segunda-feira, 29 de março de 2021

Um olhar sobre a juventude Lajeadense.

 “Eles dizem que você é doente,

e que isso é fase adolescente,

mas não, não vá se entregar.

Dê uma outra chance pra você, 

não se isole por que você, 

Você é alguém...”.

Cólera 

Uma breve nota introdutória 

Esse artigo foi escrito há quase um ano. A ideia era publica-lo ainda em 2020 no Blog Das Barrancas do Rio Tocantins, como uma contribuição ao debate local sobre políticas públicas, sobretudo tendo em vista que estávamos em ano eleitoral. No entanto acabei não fazendo. Faço agora por acreditar que as reflexões que trago, continuam pertinentes.

Políticas Públicas para juventude

“Até quando vou aguentar,/ essa cidade parada,/ que não se movimenta,/ e nem me deixa movimentar?”. Esse verso é do poema “Até quando?” escrito por mim no meu tempo de colegial. Recordei dele quando ouvi de vários jovens lajeadenses frases que remetiam a esse mesmo sentimento. Não pude deixar de pensar comigo: - As coisas não mudaram tanto por aqui. O discurso desses jovens é exatamente o mesmo da minha geração.

É importante destacar que não ouvi isso de uma meia dúzia de jovens mas de algumas dezenas. Desse modo ainda que não tenha o peso de uma pesquisa, creio que temos ai elementos para refletirmos sobre a juventude Lajeadense. Daí o objetivo desse texto – que ele possa ser um estímulo para se buscar ouvir a juventude, pensar, discutir e elaborar políticas para esse segmento da comunidade de Lajeado. 

O episódio relatado aconteceu durante uma dinâmica que desenvolvi nas turmas do Ensino fundamental (6° ao 9° ano) e Ensino médio (1° a 3° Série) do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Eles deveriam responder as seguintes questões: 1- Nome; 2- Onde nasceu; 3- Gosta de...; 4- Lajeado é...; e 5- O que espera da disciplina. O objetivo da dinâmica era apenas estabelecer um contato inicial onde eu pudesse ter uma idéia do perfil daqueles jovens (com os quais iria trabalhar) e a relação deles com a cidade onde moram. Mas ai fui surpreendido com as respostas que ouvi, sobretudo em relação a questão quatro. A surpresa não foi por discordar das respostas mas pela semelhança entre elas e o discurso da minha geração. 

Para no mínimo 90% dos jovens ouvidos Lajeado é uma cidade parada que não oferece oportunidades para que possam se desenvolver tanto no aspecto educacional como cultural. Em suma, uma cidade onde não há política pública para juventude.

É exatamente o mesmo discurso da minha geração, como podem perceber pelo verso do poema “até quando?” de minha autoria, mas que reflete o espírito daquela geração. Para mim isso mostra em grande medida, que apesar das mudanças econômicas e sociais pelas quais a cidade passou (sobretudo após a construção da Usina Hidrelétrica Luís Eduardo Magalhães), para a juventude as coisas permanecem iguais. E uma das consequências disso é a ausência de um sentimento de pertencimento ao lugar. E quando você não se sente parte do lugar, acaba não se importando muito com os problemas locais e suas resoluções.

Por isso para muitos desses jovens o caminho é jogar uma mochila nas costas e partir em busca de um lugar onde tenham oportunidades para se desenvolver. Depois de algum tempo alguns até retornam, mas a grande maioria não. Outros dividem a vida entre  Lajeado e Palmas. E como a capital oferece oportunidades que não existe no Lajeado, a tendência é esses jovens viverem mais em Palmas e ter Lajeado como um lugar de repouso – uma cidade dormitório.

Esse foi o destino de muitos da minha geração, como também de outras. E se não houver uma quebra de paradigma será também o desta.

Há também aqueles que optam (ou não conseguem sair). Para esses as perspectivas são ainda piores. Sem uma qualificação melhor e um mercado de trabalho escasso não há muito alternativa de escolha. Alguns constituem famílias muito jovens – as meninas engravidam ainda na adolescência e são obrigadas a abandonar a escola – os meninos encontram no álcool e outras drogas ilícitas uma fuga da realidade. Aliás, o alcoolismo e a gravidez na adolescência são duas expressões da questão social muito comum na juventude lajeadense – que não serão extintas sem políticas públicas que enfrente esses problemas.

Diante disso, faz-se necessário pensar em políticas públicas para juventude lajeadense, ou continuaremos perdendo talentos  (e sua energia) que poderiam ser utilizados para a melhoria das condições de vida na cidade, para outros municípios, outros Estados ou ainda pior, para as drogas e para o crime. Isso, no entanto, não significa que o enfoque dessas políticas públicas deva partir da ideia da juventude como problema social, mas sim como sujeitos sociais. 

Seguindo essa linha, é importante destacar a diferença entre essas duas perspetivas. De acordo com Groppo (2017) quando a juventude é tida como um problema social, “ela aparece na figura do perigo, risco ou regressão às drogas, à promiscuidade e a violência”. Já quando o jovem é visto como sujeito social, se reconhece “ a importância de se ouvir, entender e considerar as vozes juvenis no mundo público: na escola, no trabalho e na política, inclusive na formulação das políticas públicas para a juventude”. 

