quarta-feira, 25 de junho de 2025

Crônicas de final de bimestre: Síndrome da centopeia ou sobre avaliação

Estamos chegando em mais um final de bimestre. Esse é especial, pois marca o fechamento do primeiro semestre letivo e teremos uma pausa de 30 dias (férias escolares). Ou seja, um bom período para desacelerarmos e nos desligarmos da cansativa rotina escolar. E voltar para o segundo semestre com energias renovadas ou não.

Nesses anos de docência para mim todo final de bimestre não é diferente. Por um lado os estudantes correndo atrás da gente buscando um pontinho a mais e por outro as exigências burocráticas de lançamentos no sistema de gerenciamento escolar (SGE). Sobre esse segundo não tenho muita dificuldade já que não sou daqueles que deixam tudo para última hora. Já em relação a nota dos estudantes o meu critério é simples. 

Como ponto de partida todo mundo tem 10,0. Manter essa média até o final do bimestre depende do que cada um produz ou deixa de produzir em sala de aula. Isso significa que o estudante é avaliado de forma contínua a partir de três aspectos: conceitual, procedimental e atitudinal. O resultado final é que são raros aqueles que chegam ao final do bimestre com a média 10,0. O que ocorre no geral são estudantes precisando de pontos extra para alcançar a média ou melhorar. Em relação a alcançar a média não sou muito exigente. Pois não há no meu horizonte a palavra reprovação. Já conseguir uma média 8,0 em diante é outra história. 

Há sempre aqueles estudantes que não se importam com a nota que vai para o boletim, desde que esteja dentro da média. Mas há aqueles que compreendem que aquilo não é apenas um número. E sim reflexo do que eles foram como estudante no bimestre e a partir daí buscam modificar a situação. 

Enquanto professor gostaríamos que isso fosse o comportamento de todos, mas compreendo que faz parte de um processo. No entanto, quando alguns despertarem talvez seja tarde. Não, não me culpo por isso. Compreendo que como professor tenho uma limitação. Por mais brilhante que eu seja (e não sou) se o estudante não quiser, não tem como fazer milagres. 

Mas enfim. Desde o ano passado tenho feito o seguinte com os estudantes que buscam melhorar sua média. Eles são desafiados a elaborar um memorial do que trabalhamos no bimestre ou escrever um ensaio filosófico a partir de um tópico determinado. Nesse bimestre especificamente me deparei com uma antiga  fábula chinesa (a centopeia confusa)  num livro de filosofia do Juvenal Savian e então solicitei que os estudantes, que quisessem, poderiam elaborar um ensaio acerca dela.

A fábula retrata uma centopeia despreocupada e feliz que um dia encontra um sapo que lhe faz uma pergunta existencial: - quando você anda, em que ordem você mexe suas patas? A centopeia não só não soube responder. E por mais que refletisse em busca de uma resposta não encontrou. Essa questão a perturbou tanto que ela não conseguiu mais pôr as patas em movimento. E ao não se mover ficou presa em seu buraco e morreu de fome.

Quando propus o exercício não havia refletido sobre. De modo que não criei expectativa acerca do que receberia dos estudantes. Meu objetivo era instigá-los a pensar e ao ver a reação deles a primeira leitura já me dei por satisfeito. No entanto, à medida que ia recebendo os ensaios fui buscar compreender a fábula e ver em que medida aquela mensagem contribuiria para mudança de visão daqueles estudantes.

O que me ocorreu foi justamente uma relação com o processo avaliativo. Quando fazemos uma avaliação corremos o risco de que o estudante se comporte como a centopeia. Diante de um determinado resultado começa a dizer que não é capaz e de fato se torna incapaz. Não compreende que os questionamentos/críticas são importantes para o nosso aprendizado e a partir daí a melhora de nós mesmos. O fato de ter ido mau numa prova, de não ter conseguido responder a um questionamento, não significa que é o fim. Será que eles entenderam? Contribuir para isso será meu objetivo no próximo semestre.

