sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

Crônica: Sobre amadurecer

Esses dias fiquei ouvindo a euforia dos meus vizinhos assistindo um jogo de futebol na TV. O comportamento passional deles me fez recordar de mim há alguns anos diante dos jogos do São Paulo Futebol Clube. E o pensamento que me veio a cabeça foi – é, eu amadureci. Já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol.

Me lembro que quando comecei a acompanhar os jogos do São Paulo Futebol Clube foi como se entrasse numa montanha russa de afecções. Se o time ganhasse, maravilha, até o próximo jogo a alegria estava garantida. Já se o time perdesse eu mergulhava numa tristeza profunda. As vezes chegava ao ponto de não conseguir dormir a noite após uma derrota. Ficava imaginando comigo -  ah, se o nosso goleiro tivesse feito aquela defesa. Ou se o nosso atacante não tivesse errado aquele gol.

Nada me fazia deixar de assistir os jogos do tricolor paulista. Podia está acontecendo o que tivesse acontecendo. Por exemplo, se fosse na quarta-feira e eu estivesse na escola. Era certeza que na hora do recreio não havia muro que me segurava. Já a minha postura diante da TV era um espetáculo a parte. Num simples jogo do campeonato paulista ou do Rio-São Paulo a adrenalina era tanto que eu não conseguia ficar sentado. Andava de um lado para o outro xingando e esbravejando, segundo eu com os jogadores e o juiz, mas no final das contas era com a televisão ou comigo mesmo.

Eu um cara tão calmo não raramente explodia em cólera, gritava, quebrava o que estava na minha mão (por isso evitava de assistir os jogos com o controle da TV na mão), chutava portas, rasgava a camisa, tocava fogo na bandeira, jurava para mim que nunca mais assistiria um jogo do São Paulo. Mas no próximo estava eu lá. 

Hoje já não me deixo afetar dessa forma por um jogo de futebol, ainda que seja uma final de campeonato. Não  deixei de apreciar uma partida de futebol, de torcer pelo São Paulo. Inclusive contínuo acompanhando diariamente as notícias do time. E as vezes até me permito a assistir os jogos. Mas quando começo a ser afetado negativamente, mudo de canal e vou assistir outra coisa, ou ler um livro. Ou ainda ouvir música. O que não me permito mais é sofrer por algo que não está sob o meu controle. 

Talvez eu tenha me tornado demasiadamente racional. E digo isso não só em relação ao futebol. Não vejo mais por que deveria colocar na mão do outro ou de algo a minha felicidade. Não é por que o meu time perdeu que vou ter uma noite ruim. Não é por que alguém não fez aquilo que eu esperava que vou cortar meus pulsos. A vida já nos oferece em demasia doses de sofrimento dos quais não tem como correr. Por que cargas d'água vou me sujeitar a sofrimentos evitáveis?

Mas nem todo mundo age assim, especialmente torcedores como os meus vizinhos que colocam o seu time do coração num patamar de uma divindade. E nessa mistura de futebol e religião os jogadores são idolatrados como Santos. Isso me fez lembrar o que Marx falou sobre a religião ser o ópio do povo. Nessa linha eu diria que o futebol então é a cocaína. Pobre do diabo que cair nas suas garras.

Por Pedro Ferreira Nunes – Poeta, Escritor e Educador Popular. 

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