Para Andrade (2010) houve uma mudança, á nível nacional, no que consiste a elaboração de políticas públicas para juventude e a problematização dos diretos dos jovens. De acordo com essa autora “na última década, a juventude conquistou uma posição de destaque na agenda nacional. No campo das políticas públicas específicas para este segmento social, considera-se que o país avançou a passos largos”. Ela ressalta como exemplo a criação do Conselho Nacional de Juventude (CNJ), o Pro Jovem e a criação de estruturas administrativas a níveis estaduais e municipais. Ainda de acordo com Andrade (2010) “direitos e oportunidades são palavras-chaves na linguagem que caracteriza a atual Política Nacional de Juventude. São reafirmados os direitos à saúde, à educação de qualidade, às oportunidades de inserção no mundo do trabalho, à moradia, ao lazer e à segurança, ou seja, consolidam-se políticas que visam direitos universais”. 

Diante disso o desafio é fazer com que essa política chegue efetivamente a toda a juventude brasileira – o que não é uma tarefa fácil, ainda mais com o desmonte do estado brasileiro que tem sido levado a cabo pelo governo Bolsonaro. Nos municípios pequenos como Lajeado então, ainda é mais difícil. Sobretudo pela falta de articulação e organização da juventude para se fazer ouvir pelo poder público local. Desse modo as parcas políticas que existem acaba tendo como visão o jovem como problema social. 

Para se contrapor a esse processo é fundamental que a juventude se articule e se organize (seja em movimentos populares, movimento estudantil, sindicatos, associações entre outros) para reivindicar e lutar pelos seus direitos. Em Lajeado já houve alguma iniciativa nesse sentido, mas que se perderam sobretudo pelo fato dos lideres desses movimentos terem se deixado cooptar. Hoje o que restou foram alguns grupos de jovens ligados as igrejas (católicas e protestantes), mas que não representam e nem tem capacidade de dialogar e organizar a juventude de Lajeado em torno de pautas comuns.

A juventude lajeadense não pode ficar de braços cruzados esperando que a iniciativa de criar políticas públicas parta somente do poder público. Afinal de contas ninguém melhor do que ela própria para dizer o que quer ou pelo menos o que não quer. Aliás, eis aí uma diferença entre a minha geração e a geração atual. Se a minha geração não teve uma participação efetiva na política institucional da cidade, discutindo e contribuindo na elaboração de políticas públicas. Pelo menos não se acomodou e protagonizou movimentos culturais importantes que rompia com a mentalidade conservadora local. Num momento que era bem mais difícil ter acesso a produtos culturais (pois não havia internet, radio, ginásio de esportes e Palmas não era tão acessível como é hoje) não nos acomodavamos e construiamos alternativas para que não tivéssemos que “cortar os pulsos” para escapar do tédio. 

Não se trata aqui de dizer que uma geração foi melhor que a outra (o discurso saudosista do tipo: - Ah, na minha geração as coisas eram diferentes) pois como pontuamos no início o discurso de ambas as gerações acerca do Lajeado não é diferente, a diferença é a atitude. Enquanto aquela geração buscava agir (mesmo com todas as limitações), a geração atual se acomoda. E se fazendo alguma coisa já é difícil mudar, imagine não fazendo nada. 

Isso no entanto não exime o poder público no sentido de garantir, estruturalmente, condições para que os jovens possam se desenvolver. Esse foi um dos limites da minha geração – não ter consciência política para cobrar do poder público direitos e oportunidades para se desenvolver. De modo que se essa geração de agora conseguir alcançar essa consciência, dará um salto significativo.

Nesse sentido o primeiro ponto é desconstruir a visão que se tem acerca da política – uma visão que leva a apatia ou a negação. Uma visão construída a partir de uma compreensão reducionista da política entendida unicamente a partir da briga dos partidos políticos pelo poder, do vale tudo eleitoral e dos desvios éticos.

A política não se reduz às organizações partidárias, às eleições ou à corrupção. De acordo com Aristóteles (1961) “o objetivo da vida política é o melhor dos fins” e o melhor dos fins é a felicidade á qual alcançamos através de uma vida virtuosa. Nesse contexto o papel da política é buscar “com que os cidadãos sejam bons e capazes de nobres ações”. Como podemos perceber, é o oposto do que se compreende por política na atualidade – como um meio para alcançar interesses individuais.

Diante disso, defendo o resgate do conceito clássico de política. Tal como concebida por Aristóteles. Creio que é a partir daí que será possível desconstruir a visão reducionista de política. Ora, para ter uma vida política ativa você não precisa necessariamente estar filiado a um partido político e se candidatar a um cargo público. Para ter uma vida política ativa você deve buscar contribuir para que sua cidade seja um lugar melhor para se viver. Mas como? Você deve estar perguntando. Fiscalizando as ações do poder público, denunciando os desvios e os descasos com os recursos públicos, participando das discussões acerca dos problemas locais, propondo projetos entre outros. Óbvio, essas ações terão mais eficácia se forem frutos de um coletivo e não iniciativas individuais. Esse coletivo pode ser um grêmio estudantil, uma associação, uma pastoral social, um sindicato entre outros.

Nesse contexto enfatizamos o papel da educação – educação compreendida no seu sentido abrangente tal como defendida por filósofos como Mészáros. Nessa concepção de educação o processo formativo não se reduz a escola, pelo contrário. Mészáros ressalta que, muito do nosso processo contínuo de aprendizagem se situa fora das instituições educacionais formais. De modo que se quisermos romper com a lógica educacional hegemônica, não podemos desprezar os diferentes saberes produzidos fora do ambiente formal. Ele no entanto, não nega a importância da educação formal, e inclusive acredita que apartir do momento que ela conseguir estabelecer um  intercâmbio progressivo com outros processos educativos, que não os formais, poderá realizar suas aspirações emancipadora – poderá contribuir para que os jovens possam se conscientizar politicamente. E a partir dessa tomada de consciência lutar pelos seus direitos e por mais oportunidade.