Por Pedro Ferreira Nunes - Professor de Filosofia na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

Perspectivas filosóficas acerca da Guerra

Existe alguém que está contando com você/ Pra lutar em seu lugar já que nessa guerra/Não é ele quem vai morrer

Legião Urbana 


Nos últimos anos acompanhamos com apreensão conflitos bélicos de grande proporção que ameaçam toda a humanidade. Estaríamos à porta de uma terceira guerra mundial? Os episódios que acompanhamos dia a dia pelos meios de comunicação parecem nos dizer que essa é inevitável. Sobretudo num contexto em que a política caminhou para os extremos e a capacidade de dialogar e buscar consensos parece ter se perdido. A guerra seria inevitável? Para responder essa pergunta é interessante conhecermos algumas perspectivas filosóficas acerca da guerra. Antes comecemos por definir o que é a guerra.

Álvaro Nunes (2015) define a guerra como “conflitos entre comunidades políticas que pretendem governar ou influenciar o governo de um território.” Para explicitar melhor essa definição peguemos o exemplo do conflito entre Rússia e Ucrânia. O governo anterior ucraniano era pró Rússia. Após um levante popular houve uma mudança com a ascensão de um grupo pró Ocidente. A partir daí, teremos, sobretudo devido à localização territorial desses países, a série de episódios que levará a um conflito bélico. Ou seja, a perda de influência do governo Russo sobre o governo Ucraniano, e as possíveis consequências dessa perda de influência levaram a guerra. Um aspecto importante que leva ao conflito não é a perda de influência em si. Mas o fato de que essa influência será exercida por outro país - que tem seus próprios interesses.

Outro exemplo são os golpes militares com o apoio (financiamento) de determinados países. Para dar um exemplo mais concreto não precisamos ir longe. Só lembrarmos do apoio do governo estadunidense à ditadura civil militar no Brasil (1964-1985). No caso do conflito entre Israel e Palestina o objetivo é governar um território.

A partir daí podemos inferir que a guerra faz parte da dinâmica da luta por hegemonia política. As consequências são catastróficas com a perda de milhares de vidas e a expulsão de outros tantos dos seus territórios. Mas isso parece não pesar na balança daqueles que decidem entrar num conflito bélico, bem como daqueles que os apoiam. O que nos faz questionar: as guerras são necessárias? Álvaro Nunes (2015) defende que, pelas suas consequências, a guerra se torna um dilema moral. E na tradição filosófica temos três correntes: o realismo, o pacifismo e a teoria da guerra justa (justum bellum). Conheçamos um pouco de cada um, a começar pelo realismo.

O aspecto fundamental do realismo é a separação entre ética e política. Ou seja, o governante não deve pautar suas decisões a partir da moral. Ainda mais se tratando de política internacional onde prevalece o interesse do mais forte. Se Israel quer expandir suas fronteiras e tem força para tanto, que importa que alguns Palestinos tenham que perder suas casas ou serem exterminados?

De acordo com Álvaro Nunes (2015) para os realistas “nas relações entre estados, a única regra que conta é a do “direito do mais forte à liberdade”. Qualquer outra regra é contrária aos interesses dos estados e, por isso, não deve nem pode ser tida em conta. A única política correcta nas relações internacionais é a “realpolitik”.

No que consiste a realpolitik? Nada mais do que a compreensão que a política deve ser feita a partir das coisas como são e não como gostaríamos que fosse. Ou seja, a política deve ser feita como uma resposta à realidade. E a realidade mostra que os mais fortes são aqueles que agem de acordo com seus interesses. Que o diga os Estados Unidos (EUA).

A corrente seguinte é o pacifismo - que é o oposto do realismo - ou seja, defende a relação intrínseca entre ética e política. Nesse sentido para os pacifistas todas as guerras são imorais. De acordo com Álvaro Nunes (2015), para os pacifistas, “seja por razões de princípio seja devido às consequências que dela resultam, a guerra é sempre incorrecta.” A expressão dessa corrente é a posição do então Papa Francisco contrário à guerra (posição mantida pelo Papa Leão XIV). E do movimento pró Palestina representado por Greta Thunberg e o brasileiro Thiago Ávila.

Já a corrente seguinte busca fazer uma síntese entre as duas anteriores. Defendendo que nem todas as guerras são imorais. Denominada de teoria do justum bellum defende o direito de um Estado ou um povo se defender diante de uma agressão. Um exemplo nesse sentido seria a reação do Irã aos ataques de Israel. Ou da Ucrânia em relação à Rússia. Ou ainda de Israel aos ataques do Hamas.

