Á Loyane Marques.
Ruas desertas, transporte público parado, comércio vazio, escolas fechadas – todo mundo entrincheirado em suas casas para combater o inimigo invisível. É, parafraseando uma canção do velho Ozzy – estamos “num trem maluco saindo dos trilhos”. Mas sair dos trilhos as vezes é bom, sobretudo quando esse trilho está nos levando para o precipício. Por outro lado essa saída dos trilhos pode ser apenas uma ilusão – acreditamos estar escapando do precipício quando na verdade rumamos mais aceleradamente para ele.
Para onde estamos indo com a crise imposta pela pandemia de COVID-19? Quem escapar da morte tem a fome e a miséria a sua espreita. Fala-se muito em solidariedade e cooperação para que o trem maluco que estamos não saía dos trilhos. Mas esses valores há muito tempo foram esquecidos dando lugar a competição de todos contra todos. E agora esperam que do dia para noite todos se tornem solidários e cooperativos? Santa hipocrisia, santa hipocrisia. O que não poderia ser diferente, não é verdade?! Afinal de contas a hipocrisia é um dos elementos que compõe a moral burguesa – essa classe de abutres que se alimenta da desgraça para continuar dominando – dominando até quando? Será que a crise atual nos dá possibilidade para destrona-lá juntamente com seu modo de produção nefasto? Ou continuaremos sob seu domínio com uma espoliação ainda maior?
O filósofo Sulcoreano (radicado na Alemanha) Byung Chul Han e o Esloveno Slavoj Zizek nos ajudam a refletir sobre essas questões, apontando diferentes perspectivas. Enquanto Zizek, com um tom otimista, enxerga uma possibilidade de ruptura, que nos levará a um outro modelo de sociedade. Byung Chul Han, num tom mais pessimista (alguns diriam, realista), dirá que após a pandemia o que teremos é um capitalismo mais pujante. Ambos concordam num fato – é preciso mudar, pois não podemos continuar submetidos a ordem hegemônica do capital. Como essa mudança ocorrerá, quem serão os autores dela e o modelo de sociedade que emergirá daí, não há acordo. No final o que temos é um belo debate entre dois pesos-pesados da filosofia na atualidade.
Para Zizek essa crise pode ter o seu lado
positivo a medida que ela nos proporciona “a pensar uma sociedade alternativa, uma sociedade para além dos Estados-nação, uma sociedade que se atualiza nas formas de solidariedade e cooperação global”. Ele defende “que não podemos seguir pelo mesmo caminho que viemos até agora”, de modo que se faz necessário “uma mudança radical”. Zizek alerta, “não estamos lidando apenas com ameaças virais – outras catástrofes já estão surgindo no horizonte ou mesmo acontecendo: secas, ondas de calor, tempestades fora de controle, etc. Para todos esses casos, a resposta não é o pânico, mas o trabalho árduo e urgente para estabelecer algum tipo de coordenação global eficiente”.
O filósofo esloveno lamenta que seja necessário uma catástrofe para que repensemos as características básica da sociedade que vivemos. Que só a partir daí tenha surgido uma solidariedade global em torno de ações do cotidiano para evitar o avanço do vírus (que é algo real e não virtual). Uma solidariedade que é necessário se fortalecer pois é preciso aceitar que “a ameaça veio para ficar. E “Mesmo se a onda passar, ela reaparecerá em novas formas – quiçá bem mais perigosas”.
Zizek chama atenção para reação dos mercados como uma reação para manter o modelo econômico atual que busca um crescimento desenfreado acima de tudo. De acordo com ele isso reafirma a necessidade de mudança para “alguma forma de organização mundial que consiga controlar e regular a economia”. Por fim, Zizek propõe um comunismo reinventado “com base na confiança nas pessoas e nas ciências”.
Byung Chul Han por sua vez não é tão otimista assim. Para ele “após a pandemia, o capitalismo continuará com ainda mais pujança. E os turistas continuarão pisoteando o planeta”. Ao invés de solidariedade e cooperação poderemos ter uma sociedade mais policiada digitalmente tal como já ocorre hoje nos países asiáticos, em especial a China. Aliás, ele ressalta que ao contrário do que pensa Zizek, o vírus não destruirá o capitalismo e nem mesmo o regime político chinês – “a China poderá agora vender o seu Estado policial digital como um modelo de sucesso contra a pandemia”.
O filósofo Sulcoreano questiona a tão propalada cooperação e solidariedade no contexto atual. A esse respeito ele diz: - “a solidariedade que consiste em guardar distâncias mútuas não é uma solidariedade que permite sonhar com uma sociedade diferente, mais pacífica, mais justa”. Por isso ele enfatiza que “nenhum vírus é capaz de fazer a revolução. O vírus nos isola e individualiza. Não gera nenhum sentimento coletivo forte” e “de alguma maneira, cada um se preocupa somente por sua própria sobrevivência”.
Para Byung Chul Han o capitalismo destrutivo precisa ser freado, mas não é o vírus que fará isso, e sim a razão. É a razão que pode colocar limite a um mercado financeiro que não conhece limite tanto é assim que o pânico atual não é por medo do vírus mas “o medo a si mesmo”. Para o filósofo Sulcoreano “o crash poderia ter ocorrido também sem o vírus” e “talvez o vírus seja somente o prelúdio de um crash muito maior”.
Nesse contexto Byung Chul Han é enfático ao defender que não “podemos deixar a revolução nas mãos do vírus. Precisamos acreditar que após o vírus virá uma revolução humana. Somos nós pessoas dotadas de razão, que precisamos repensar e restringir radicalmente o capitalismo destrutivo, e nossa ilimitada e destrutiva mobilidade, para nos salvar, salvar o clima e nosso belo planeta”.
Bom, eis aí de forma breve alguns pontos da argumentação dos dois filósofos acerca das perspetivas para o mundo pós-pandemia de COVID-19. Para uma compreensão ainda maior indico a leitura completa dois textos utilizados como referência para escrever essas linhas. O texto do Slavoj Zizek você encontra no Blog da Boitempo (link:https://blogdaboitempo.com.br/2020/03/12/zizek-bem-vindo-ao-deserto-do-viral-coronavirus-e-a-reinvencso-do-comunismo/) e o Texto do Byung Chul Han no site do El país (link: https://Brasil.legais.com/ideas/2020-03-22/o-coronavirus-de-hoje-e-o-mundo-de-amanha-segundo-o-filosofo-byung-chul-hab.html). Boa leitura e boas reflexões.
Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins.
Nenhum comentário:
Postar um comentário