É importante destacar que em Lajeado algumas políticas do poder público local (em especial a garantia de transporte público universitário gratuito) contribuiu para que na última década o número de jovens com uma melhor formação profissional aumentasse no município. Não há números disponíveis acerca de quantas pessoas foram beneficiadas com essa iniciativa. Aliás seria interessante a Secretaria Municipal de Educação fazer esse levantamento, para que tivéssemos uma ideia melhor da importância dessa política. Ainda que não seja uma política exclusiva para juventude ela é a mais beneficiada. Não tenho dúvida que muitos jovens não teriam condições de cursar um curso técnico ou superior em Palmas se não fosse a garantia do transporte gratuito. 

Por outro lado essa iniciativa é insuficiente para atender todos os jovens que concluem o ensino médio todos os anos no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. Daí a importância de buscar parceria com instituições de ensino para realização de cursos técnicos e superiores no próprio município. No final de 2019 á prefeitura de Lajeado anunciou parceria com o IFTO (Instituto Federal do Tocantins) para oferta de três cursos técnicos no município na modalidade á distância (EAD), o que sem dúvida é um avanço. Nessa linha é importante que também se pense na oferta de cursos superiores e de pós-graduação. Ainda que na modalidade EAD. 

Conjuntamente com a questão educacional deve se pensar em políticas para aproveitar a mão de obra qualificada que está sendo formada. E isso se dá a partir do investimento em diversas áreas para dinamizar o comércio local e criar novas oportunidades de negócios – como por exemplo no setor de turismo que é sempre lembrado nas campanhas eleitorais – mas só nas campanhas eleitorais. Também tem a pesca, a agricultura, o artesanato entre outros setores que tem potencial para melhorar a economia da cidade e ampliar as oportunidades de trabalho. O que não dá é a prefeitura continuar sendo o maior empregador do município, pois por mais boa vontade que tenha o gestor ou gestora de plantão, é impossível empregar todo mundo que precisa de trabalho na cidade. 

Por outro lado não tem sentido ter mão de obra qualificada na cidade e trazer pessoas de outros municípios para ocupar essas vagas (a não ser que seja por concurso público, onde prevalece o mérito da pessoa e não quem indica e por quê).

Mas como diz os Titãs (a banda) na canção “Comida” – “A gente não quer só comida. A gente quer comida diversão e arte...”. Para juventude então isso é fundamental. E é ausência disso em grande medida responsável pelo discurso de que Lajeado é uma cidade parada. Não há cinema, não há teatro, não há museus, não há exposições artísticas, não há shows musicais, não há livrarias, não há eventos culturais que valorizem a cultura da região (há não ser algo pontual). Em suma, não há eventos artísticos em Lajeado. 

No entanto não quer dizer que as pessoas não se divertem. Até por que não precisam de muito para se divertir – tendo cachaça e som as pessoas se viram. E isso os bares oferecem. Mas se quiser um programa (onde não apenas se divirta mas também aprenda e melhore como ser humano) deve se deslocar para capital. E é o que muitos jovens fazem. 

Diante disso defendemos a necessidade de se pensar em políticas públicas para juventude também no campo cultural – construindo espaços e promovendo eventos para que os jovens tenham acesso a produções artísticas diversificadas. E quiçá futuramente possam se tornar artistas, produzir  e expor seus trabalhos. Talentos a cidade tem, mas esses talentos precisam ser lapidados.

Iniciativas nesse sentido deve ocorrer também no campo dos esportes – que não pode ficar reduzido ao futebol. Lajeado tem diversos talentos em outras áreas como o skate, voleibol, ciclismo, atletismo entre outros que merecem a atenção do poder público.

Enfim, Lajeado precisa avançar muito no que consiste a instituição de políticas públicas para a juventude – políticas públicas que garanta o acesso á educação, saúde,  mercado de trabalho mas também á cultura. Esse é o caminho para que o município consiga evitar que seus jovens tenham que abandonar o lugar por falta de oportunidades. No entanto não acreditamos que isso ocorrerá enquanto a juventude não tomar consciência de que ela é quem deve protagonizar esse processo. E aí quem sabe no futuro quando se perguntar para os jovens o que Lajeado é para eles, teremos uma resposta diferente da atual.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

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REFERÊNCIAS 

ANDRADE, Carla Coelho de. Juventude e políticas públicas no Brasil. IPEA. Ano 7, Edição 60. Brasília, 2010.

GROPPO, Luís Antonio. Juventude e políticas públicas: comentários sobre as concepções sociológicas de juventude. Desindades. Vol 14. Rio de Janeiro. Mar. 2017.

MÉSZÁROS, István. A educação para além do capital. – 2º ed. – São Paulo: Boitempo, 2008.

domingo, 21 de março de 2021

Reflexões sobre o Bolsonarismo a partir do “Esboço para uma teoria das emoções”, de Jean-Paul Sartre

Por que nos emocionamos? Vamos da alegria a tristeza – do medo a coragem. Sentimos cólera entre outros? É o que busca responder no seu “Esboço para uma teoria das emoções” o filósofo francês Jean-Paul Sartre. Seu objetivo é fazê-lo a partir de uma perspectiva fenomenológica. Nosso objetivo aqui é a partir da leitura dessa obra refletir sobre a conduta emotiva do Bolsonaro e seus correligionários. 