No entanto, para ser considerado uma guerra justa é necessário o respeito a alguns critérios. Não vamos nos aprofundar sobre isso. Apenas passar superficialmente em alguns pontos. A começar pelo Jus ad bellum que estabelece quais os critérios que o governante deve seguir: 1- causa justa; 2- Reta intenção; 3- Autoridade apropriada e declaração pública; 4- Último recurso; 5- Probabilidade de sucesso; 6- Proporcionalidade. A partir daí podemos questionar se os exemplos anteriores (Irã x Israel, Ucrânia X Rússia, Israel x Hamas/Palestina) podem mesmo ser considerados guerras justas. Já o Jus in bello se refere ao que deve ser levado em consideração durante a guerra: 1- Obedecer a todas as leis internacionais sobre armas proibidas; 2- Separação e imunidade dos não-combatentes; 3- Proporcionalidade; 4- Prisão benévola para os prisioneiros de guerra; 5- Não se pode utilizar meios que são maus em si mesmos; 6- As represálias são proibidas. Também a partir desses critérios podemos questionar se as guerras em cursos são justas. Por fim temos a Jus post bellum que se refere a fase final da guerra: 1- Castigo aos violadores das regras estabelecidas; 2- Compensação; E 3- Reabilitação.

De acordo com Álvaro Nunes (2015) “a teoria da guerra justa não visa justificar ou impedir a guerra quaisquer que sejam as circunstâncias. Não é um cheque em branco nem um cartão vermelho. A teoria da guerra justa é antes um instrumento que permite aos decisores políticos e àqueles que têm a responsabilidade de conduzir a guerra tomar decisões de acordo com um conjunto de regras que visam garantir a correcção dessas decisões, ao mesmo tempo que permite aos cidadãos em geral apreciar a correcção das decisões tomadas.”

A questão é quem arbitra esses conflitos? E quem aplicará as penalidades aos que infringir? Por mais que existam esses órgãos como o Tribunal Penal Internacional e a Organização das Nações Unidas (ONU). Na prática não funcionam.

Enfim, a partir do que vimos podemos responder a nossa questão acerca da possibilidade de não haver guerras. A história nos mostra que não. Diante disso o ideal seria então a guerra justa. Mas o que tem prevalecido é a perspectiva realista - onde prevalece o interesse do mais forte. Inclusive na construção da narrativa hegemônica de que a justiça está ao seu lado. Como lembra uma canção da banda Legião Urbana: “Deus está do lado de quem vai vencer".

Por Pedro Ferreira Nunes - Professor na Rede Pública Estadual de Ensino do Tocantins e Mestre em Filosofia pela UFT.

domingo, 15 de junho de 2025

Sobre a morte do rock and roll

Não é de hoje que se ouve essa história acerca da morte do rock and roll. Mas agora com a popularidade em queda bem como o surgimento de novos artistas esse discurso tornou-se mais forte. Porém, quem aprecia essa expressão artística, que reflete num modo de vida, sabe que isso não corresponde à realidade. Certamente o rock and roll não tem a mesma relevância comercial e popularidade que gêneros como o Pop, Sertanejo, Forró e Funk. Isso não significa, no entanto, que não haja público. Como também é uma falácia que não existam novos artistas. E ainda que não existissem novos artistas o legado construído em menos de um século torna o rock and roll eterno.

Gostaria de continuar nesse ponto tanto em relação a queda de público como da falta de novos artistas. Que são usados como argumento para justificar o discurso que decreta a morte do rock. Em relação ao primeiro, é importante compreender a mudança da sociedade. E o crescimento de outros gêneros musicais, sobretudo aqueles que são mais manipuláveis comercialmente, e mais eficazes como produto de uma cultura de massa. Nesse contexto, eu diria que é até natural que haja essa diminuição de público de artistas do rock and roll - um gênero que tem na sua essência a rebeldia e o inconformismo com a ordem dominante.

Por outro lado, precisamos compreender que o crescimento de outros gêneros musicais não é de todo ruim. Ruim é a monopolização seja de qualquer gênero. Até porque o que nos caracteriza em termos cultural é a multiculturalidade.

