio ambiente seria a culminância do nosso projeto integrador. Há muito tempo o professor Francisco Nascimento (do componente curricular de Geografia) e morador do setor Bertaville havia nos provocado acerca da possibilidade dessa ação. E esse ano, com o apoio de toda a comunidade escolar, conseguimos concretizar. Ainda não com o alcance que gostaríamos. Mas foi um passo importante. Nessa linha, uma articulação antes com a associação de moradores do setor foi um grande acerto. Outro acerto foi a ação de conscientização dos moradores acerca da adesão ao projeto por meio da adoção e cuidado com as mudas.

Era por volta das 11h quando retornamos para a escola. Apesar do cansaço, o sorriso no rosto de contentamento de todos mostrava que havia valido apena. Assim como a disponibilidade para as próximas ações: - professor, na próxima não esquece de mim.

Como todo camponês que não tem a certeza de que a sua semente dará frutos. Nós também não sabemos qual o destino das nossas sementes. Mas de uma coisa temos certeza. Se não houver quem semeia, não haverá colheita. E aqui não estou falando das mudas propriamente. Mas da árdua missão da docência. Quantos estudantes conseguimos sensibilizar com esse projeto? Quantos conseguem mostrar novas possibilidades de nos relacionarmos e viver em comunidade - em harmonia com o meio ambiente? O tempo dirá.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Breve comentário sobre o ensino de Filosofia a partir da leitura do livro Filosofia: o pensar conceitualmente como rizoma, do Willian Costa de Medeiros

Há na Filosofia sempre uma tentativa de ruptura com um pensamento anterior. E a partir daí a pretensão de tornar uma perspectiva filosófica, na Filosofia. Talvez esse seja o problema do livro do professor, mestre em Filosofia - Willian Costa de Medeiros. Eu diria que esse problema é reflexo da perspectiva do ensino de Filosofia que ele assume -  que se fundamenta na concepção filosófica de Deleuze e Guattari - pensadores franceses que tem no Brasil um dos seus divulgadores, o professor e filósofo Silvio Gallo. Seria mais honesto deixar claro que trata-se de uma possibilidade do ensino de filosofia em sala  de aula. Apenas mais uma possibilidade como tantas outras.

Gostei bastante da primeira parte da obra, quando o professor faz um relato de experiência acerca do seu fazer profissional. De quando ele iniciou na docência e dos desafios encontrados. Da sua busca por responder aos problemas que encontrava nas aulas de filosofia. Ao invés de apenas se acomodar e justificar sua inércia a partir do discurso de que os estudantes não estão nem aí para educação e menos ainda para o ensino de Filosofia. De modo que não adianta “jogar pérolas aos porcos”. Muito pelo contrário. Como um bom filósofo, o professor Willian não abriu mão do questionamento e de ir em busca de respostas. Desse processo surgiram experiências de fato interessantes como o jornal ou revista. Ou ainda os relatórios de aula feitos pelos estudantes. Ou ainda os mapas conceituais. Gostei também dos relatos dos fracassos. Pois no nosso fazer profissional o fracasso sempre está no horizonte. Isso não significa, no entanto, que estamos no caminho errado. Pelo contrário. E o professor deixou isso muito claro. O fato de não ter dado certo num determinado contexto ou numa determinada turma não quer dizer que não possa ser experimentado em outros cenários. São possibilidades. Quanto mais possibilidades tivermos, mais preparados estaremos de responder a diferentes desafios.

O problema da obra começa na segunda parte. Quando nosso autor busca fundamentar teoricamente o seu trabalho. Recorrendo entre outros a Silvio Gallo e a partir daí em Deleuze e Guattari - que por sua vez se fundamentam no anarquismo. A questão é que quando analisamos criticamente o que propõem esses pensadores não temos na nossa frente uma teoria libertária, mas pequena burguesa. A partir daí ao final e  a cabo temos um ensino de filosofia que, ao contrário de uma perspectiva anarquista que proporia a superação  da ordem dominante, acomoda-se a ela. Inclusive o autor faz questão de mostrar a sintonia entre a sua proposta e a base nacional comum curricular (BNCC). Ora, como assim? Uma proposta de inspiração anarquista alinhada ao Estado Burguês? Que tem como finalidade manter o status quo e não a sua superação. Que não questiona o conceito de cidadania liberal, mas  se acomoda a ele. Que reduz o ensino de filosofia a criação de conceitos.

Quando analisamos a filosofia no documento curricular do Tocantins (DCT) percebemos uma forte influência dessa perspectiva filosófica. O que na minha visão é limitante. Óbvio que a gente sabe que o professor na sala de aula tem autonomia para não se limitar a uma perspectiva do ensino de filosofia. Até porque algo que qualquer estudante de Filosofia na faculdade aprende é que não existe filosofia, mas sim filosofias. E a partir daí cada um assume a perspectiva que avalia como a melhor. Muitos descobriram na prática da sala de aula que a melhor será aquela que conseguir desenvolver a partir da realidade em que está inserido. Afinal de contas não é a teoria que valida a prática mais o contrário.

Analisando a dissertação do professor William é isso que percebemos. A teoria deleuziana e congêneres é utilizada para validar sua prática. Óbvio que esse processo é dialético. A prática lhe levou a uma determinada teoria e essa teoria certamente afetará sua prática, abrindo novas possibilidades. Ainda que ele pareça não compreender esse movimento, é o que se evidencia. O que também fica evidente é que alguns pensadores tentam vender algo de novo que no fundo não tem nada de novo.

De todo modo vale a pena a leitura. A obra é fruto do programa de Mestrado profissional em Filosofia (PROF-FILO). Que tem sido um motor propulsor do ensino de Filosofia na educação básica. Tanto as aulas como as pesquisas realizadas têm abrindo novas possibilidades para este ensino. E o fortalecimento da nossa área.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.