Sartre é um dos grandes nomes da Filosofia e da Literatura na contemporaneidade. Deixou importantes obras nesses dois campos. Entre elas destacam-se: O ser e o nada (1943), O existencialismo é um humanismo  (1946), A náusea  (1938), A idade da Razão (1945). Já a obra em questão aqui foi publicada em 1939 e tem uma forte influência da perspectiva filosófica de Heidegger e Husserl, que ele entrou em contato em 1933 ao ganhar uma bolsa de estudo que lhe permitiu estudar no Instituto Francês de Berlim (Alemanha).

Em “Esboço para uma teoria das emoções”, Sartre inicia pontuando as diferenças entre uma abordagem fenomenológica e uma abordagem psicológica. É a partir daí que ele afirma que o fenomenólogo deve buscar o significado da emoção. Esse significado é o todo da consciência humana – que não vem de fora, como é o caso da alegria e da tristeza. Mas que certamente busca algo além. 

Sartre nos dirá que a emoção é uma forma organizada da existência humana. Desse modo ela precisa ser abordada como um fenômeno. Nosso filósofo se opõem fortemente a perspectiva de que a emoção seria desordem ou um caos puro em relação ao nosso ser psíquico com o mundo. 

Ao analisar algumas teorias clássicas sobre a emoção, em especial a de W. James – que vê a emoção como grupos de fenômenos. A saber, os Psicológicos  (Estado de Consciência) e os Fisiológicos  (Consciência das manifestações). E a teoria de Janet que a vê como uma conduta – discordando de que a mesma seria apenas distúrbios fisiológicos, mas também consciência de um fracasso e de uma conduta de fracasso. Sartre reafirma a visão de que a conduta emocional não é de modo algum reflexo de uma desordem. Pelo contrário, é um sistema organizado de meios que visam a um fim.

Nosso filósofo dirá que esse sistema organizado é usado para mascarar, substituir, rechaçar uma ação que não se pode ou não se quer assumir. Um bom exemplo que nos ajuda a entender melhor essa questão é a diferença entre o nosso comportamento na vida real e nas redes sociais (virtuais). Sartre salienta que do ponto de vista psicológico somos nos que nos colocamos em estado de inferioridade e agimos de forma medíocre, buscando soluções grosseiras. Nesse contexto, para o nosso filósofo, a cólera é uma evasão.

 O exemplo da conduta de Bolsonaro e seus correligionários, nos faz compreender bem essa questão. O discurso de ódio é sempre utilizado como uma fuga do problema ou como uma tentativa de desviar o foco da discussão. Analisando a teoria psicanalítica, Sartre nos diz que não é possível compreender a emoção se não buscarmos uma significação – que está na consciência e não fora dela. De modo que para descobrir essa significação a consciência deve ser interrogada de dentro para fora e não o contrário. 

Para Sartre tudo o que se passa na consciência só pode ser compreendida a partir da própria consciência. O que significa dizer que os fatos emotivos só podem ser compreendidos pela própria consciência. Nosso filósofo afirma que a partir da perspectiva psicanalítica, a consciência que se faz ela mesma consciência. E a partir dai organiza a emoção como resposta a uma situação exterior. 

Analisando a conduta do Bolsonaro a partir dessa perspectiva podemos afirmar que a indiferença expressa nas suas ações diante das milhares de vítimas da sua política de combate ao Coronavírus. É na verdade uma conduta organizada para esconder a sua culpa. Muitas vezes pensamos que as suas declarações são irrefletidas. E podem  até ser. Mas é importante se atentar para o que diz Sartre ao apresentar o seu esboço sobre a teoria fenomenológica, ele diz que uma conduta irrefletida não é inconsciente. Ela é consciente dela mesma.

A partir da perspectiva fenomenológica, Sartre define a emoção como transformação do mundo. Pois mesmo quando não há mais perspectivas não deixamos de agir. Ao agir não podemos evitar o perigo, e  não podendo evitar eu nego. É  A partir daí que compreendemos o medo – como uma consciência que visa negar através de uma determinada conduta. 

A partir dessa perspectiva podemos fazer um paralelo com o discurso negacionista do Bolsonarismo. Tal discurso reflete a incapacidade de se buscar uma  mudança de conduta, que levaria a uma mudança de situação. Na verdade o que se quer é mudar a situação sem mudar a conduta, o que dificilmente ocorrerá.

Para o nosso filósofo a emoção é sofrida, tendo em vista que a sua origem é uma degradação espontânea e vivida da consciência diante do mundo. Ele também chama atenção para o fato de que a consciência é vítima  de sua própria armadilha. Por exemplo em relação ao medo, quanto mais se foge mais medo se tem. Para Sartre a emoção é a intuição do absoluto. Perceber um objeto qualquer como horrível é percebe-lo sobre o fundo de um mundo que se revela como sendo horrível. No caso de Bolsonaro o que temos é o ódio e a indiferença como válvula de escape, quanto mais negacionismo mais ódio e indiferença. Para concluir, Sartre nos diz que junto com a consciência emotiva sempre há uma reflexão cúmplice que percebe. Isto é, há sempre uma justificativa para minimizar determinadas condutas. Como se diz popularmente, “passar a mão na cabeça”.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

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Referência: SARTRE. Jean-Paul. Esboço para uma teoria das emoções. Tradução de Paulo Neves. - Porto Alegre. L&PM, 2008.

quarta-feira, 17 de março de 2021

A importância da sistematização na Educação Formal

“Se conseguimos fazer da sistematização uma prática constante, há mais possibilidades de realizarmos um trabalho adequado a realidade...”. 