No contexto brasileiro isso tem sido bastante evidenciado no carnaval. Já escrevi sobre isso. Mas cabe retomar brevemente aqui. 

Por muitos anos, quando se falava em carnaval logo se remetia ao samba ou axé. Isso mudou. E creio que essa mudança teve início em Pernambuco, mais precisamente em Recife com o carnaval multicultural com a presença de artistas da cultura tradicional como o maracatu e o frevo. Passando por outros gêneros. Inclusive rock and roll. Tivemos com isso, digamos assim, uma mudança de paradigma expressada no carnaval de rua em todas as regiões do país. E lá estão presentes blocos que cultuam o rock and roll entre eles: Bloco Sargento Pimenta (que homenageia a banda The Beatles), Bloco Toca Rauuul! (que homenageia o Raul Seixas) e Bloco 77 (que homenageia bandas do movimento punk).

Em relação ao segundo, o surgimento de novos artistas, há sim. Inclusive com uma produção de muita qualidade. A questão é que os críticos esperam um novo The Beatles, Rolling Stone, Black Sabbath, Jimi Hendrix,  Raul Seixas, Rita Lee, Cássia Eller. O que é impossível. Quando surge um novo artista logo vem a comparação e a partir daí o veredicto de que não é boa. Mas o fato é que há novos artistas do rock and roll, tanto a nível internacional como nacional, fazendo música de muita qualidade. Sem falar nos nomes consagrados que continuam produzindo coisas relevantes.

Ousarei agora citar alguns nomes desses artistas. Essa citação, no entanto, não é valorativa, mas de gosto. Ou seja, do que ouvi e gostei. E passou a fazer parte da minha playlist.



A primeira banda é a Idles (britânica-irlandesa), formada em Bristol em 2009. Composta por Joe Talbot, Mark Bowen, Lee Kiernan, Adam Devonshire e Jon Beavis. Tem um som visceral com uma energia punk. Letras críticas e uma postura irreverente.

A segunda é uma banda estadunidense - The interrupters - que toca um ska punk muito envolvente. Que surgiu na Califórnia, 2011, formada por Aimee Allen no vocal,  e os três irmãos: Jesse Bivona na bateria, Justin Bivona no baixo e Kevin Bivona na guitarra. O som é bem contagiante e as letras abordam tanto questões sociais como o cotidiano. O vocal rouco da Aimee é um diferencial.



A terceira é a The chats - uma banda de punk rock australiana formada em 2016 (Sunshine Coast) e é composta por um trio: Josh Hardy - na guitarra, Matt Boggis - na bateria e Eamon Sandwith no contrabaixo e vocal. Temos aqui uma sonoridade clássica do punk rock e as letras abordam o cotidiano dos jovens com suas venturas e desventuras.

A quarta é brasileira, Manger Cadavre, uma banda de hardcore metal formada em 2011 em São José dos Campos (2011), tem como integrantes a vocalista Nata e Marcelo Kruszynski: baterista, Bruno Henrique: baixista e Paulo Alexandre: guitarrista. As letras têm uma forte crítica social gritadas pela Nata num gutural raivoso.

A quinta vem da Paraíba e foge um pouco da pegada dos nomes anteriores. Trata-se da Seu Pereira e Coletivo 401. Formada em 2009, o destaque fica por conta do naipe de metais (lembrando Los Hermanos) e letras poéticas, que tem como responsável Jonathas Pereira Falcão, que também é o vocalista.

A sexta, puxando um pouco a sardinha para minha terra, o Tocantins, destacaria a banda Big Marias (Palmas). Numa pegada punk esse trio composto pelas irmãs: Samia Cayres (Guitarra e Vocal) e Didia Cayres (Bateria). Além do Felipe Marinho (Contrabaixo). Fazem um som de extrema qualidade.



A sétima, também é uma banda estadunidense, trata-se da Scowl (Califórnia). Com um punk hardcore vibrante tanto pela performance da sua vocalista: Kate Moss. E sua trupe composta por Malachi Greene e Mikey Bifolco (Guitarra), Bailey Lupo (Contrabaixo) e Cole Gilbert (Bateria).

