Se você é um estudante universitário muito provavelmente já se perguntou ou ouviu a questão: para que serve a Filosofia? E se você é professor, sobretudo no ensino médio, não escapou dela. Não tem como negar, quem estuda ou ensina Filosofia sabe que há na nossa sociedade uma visão negativa acerca dessa matéria. De onde vem essa visão negativa? Como fazer para desconstrui-la? São questões que Mário Ariel González Porta nos ajuda a refletir a partir da sua tese sobre os momentos essenciais do modo filosófico de pensar.
Para González Porta a visão negativa acerca da Filosofia surgi de falsas impressões que se tem dela. Entre essas falsas impressões está a de que a Filosofia é um espaço onde reina o capricho, onde cada um pode dizer o que bem entender. Contra essa visão, González Porta, afirma que a Filosofia não é um caos do ponto de vista incomensurável. Também não consiste simplesmente em possuir certezas. Trata-se de ter opiniões sobre certos pontos bem definidos e sustentá-las em algo diferente de uma convicção pessoal. Desse modo ele defende que o núcleo central da Filosofia não é constituído de crenças tematicamente definidas e racionalmente fundadas, mas de problemas e soluções.
Compreender o problema de um determinado filósofo é a chave para compreender a sua filosofia. Se você não consegui perceber qual o problema que um determinado autor se propõem a refletir, não conseguirá compreender o pensamento desse autor. Para ficar mais claro vejamos o que o nosso filósofo diz a respeito disso:
“A Filosofia possui problemas, sendo a unidade dinâmica interna desses problemas o que está na base da multiplicidade e da mudança de temas e opiniões. A lista dos problemas filosóficos está sempre incompleta e submetida a constante revisão. Não existe, por assim dizer, um catalogo deles fixado por uma instância externa a própria filosofia, e do qual ela poderia se servir” (González Porta, 2003).
Por exemplo, a visão que os gregos tinham sobre determinado problema não vai ser o mesmo no período medieval e no moderno, a sociedade muda, nós também mudamos, os problemas vão se transformando, alguns desaparecem outros nascem. Diante desse contesto dinâmico não se pode esperar que aja uma visão fechada, pronta e acabada sobre os problemas. Não se pode esperar que um filósofo num determinado contexto pense igual a outro em outro contexto.
González Porta (2003) ressalta que o caminho para entendermos um autor é ver a sua filosofia como resposta ao problema que ele se coloca. Isso vale para qualquer filósofo sem exceção. Nosso autor ressalta que em cada obra o filósofo pode abordar um problema diferente, nesse sentido não basta apenas questionar qual o problema em tal obra, mas qual o problema do filósofo. Pois é assim que se compreende o filósofo e não simplesmente reunindo vários saberes sobre ele.
A partir daí González Porta (2003) vai falar sobre o problema. Para nosso autor “o problema de uma teoria filosófica é algo diferente tanto do seu tema como de toda “questão”. O tema é aquilo do que ou sobre o que o autor fala. Contudo o autor fala sobre algo, e diz alguma coisa a respeito, a saber, sua tese. Distingamos, então, aquilo do que fala daquilo que diz a respeito; por exemplo, posso falar do conhecimento e da verdade.”
Dito isso chamamos atenção para questão da tese. Sobretudo por que de acordo com nosso autor a tarefa da filosofia não é responder perguntas, mas sim dissolvê-las, evidenciando que elas, em ultima instância, carecem de sentido. Nessa linha, González Porta (2003) nos diz que na Filosofia, a tese é a solução de um problema que pode, eventualmente, se apresentar, de início, como uma hipótese que se confirma pela ulterior argumentação. De qualquer forma não se compreenderá a tese filosófica se não se compreender o problema do autor. Seria como, de acordo com nosso autor, querer entender uma resposta sem uma pergunta. Desse modo o primeiro passo é compreender o problema do autor, segundo compreender a tese para esse problema. Sendo que essa tese é construída a partir de uma argumentação e de uma fundamentação.
Nessa linha, para González Porta (2003), o argumento desempenha um papel essencial. Pois são os argumentos que legitima a opção por uma determinada tese. O que não quer dizer que o discurso filosófico é argumentativo. Para ele se assim fosse, à filosofia seria a 'solução de problemas'.
“ A fundamentação (e argumentação) da tese nem sempre tem um caráter linear e facilmente reconstruível; as vezes ela assumi formas muito refinadas. Em algumas ocasiões, entre os argumentos, encontra-se a derivação de consequências. Toda tese contém consequências e elas também tem que ser verdadeiras. Teses são rechaçadas muitas vezes não por si mesmas, mas por suas consequências” (González Porta, 2003).
Dito isso, fica evidente um dos traços da Filosofia que leva a uma visão negativa da mesma, o fato de que a Filosofia não dá certezas absolutas, não dá receitas prontas e acabadas (se assim for não é Filosofia). Os filósofos apresentam teses, teses que são criadas como respostas a determinados problemas. Essas teses geram consequências. E rechaçar ou não essas teses pelo fato delas gerarem determinadas consequências é nosso papel. Para exercer esse papel precisamos pensar. E ai que complica, pois muitos preferem não pensar – e buscam justificar tal atitude com a desculpa de que não gostam de Filosofia, que não sabem para que serve – que os filósofos tem uma linguagem muito difícil. E tal discurso vem geralmente de quem nunca leu de fato uma obra filosófica.
Mas se esse não é o seu caso. Se apesar das dificuldades você quer ler e entender as obras filosóficas de diferentes autores. González Porta (2003) nos orienta o seguinte: Quando fores ler um texto filosófico busque responder três questões: 1- qual é o problema do autor do texto? 2- qual a solução ou resposta (a tese) que ele dá ao problema? e por fim, 3- quais os argumentos e fundamentos que ele utiliza para justificar a tese. Eis ai o caminho não só para ler, como também compreender Filosofia.
Pedro Ferreira Nunes – é Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
***
Referência:
PORTA, Mário Ariel González. A Filosofia a partir de seus problemas. Edições Loyola, 2003.