Na perspectiva da educação popular a sistematização das experiências é um fator importante para que se tenha consciência dos avanços e limites no caminho formativo traçado. E a partir daí, corrigir a rota se necessário, ou aprofundar o caminho. Ora, sistematizar não se resume a fazer relatos de experiências ou preencher planilhas como ocorre na educação formal. Mas também de um momento importante de reflexão sobre a nossa prática enquanto educadores. 

Nesse sentido, afirmamos a importância da sistematização na práxis educativa. Porém na educação formal precisamos compreendê-la para além de uma simples exigência por parte da burocracia estatal. Sendo assim o nosso ponto de partida deve ser entender o que é sistematizar, pois, se não sabemos o que é, certamente não iremos compreender a sua importância. Logo, compreender a importância da sistematização passa por saber o que é sistematizar. E o que é sistematizar? 

De acordo com Antônio Fernando Gouvêa da Silva (2007), a partir do texto “Sistematização”, do Programa Popular, Instituto Cajamar, sistematizar é “realizar um processo coletivo de análise crítica das práticas desenvolvidas, a partir dos registros feitos ao longo da construção de tais práticas”. A partir dessa afirmação podemos destacar alguns pontos. Primeiro, a ênfase no coletivo, afinal de contas a nossa prática educativa se desenvolve no coletivo. O segundo é a análise crítica das práticas desenvolvidas para que consigamos ir até a raiz do problema. E terceiro a importância do registro acerca das nossas práticas. Geralmente na educação formal quando se fala em sistematização o foco é nesse terceiro ponto, já o segundo e o primeiro são negligenciados 

Ainda na linha de entendermos o que é sistematizar, Antônio Fernando Gouvêia da Silva (2007) nos chama atenção para alguns aspectos importantes como o fato de que a sistematização deve ser um processo permanente que vai nos possibilitar aprender e construir conhecimentos coletivos. Para o nosso autor (2007) “a sistematização possibilita chegar a uma maior consistência, tanto teórica, quanto metodológica, e, principalmente, a uma reorganização e ao redimensionamento da prática, enquanto ação transformadora da realidade”.  

Em suma, a sistematização nos possibilita um domínio sobre a nossa prática educativa, sobretudo se se tem como perspectiva uma ação transformadora. Como isso é possível na educação formal com todos os limites que o sistema de ensino impõe? Não tenho uma resposta para essa questão. Mas creio que o processo de sistematização numa perspectiva transformadora (que é essa que estamos defendendo aqui) nos possibilitará encontrar uma resposta. 

Bom, sabemos o que é sistematizar. A pergunta que vem agora na nossa cabeça é: para que sistematizar? Antônio Fernando Gouvêa da Silva (2007) nos diz o seguinte: “para identificar, reconhecer os diferentes momentos do processo, situar as características que definem cada um deles e explicar por que e como eles se relacionam e se articulam”. Em suma, para saber onde estamos e por que estamos em um determinado estágio e não em outro. Isto é, compreender melhor o contexto, ter consciência dos nossos limites, mas também da nossa capacidade de agir. 

Depois de sabermos o que e para que sistematizar. É hora de refletirmos sobre quando e como sistematizar. Para tanto continuemos com Antônio Gouvêia da Silva. Sobre a questão de quando sistematizar já vimos mais acima. Mas é importante reafirmarmos. De acordo com nosso autor (2007) é fundamental que seja “um exercício permanente, concomitante ao próprio desenrolar da prática. É o que chamamos de práxis (numa perspectiva Marxiana). Isto é, compreender a relação entre teoria e prática para que possamos ter uma ação transformadora. 

Já em relação a questão de como sistematizar. O nosso autor dirá que não existe uma fórmula de como fazê-lo. Porém destaca alguns pontos que devem ser levados em consideração, entre eles: 1- Registro das atividades desenvolvidas e a descrição dos fatos e processos significativos; 2- Interpretação e analise dos fatos; e 3- Instrumentalização para retorno à prática. Em suma, é a práxis freiriana fundamentada no tripé: Ação, Reflexão, Ação. 

Acredito que é possível e necessário o desenvolvimento dessa práxis no ensino formal. E o desenvolvimento dessa práxis passa necessariamente por um processo de sistematização numa perspectiva transformadora. E isso não será possível através de medidas de cima para baixo. Mas a partir da consciência dos próprios educadores. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. Atualmente trabalha como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado. 

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REFERÊNCIA: SILVA, Antônio Gouvêia da. A busca do tema gerador na práxis da educação popular. Curitiba: Editora Gráfica Popular, 2007. 

sábado, 13 de março de 2021

Eu também vou comentar: Sobre a anulação das condenações do Lula

No ritmo de torcida de futebol que se transformou a nossa política essa semana foi como se um time tivesse se sagrado campeão de um importante campeonato. Sim, estou falando da decisão do Ministro do Supremo Tribunal Federal que anulou as condenações do Ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, provocando uma tsunami de postagens nas redes sociais, tanto contra como a favor do Lula. 