A oitava é brasileira, mais precisamente de Santos (São Paulo). Com seu punk hardcore metendo o dedo nas mazelas do nosso país, trata-se da Surra. Na sua formação temos: Leeo Mesquita (vocal e guitarra), Guilherme Elias (baixo e vocal) e Victor Miranda (bateria). Para quem aprecia um som rápido e veloz seguindo a tradição do Motorhead, eis um bom exemplo.



Continuando no Brasil, a nona é uma banda da qual inclusive já escrevi uma resenha sobre um dos seus álbuns (As Crônicas de Sucupira Gotham City). Estou falando da Magoo e o bando urtiga (Palmas). Com um som que remete ao Manguebeat e letras que vai de críticas sociais ao cotidiano de quem vive na capital do Tocantins a trupe formada por Fernando Magoo (vocal), Rodrigo Rodrigues (contrabaixo), Anderson Fernandes (bateria) e Artur Raineri (guitarra) mostra que no Tocantins se faz música (rock) de qualidade.

Enfim, não há mais nada o que dizer. Ou melhor, sempre há muito a se dizer. Mas em relação a essa questão, me dou por satisfeito. Como falamos no início, essa não é uma discussão nova e não será esse texto que colocará fim nela. Mas não poderia deixar de me posicionar, por mais irrelevante que seja essa opinião.

Pedro Ferreira Nunes - Apenas um rapaz latino americano, que gosta de ler, escrever, correr e ouvir rock in roll.

terça-feira, 10 de junho de 2025

Sementes do cerrado ou ideias para adiar o fim do mundo

Manhã de quinta-feira, 05 de junho de 2025 - dia mundial do meio ambiente. Chegamos à escola e já começamos os preparativos. Pegamos as mudas de árvores do cerrado colocamos em cima da caminhonete, dividimos o grupo nos carros e seguimos em direção ao Setor Bertaville. Chegamos por volta das 09h e o sol já estava naquele ponto que só quem mora por essas bandas conhece bem. Ainda bem que os ventos gerais desse período tornam a temperatura mais suportável. Fomos recepcionados pelos diretores da associação de moradores do bairro e pelo professor Francisco Nascimento - proponente da ação. Começamos então a abrir os buracos e logo percebemos que não seria tarefa fácil sob o sol escaldante e a terra seca. Enquanto um grupo seguia na árdua tarefa de abrir os buracos. Outro partiu para distribuir panfletos e conscientizar os moradores a adotar e cuidar de uma muda.

Assim foi a culminância do projeto integrador do 1º semestre de 2025 - sementes do cerrado: em defesa do desenvolvimento sustentável, da Área de Ciências Humanas e Sociais Aplicadas do Cemil Santa Rita de Cássia. Depois de duas horas de trabalho duro deixamos nossos rastros naquele território. Daqui alguns anos no mês de agosto quando os ipês colorirem a paisagem com suas flores exuberantes alguém dirá que foram os estudantes de uma escola que plantaram. Ou quando os cajueiros estiverem produzindo e um cliente do bar do Oliveira pegar um caju para tirar gosto. Alguém irá lembrá-lo que aquilo foi fruto de uma ação da escola. Da mesma forma, a senhora que nos forneceu água para regar as mudas tiver colhendo alguns frutos para fazer um suco. Algum passante ao buscar refúgio nas sombras das árvores não saberá. Mas elas estarão lá. Um dos estudantes,  que participaram da ação, um dia passando pelo local poderá contar para os seus filhos e dizer: - eu ajudei a plantar.

Ailton Krenak no seu livro Ideias para adiar o fim do mundo fala da importância da memória como resistência. Enquanto pudermos contar mais uma história estaremos adiando o fim do mundo, diz o nosso filósofo indígena - que também alerta para a forma com que nos relacionamos com a natureza. Fundamentado no conhecimento dos anciãos, ele nos dirá que se não soubermos caminhar sobre a terra o céu cairá sobre nossa cabeça. Uma analogia para dizer que o que fazemos com o meio ambiente retorna para nós. Pois afinal de contas fazemos parte desse ambiente. E quando o destruímos, estamos nos destruindo.