Confesso que não fui afetado pela euforia dos que comemoraram, nem pelo ódio dos que discordam da decisão. Mas de tristeza por ver que parte significativa da militância progressista coloca nas mãos de um “porvir” a possibilidade de mudança do contexto caótico que estamos vivendo. Ainda mais quando esse “porvir” seria a eleição (dentro do jogo democrático burguês) de uma espécie de “salvador”. É meus camaradas, já vimos essa história algumas vezes e sabemos bem como ela acaba.

Bom, não entro aqui no mérito da decisão do Ministro Edson Fachin. Mas é importante ressaltar que desde que o site The Intercept Brasil tornou público uma série de mensagens trocadas pelo então Juiz Sergio Moro com os Promotores da Operação Lava jato. É impossível negar que não houve fraude processual contra o Ex-presidente - Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado, não creio que se acredite cegamente que Lula é totalmente inocente das acusações que pesam sobre ele. Caberá a justiça (da classe dominante) definir se ele é culpado ou inocente. Até por que no meu caso, não tenho formação jurídica como também não estudei essas acusações a fundo para poder expressar qualquer juízo a respeito.

É importante chamar atenção para esse aspecto, pois para alguns é como se a decisão do Juiz Edson Fachin tivesse declarado que Lula é inocente. E não foi o que aconteceu, o que aconteceu foi a anulação de processos que deveriam ter ocorrido em outro Tribunal Regional, no caso o de Brasília e não de Curitiba. A decisão, portanto, é que se corrija esse erro processual. No entanto nada garante que ao final o resultado não seja o mesmo, isto é, a condenação do ex-presidente. Até por que ao que parece a decisão parece mais favorecer a Sérgio Moro, que poderia escapar das acusações de suspeição, do que o próprio Lula.

Analisando todo esse cenário, para mim duas questões se evidenciam: o desespero e a falta de perspectiva por parte dos setores progressistas brasileiros. Ora, não há outra definição se não de desespero e falta de perspectiva colocar numa “possível” candidatura do Lula em 2022, a esperança de derrotar o Governo Bolsonaro.

Até lá o que fazemos? Continuaremos de braços cruzados ou destilando ressentimentos nas redes sociais enquanto Bolsonaro aprofunda seu projeto de espoliação dos direitos dos trabalhadores e desmonte do Estado? Ficaremos assim a espera de uma nova eleição onde tudo pode mudar ou aprofundar o que aí está? Pobre de nós, pobre de nós. 

Lula, inegavelmente, contínua sendo um grande líder político do campo progressista no Brasil, quiçá da América Latina. Mas é importante não se esquecer das suas contradições, sobretudo enquanto Governo. Foram muitos erros cometidos durante os seus mandatos (e os de Dilma). No entanto esses erros não são assumidos e não se vê uma autocrítica por parte do Partido dos Trabalhadores  (PT). De modo que o campo progressista não pode colocar na mão de Lula e do seu partido as perspectivas de mudanças – mudanças necessárias para destruir a ordem dominante. 

Certamente tanto Lula como o Partido dos Trabalhos tem um papel importante nesse processo, restará saber se utilizaram esse poder para fortalecer um projeto comum da esquerda ou do Partido. Quanto ao campo progressista a tarefa imediata contínua sendo o trabalho de base e a luta pelo impeachment do Bolsonaro. Pois, para finalizar, repito, é inaceitável que coloquemos as nossas perspectivas de mudanças numa eleição futura numa “possível” candidatura do Lula. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

domingo, 7 de março de 2021

Literatura Tocantinense: “Metamorfose” de Virgínia Nery

Minha arma é meu poema

Virgínia Nery 


Há um tempo encontrei num sebo um livro de poesia de uma autora tocantinense. E como um leitor de autores Tocantinenses não pensei duas vezes em adquirir. O livro em questão chama-se “Metamorfose” e a sua autora é Virgínia Nery. Como estamos no mês das mulheres, decidi escrever algumas linhas sobre essa obra, como uma forma de homenagear nossas mulheres que são referências em várias áreas, inclusive na literatura.

“Metamorfose” foi publicado em 2004 pela editora kelps. Conta com uma carta prefácio do ótimo Poeta de Divinópolis – Paulo Aires. E com 88 poemas e mensagens que abordam desde questões sociais, passando pela cultura regional e por questões pessoais. Tudo num estilo livre. Formada em Serviço Social, Virgínia Nery demonstra uma enorme sensibilidade diante das expressões da questão social. E ouso dizer que parte significativa da sua inspiração vem das algúrias enfrentadas na sua profissão. 

“Não posso dormir indolente, por sobre o grito da dor de tantos outros”. Escreve nossa poeta numa espécie de desabafo no poema “Meus braços”. Em “Lamento” ela segue a mesma linha: “Choro por sobre esse povo senhor, de olhar sem brilho, de sonhos desfeitos. Rogo-te por estas mães sofredoras, cujas bocas famintas dos filhos, gritam por um alento que lhes aplaquem a fome”. Em “Tormento” temos o problema da fome novamente: “Sofro no íntimo, a dor mórbida e silenciosa dos gritos dolorosos da fome, e vejo a raça humana se dilacerando e morrendo a míngua pela ausência do indispensável”.

Através dos seus poemas Virgínia Nery se revela, falando da sua origem nordestina e da importância da escrita como um exercício de liberdade. “No mundo das letras, consigo expressar, o tamanho, da minha rebeldia, a dimensão exata, da minha indignação”. Confessa ela no poema “No papel”. Em “Inquietude” destilando rebeldia ela diz: “Não posso aceitar os rótulos, as fórmulas, as fórmulas esdrúxulas, minúsculas, ridículas”. Em “Lunático” ela nos diz: “Há um louco dentro de mim. Que insiste em falar coisas, que os outros não querem ouvir”.

Virgínia Nery reflete sobre o poeta e a solidão no belo poema “Solidão” - “um poeta é quase sempre sozinho/nos versos de sua vida/E ainda que lhe chegue a companhia.../Seus versos/Adormecem incansáveis vezes/nos braços da solidão”. Reflete sobre a vida em “Caminhos” onde diz: “A vida/ é a experiência máxima/que nos ensina a trabalhar/sabiamente nossas falhas/impulsionando-nos para novas direções”. Em “Contagem”  afirma: “Somos prisioneiros do tempo”. Já em “Consciência” nos diz: “Não posso querer dar-me ao luxo de ter frequentes crises existenciais”. E em “Recortes” afirma a sua crença na coletividade: “a paz começa dentro de nós, consolida-se no lar e alcança vitória plena na vida em comunidade”. E é na vida em comunidade, pensando no bem comum que surge a maioria dos poemas contidos em “Metamorfose”.

No poema  “Poética” Virgínia Nery diz: “Minha arma é o meu poema”. Na poesia ela pode se expressar livremente, ao contrário do seu ofício de assistente social onde pouco pode fazer diante de uma burocracia estatal que está mais a serviço da perpetuação da miséria do que da sua superação. “A boca que abro é a voz que não calo/ É o grito que manifesto/no pouco e no resto/de resistência que ainda me cabe”. Sim querida Virgínia, resistir é preciso. Agora  mais do que nunca diante do momento sombrio que vivemos.

Em “As ideias estéticas de Marx” o filósofo Adolfo Sánchez Vásquez diz que “quanto mais se banaliza a existência humana, quanto mais se subtrai sua verdadeira riqueza, tanto mais sente o artista a necessidade de explicitar sua riqueza humana num objeto concreto-sensível”. É justamente isso que percebemos no fazer literário de Virgínia Nery.

Os poemas de “Metamorfose” é um grito de resistência contra a desumanização. Nessa linha voltemos a Adolfo Sánchez Vásquez mais uma vez quando ele diz que “já mais a arte foi mais necessária, por que jamais o homem se viu tão ameaçado pela desumanização”.

Com essa obra Virgínia Nery certamente merece está no hall das referências literárias Tocantinenses. Mas é importante destacar que a sua poesia transcende a barreira do regional e se coloca como uma referência para todos aqueles que se rebelam contra o sistema dominante em qualquer parte do mundo.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP-Lajeado.

domingo, 28 de fevereiro de 2021

Trilha do Segredo e Turismo em Lajeado

O fortalecimento do turismo está sempre nos discursos dos diferentes grupos políticos que buscam chegar ao poder em Lajeado. No entanto quando se elegem a conversa muda e o fortalecimento do turismo deixa de ser prioridade. Talvez algumas iniciativas, como a trilha do Segredo,  podem contribuir para que essa história mude. 

Há alguns anos me desafiei a subir o Morro do Segredo sozinho. E decidi gravar um vídeo daquela aventura e compartilhar posteriormente. Não era a primeira vez que subia o Morro do Segredo. Tinha ido lá em 1997 numa procissão. As outras foram com colegas, pelo prazer da aventura. Já sozinho seria a primeira vez. Assim que iniciei a caminhada uma coisa que me chamou atenção foi a ausência de uma trilha (as antigas estavam fechadas por falta de manutenção). E fiz essa crítica pública no vídeo (https://youtu.be/EAV78Jhm82o).

Como uma cidade que diz ter o fortalecimento do turismo como prioridade não dá se quer o mínimo de condição para que se tenha acesso a um dos principais pontos turístico do município? 

Lembrei desse episódio de 08 anos atrás por que recentemente voltei ao Morro do Segredo e fiquei encantado com o que vi. Agora quem quer se aventurar na subida do Morro conta com uma estrutura de primeiro mundo. Com guias a disposição que orientam quanto aos cuidados que se deve ter, afinal de contas se está entrando num parque estadual, referente ao contanto com a flora e a fauna. Garantindo uma subida segura com o equipamento adequado. Em suma, está perfeito. 

Muita gente de vários lugares tem aproveitado como podemos conferir em postagens na Internet. E muitos a medida que forem conhecendo a trilha do Segredo vão certamente querer se aventurar. É uma experiência revigorante, que agora pode ser feita com segurança, e o melhor, respeitando a natureza.


Na minha visão a trilha do Segredo vem para afirmar o potencial turístico da cidade de Lajeado. Quando há investimento esse potencial se torna realidade. Mas ainda falta muito, falta uma política municipal de Turismo. Pois sem essa política municipal ficamos dependente de algumas iniciativas particulares. 

Uma politica municipal de Turismo teria o papel de articular as diversas iniciativas particulares, vê o que precisaria fazer para melhorar – tanto estruturalmente como na qualificação do pessoal – através de uma parceria quem sabe com a UFT, IFTO e UNITINS. Criar um roteiro turístico do município e um Centro de apoio ao turista. 