O pensamento do Ailton Krenak foi a nossa principal referência teórica do projeto integrador Sementes do Cerrado… O nosso ponto de partida foi inclusive apresentar e refletir sobre a sua crítica a concepção mecanicista da natureza a partir do seu livro ideias para adiar o fim do mundo. Durante as atividades os estudantes puderam conhecer um pouco da sua biografia, ler trechos da obra e discuti-la relacionando com a questão ética.

Outra ação de destaque do projeto integrador foi uma aula-campo na Agrotins. Essa feira de negócios que é a principal vitrine do agronegócio tocantinense é certamente um espaço importante para conhecermos e refletirmos sobre o modelo de desenvolvimento no campo tocantinense. O espaço mostra apenas o lado positivo, cabe a nós na sala de aula mostrar o outro lado. As consequências do avanço da monocultura sob os territórios das comunidades tradicionais, a contaminação do solo, da água e dos alimentos pelo uso abusivo do agrotóxico, o trabalho análogo a escravidão entre outros.

A plantação de mudas de árvores nativas do cerrado no dia mundial do meio ambiente seria a culminância do nosso projeto integrador. Há muito tempo o professor Francisco Nascimento (do componente curricular de Geografia) e morador do setor Bertaville havia nos provocado acerca da possibilidade dessa ação. E esse ano, com o apoio de toda a comunidade escolar, conseguimos concretizar. Ainda não com o alcance que gostaríamos. Mas foi um passo importante. Nessa linha, uma articulação antes com a associação de moradores do setor foi um grande acerto. Outro acerto foi a ação de conscientização dos moradores acerca da adesão ao projeto por meio da adoção e cuidado com as mudas.

Era por volta das 11h quando retornamos para a escola. Apesar do cansaço, o sorriso no rosto de contentamento de todos mostrava que havia valido apena. Assim como a disponibilidade para as próximas ações: - professor, na próxima não esquece de mim.

Como todo camponês que não tem a certeza de que a sua semente dará frutos. Nós também não sabemos qual o destino das nossas sementes. Mas de uma coisa temos certeza. Se não houver quem semeia, não haverá colheita. E aqui não estou falando das mudas propriamente. Mas da árdua missão da docência. Quantos estudantes conseguimos sensibilizar com esse projeto? Quantos conseguem mostrar novas possibilidades de nos relacionarmos e viver em comunidade - em harmonia com o meio ambiente? O tempo dirá.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

quarta-feira, 4 de junho de 2025

Breve comentário sobre o ensino de Filosofia a partir da leitura do livro Filosofia: o pensar conceitualmente como rizoma, do Willian Costa de Medeiros

Há na Filosofia sempre uma tentativa de ruptura com um pensamento anterior. E a partir daí a pretensão de tornar uma perspectiva filosófica, na Filosofia. Talvez esse seja o problema do livro do professor, mestre em Filosofia - Willian Costa de Medeiros. Eu diria que esse problema é reflexo da perspectiva do ensino de Filosofia que ele assume -  que se fundamenta na concepção filosófica de Deleuze e Guattari - pensadores franceses que tem no Brasil um dos seus divulgadores, o professor e filósofo Silvio Gallo. Seria mais honesto deixar claro que trata-se de uma possibilidade do ensino de filosofia em sala  de aula. Apenas mais uma possibilidade como tantas outras.

Gostei bastante da primeira parte da obra, quando o professor faz um relato de experiência acerca do seu fazer profissional. De quando ele iniciou na docência e dos desafios encontrados. Da sua busca por responder aos problemas que encontrava nas aulas de filosofia. Ao invés de apenas se acomodar e justificar sua inércia a partir do discurso de que os estudantes não estão nem aí para educação e menos ainda para o ensino de Filosofia. De modo que não adianta “jogar pérolas aos porcos”. Muito pelo contrário. Como um bom filósofo, o professor Willian não abriu mão do questionamento e de ir em busca de respostas. Desse processo surgiram experiências de fato interessantes como o jornal ou revista. Ou ainda os relatórios de aula feitos pelos estudantes. Ou ainda os mapas conceituais. Gostei também dos relatos dos fracassos. Pois no nosso fazer profissional o fracasso sempre está no horizonte. Isso não significa, no entanto, que estamos no caminho errado. Pelo contrário. E o professor deixou isso muito claro. O fato de não ter dado certo num determinado contexto ou numa determinada turma não quer dizer que não possa ser experimentado em outros cenários. São possibilidades. Quanto mais possibilidades tivermos, mais preparados estaremos de responder a diferentes desafios.

O problema da obra começa na segunda parte. Quando nosso autor busca fundamentar teoricamente o seu trabalho. Recorrendo entre outros a Silvio Gallo e a partir daí em Deleuze e Guattari - que por sua vez se fundamentam no anarquismo. A questão é que quando analisamos criticamente o que propõem esses pensadores não temos na nossa frente uma teoria libertária, mas pequena burguesa. A partir daí ao final e  a cabo temos um ensino de filosofia que, ao contrário de uma perspectiva anarquista que proporia a superação  da ordem dominante, acomoda-se a ela. Inclusive o autor faz questão de mostrar a sintonia entre a sua proposta e a base nacional comum curricular (BNCC). Ora, como assim? Uma proposta de inspiração anarquista alinhada ao Estado Burguês? Que tem como finalidade manter o status quo e não a sua superação. Que não questiona o conceito de cidadania liberal, mas  se acomoda a ele. Que reduz o ensino de filosofia a criação de conceitos.

Quando analisamos a filosofia no documento curricular do Tocantins (DCT) percebemos uma forte influência dessa perspectiva filosófica. O que na minha visão é limitante. Óbvio que a gente sabe que o professor na sala de aula tem autonomia para não se limitar a uma perspectiva do ensino de filosofia. Até porque algo que qualquer estudante de Filosofia na faculdade aprende é que não existe filosofia, mas sim filosofias. E a partir daí cada um assume a perspectiva que avalia como a melhor. Muitos descobriram na prática da sala de aula que a melhor será aquela que conseguir desenvolver a partir da realidade em que está inserido. Afinal de contas não é a teoria que valida a prática mais o contrário.

Analisando a dissertação do professor William é isso que percebemos. A teoria deleuziana e congêneres é utilizada para validar sua prática. Óbvio que esse processo é dialético. A prática lhe levou a uma determinada teoria e essa teoria certamente afetará sua prática, abrindo novas possibilidades. Ainda que ele pareça não compreender esse movimento, é o que se evidencia. O que também fica evidente é que alguns pensadores tentam vender algo de novo que no fundo não tem nada de novo.

De todo modo vale a pena a leitura. A obra é fruto do programa de Mestrado profissional em Filosofia (PROF-FILO). Que tem sido um motor propulsor do ensino de Filosofia na educação básica. Tanto as aulas como as pesquisas realizadas têm abrindo novas possibilidades para este ensino. E o fortalecimento da nossa área.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

sexta-feira, 30 de maio de 2025

Ivan Ilitch e a morte como um horizonte incontornável

Imagina a situação. De repente um pequeno acidente e você começa sentir coisas que não sentia antes. Você tem consciência que não estão nada bem, mas tenta de todas as formas pensar que é passageiro - que do dia para noite irá se levantar e tudo voltará a ser como antes. Mas o fato é que não há melhoras. Pelo contrário. No fundo você sabe que não está bem e não voltará a ficar. A morte é o seu horizonte incontornável.

Como você reagiria ao saber que vai morrer? Ora, é fato que todos nós sabemos que iremos morrer um dia. Ainda que vivamos à espera de um milagre. Tanto que não são poucos aqueles que depositam sua crença numa vida após a morte. E fazem. Ou pelo menos prometem, fazer sacrifícios enormes para que essa benção seja alcançada. Mas me deixa reformular a pergunta. Como você reagiria ao saber que está morrendo?

O célebre escritor russo Lev Tolstoi nos apresenta a história de Ivan Ilitch. Mais especificamente a história do seu fim. Fazendo com que olhemos para nossa condição de seres mortais. Já no início da narrativa o autor não nos deixa esperança quanto ao destino de Ilitch. De modo que todos os seus esforços em busca de uma cura nas páginas a seguir não nos dão margem para ilusão. Sabendo então que a morte é certa, qual o sentido de continuar a leitura do romance?

Justamente a pergunta acerca de como reagiríamos ao saber que estamos morrendo. Creio que a atitude do Ivan Ilitch é a mesma de todos. Não aceitar. Da mesma forma aqueles que estão no seu entorno. Por isso se submete a todo tipo de tratamento ao seu alcance. Por outro lado, não se pode deixar de pensar que todo esse esforço pode ser em vão. Então não poderá deixar de pensar no que fez ao longo da vida. Do que foi preciso abrir mão para chegar aonde está. Do que teve que fazer para obter as conquistas que teve.

No caso de Ivan Ilitch essas memórias não são boas. Ao passar sua vida em revista chegará a conclusão de que construiu uma vida de aparências. Não ama a mulher com quem se casou. Não sente orgulho dos filhos. Não tem amigos verdadeiramente. Tudo o que construíra não teve como fim a sua satisfação mas a dos outros. Dedicou-se a construir uma imagem daquilo que não era. E isso certamente lhe tortura mais do que as dores que a cada dia são mais insuportáveis. 

Ilitch não terá mais uma segunda chance para mudar o seu destino. A sua condição a cada dia o isola do mundo. A morte chega de mansinho. Sem pressa de levá-lo. Deixando tempo o suficiente para que possa se torturar com o seu próprio pensamento. Pense o quanto seria torturante para o nosso personagem se um demônio surgisse dizendo que aquela vida tal como ele a viveu teria que vivê-la muitas e muitas vezes.

“E, à medida que a existência corria, tornava-se mais oca, mais tola. “É como se eu estivesse descendo uma montanha, pensando que a galgava. Exatamente isso. Perante a opinião pública, eu subia, mas, na verdade, afundava. E agora cheguei ao fim – a sepultura me espera."

Esse trecho de a morte de Ivan Ilitch é sintomático do estado de espírito em que se encontrava o nosso personagem. Tendo vivido uma vida de aparências. O remorso por tal atitude lhe machucava mais do que a consciência da própria morte.

“Fosse manhã ou noite, sexta-feira ou domingo, era tudo indiferente, o que havia era sempre o mesmo: uma dor surda, torturante, que não sossegava um instante sequer; a consciência da vida que não cessava de afastar-se sem esperança, mas que ainda não partira de todo; a mesma morte odiosa, terrível, que se aproximava e que era a única realidade; e sempre a mesma mentira. Para quê então os dias, semanas e horas do dia?”

O trecho acima confirma aquilo que já dissemos. Para Ilitch a morte já não era um problema. Ainda que houvesse alguma esperança de que poderia sair daquela situação, o fato é que não havia mais chance. E se não havia mais chance era melhor que chegasse logo. Pois a dor maior era aquela condição a que chegara da qual não tinha como fugir. É nesse ponto que reside a escrita magistral do Lev Tolstói - a capacidade de nos manter presos numa leitura que a priori parece pouco atrativa. O fato é que o autor nos tranca no quarto em que Ilitch está enclausurado e nos faz acompanhar seus últimos momentos com a apreensão. Pois no nosso íntimo sabemos que há em todos nós um pouco de Ivan Ilitch. Ao final, não há como sair dessa leitura sem uma profunda transformação. Estarei exagerando? Creio que não, creio que não.

Por Pedro Ferreira Nunes - Mestre em Filosofia pela UFT e Professor da Educação Básica na Rede Estadual de Ensino do Tocantins.

domingo, 25 de maio de 2025

Poema: Que fizeste com meu coração?


Falaram-me que bateste o meu coração 
no liquidificador e tomou.

Que maldade fizeste comigo.
Logo eu que tanto ti amei.
Logo eu que pra ti me entreguei.

Bateste meu coração no liquidificador e tomou!

Fiquei sabendo que não fui o primeiro,
Com certeza o ultimo não serei.

Disseram-me que tem uma geladeira 
ao lado de tua cama cheia de corações.
Quando tem sede bate-os e toma-os.

Por que o meu? 
Por que eu que sempre ti amei?

Bateste o meu coração no liquidificador e tomou,
Espero que ti dê uma congestão e tu morras!

Pedro Ferreira Nunes - Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Inverno de 2014.