Ora, é inadmissível que uma cidade que se diz turística não tem um Centro de Apoio ao turista – para recepcionar e orienta-los quanto às atrações turísticas que existem no município e como fazer para chegar até elas. Além de uma fiscalização para evitar o turismo predatório como ocorre no Rio Tocantins abaixo da Usina Hidrelétrica no Verão Tocantinense. 

Quando chamamos atenção para a importância do fortalecimento do turismo através de uma política municipal. É pelo fato de que o turismo significa emprego e renda para muitas famílias. É o que aponta por exemplo autores como Camila Fagundes e Mary Sandra Guerra Ashton (2010), que salientam a necessidade de investimentos de todas as ordens, como por exemplo, nas condições estruturais e qualificação profissional, para que haja um retorno econômico satisfatório, propiciando o desenvolvimento regional.

Ainda de acordo com Fagundes e Ashton (2010) a atividade turística tem um efeito multiplicador, agregando diversas áreas, construindo uma rede que abrange a hotelaria, setor de alimentação, bares, restaurantes e similares, lojas e comércio em geral, agências de viagens e transporte, atrativos dos mais variados. É por isso,  que para essas autoras “a atividade turística vem superando setores como o da indústria e o da agricultura. 

Mas é preciso garantir que esse desenvolvimento se dê de forma sustentável. De modo que o trabalho de conscientização tanto da população local como dos turistas é fundamental. É fundamental também garantir o acesso a população local a esses espaços. Pois há uma tendência a elitizar demais determinados lugares. Sobretudo com a cobrança de taxas entre outros.


Na trilha do Segredo os guias cobram uma taxa. Em outros lugares, como na praia da draga, também há cobrança. Isso se dá sobretudo por se tratar de iniciativas particulares. No caso da Trilha do Segredo vale a pena pagar a taxa, até mesmo como uma forma de contribuir com a manutenção e preservação de um dos patrimônios naturais do município. Por outro lado o poder público deve garantir o acesso aqueles que não tem condição de pagar a taxa mas que também tem o direito de usufruir desse patrimônio. Com isso, concluímos afirmando mais uma vez à necessidade de uma política municipal de Turismo em Lajeado.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Pós-Graduando em Filosofia e Direitos Humanos. 

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Crônica: Sobre amadurecer

Esses dias fiquei ouvindo a euforia dos meus vizinhos assistindo um jogo de futebol na TV. O comportamento passional deles me fez recordar de mim há alguns anos diante dos jogos do São Paulo Futebol Clube. E o pensamento que me veio a cabeça foi – é, eu amadureci. Já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol.

Me lembro que quando comecei a acompanhar os jogos do São Paulo Futebol Clube foi como se entrasse numa montanha russa de afecções. Se o time ganhasse, maravilha, até o próximo jogo a alegria estava garantida. Já se o time perdesse eu mergulhava numa tristeza profunda. As vezes chegava ao ponto de não conseguir dormir a noite após uma derrota. Ficava imaginando comigo -  ah, se o nosso goleiro tivesse feito aquela defesa. Ou se o nosso atacante não tivesse errado aquele gol.

Nada me fazia deixar de assistir os jogos do tricolor paulista. Podia está acontecendo o que tivesse acontecendo. Por exemplo, se fosse na quarta-feira e eu estivesse na escola. Era certeza que na hora do recreio não havia muro que me segurava. Já a minha postura diante da TV era um espetáculo a parte. Num simples jogo do campeonato paulista ou do Rio-São Paulo a adrenalina era tanto que eu não conseguia ficar sentado. Andava de um lado para o outro xingando e esbravejando, segundo eu com os jogadores e o juiz, mas no final das contas era com a televisão ou comigo mesmo.

Eu um cara tão calmo não raramente explodia em cólera, gritava, quebrava o que estava na minha mão (por isso evitava de assistir os jogos com o controle da TV na mão), chutava portas, rasgava a camisa, tocava fogo na bandeira, jurava para mim que nunca mais assistiria um jogo do São Paulo. Mas no próximo estava eu lá. 

Hoje já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol, ainda que seja uma final de campeonato. Não  deixei de apreciar uma partida de futebol, de torcer pelo São Paulo. Inclusive contínuo acompanhando diariamente as notícias do time. E as vezes até me permito a assistir os jogos. Mas quando começo a ser afetado negativamente, mudo de canal e vou assistir outra coisa, ou ler um livro. Ou ainda ouvir música. O que não me permito mais é sofrer por algo que não está sob o meu controle. 

Talvez eu tenha me tornado demasiadamente racional. E digo isso não só em relação ao futebol. Não vejo mais por que deveria colocar na mão do outro ou de algo a minha felicidade. Não é por que o meu time perdeu que vou ter uma noite ruim. Não é por que alguém não fez aquilo que eu esperava que vou cortar meus pulsos. A vida já nos oferece em demasia doses de sofrimento dos quais não tem como correr. Por que cargas d'água vou me sujeitar a sofrimentos evitáveis?

Mas nem todo mundo age assim, especialmente torcedores como os meus vizinhos que colocam o seu time do coração num patamar de uma divindade. E nessa mistura de futebol e religião os jogadores são idolatrados como Santos. Isso me fez lembrar o que Marx falou sobre a religião ser o ópio do povo. Nessa linha eu diria que o futebol então é a cocaína. Pobre do diabo que cair nas suas garras.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular.