sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Poema: Um sonho


 Um sonho

Sonhei um sonho,
que me deixou apavorado.
No sonho que sonhei,
o mundo havia parado.

As ruas desertas,
o comércio fechado.
As pessoas em suas casas,
todo mundo isolado.

As cidades submetidas,
a uma nova ordem mundial.
Imposta por um vírus,
um vírus mortal.

Muitas pessoas morriam,
velhos e até crianças.
O medo aumentava,
diminuía a esperança.

Enquanto uns desesperavam,
outros pensavam em lucrar.
Enquanto uns desacreditavam,
outros buscavam cooperar.

E assim íamos seguindo,
com as mortes aumentando.
Mesmo diante dos números,
muitos continuavam negando.

Quanto mais se negava,
mais o vírus se fortalecia.
Cada passo que dávamos,
mais rápido sucumbiamos.

Foi então que acordei,
e fiquei bastante mau.
Pois não estava sonhando,
tudo era bem real.

Pedro Ferreira Nunes - Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Verão de 2020.

sexta-feira, 11 de setembro de 2020

Outdoors, poluição visual, toxicidades e mediocridades

“The toxicity of our city, of our city”.

System of a Down

Nas ruas de Gurupi 
Nos aproximamos da querida capital do Tocantins, é um sábado, mais um sábado sob a ordem imposta pela pandemia do Novo Coranavírus. Eu deveria está em casa, e preferiria está em casa. Mas como a cidade que eu moro não me dá acesso a serviços básicos  (e as contas não esperam) é preciso ir até a capital. 

A viagem segue tranquila sob uma paisagem exuberante – pode soar suspeito de minha parte, mas para mim o trecho entre Palmas e Lajeado é um dos mais belos do mundo. Durante o trajeto uma coisa nos chama atenção: a quantidade de carro vindo em direção ao interior. Certamente não são pessoas indo trabalhar ou ter acesso há algum serviço (que não encontrariam na capital). É, não é de se admirar que dia após dia os casos de COVID-19 estejam aumentando no interior. 

Mas o que me chama atenção mesmo é a poluição na entrada de Palmas. E não estou falando das queimadas, comum por essas bandas, sobretudo nessa época. Mas sim dos outdoors – em especial os que se referem a figura do atual presidente da república. Esse tipo de outdoors (a favor e contra o presidente) tem ocupado cada vez mais a paisagem visual das cidades brasileiras. E olha que ainda estamos bem distante das eleições de 2022.

Olhando aquelas peças não pude deixar de pensar comigo – o ambiente tóxico das redes sociais está se proliferando. Reflexo da mediocridade que tomou conta da nossa vida política e social. E assim caminhamos para uma cidade cada vez mais tóxica de pessoas ressentidas – tanto á direita como á esquerda.

O teor dos outdoors revelam bem o nível do debate político atual, um debate político dominado pela mediocridade – que segundo o filósofo Alain Deneault “designa o que está na média, assim como superioridade e inferioridade designam o que está acima e por baixo”. Desse modo, “não existe a medidade”. 

Para Deneault vivemos numa espécie de “mediocracia” ou seja, num governo dos medíocres – “a mediocridade não faz referência à média como abstração, mas é o estado médio real, e a mediocracia, portanto, é o estado médio quando a autoridade está garantida”.  Nosso filósofo ressalta que “a mediocracia estabelece uma ordem na qual a média deixa de ser uma síntese abstrata que nos permite entender o estado das coisas e se torna o padrão imposto que somos obrigados a acatar”. Isto é, agir também de forma medíocre, ou utilizando uma frase enfatizada por Deneault – “entrar no jogo”.

Há algum tempo temos entrado no jogo dos medíocres – e o resultado até então tem sido desastroso. E continuará sendo pois em se tratando de mediocridade eles são insuperáveis. De modo que fiquei pensando comigo, essa guerra de outdoors no final das contas vai favorecer o presidente – que sabe como ninguém surfar em propagandas negativas.

Enfim, não fiquei muito tempo ali, em menos de 30 minutos já estava retornando para casa. Deixamos Palmas para trás com o seu calor infernal, seus outdoors poluindo a paisagem e deixando o nosso ar um pouco mais tóxico.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

sexta-feira, 4 de setembro de 2020

Alguns comentários sobre as eleições municipais no Tocantins

Fim das coligações proporcionais 

Com o fim das coligações proporcionais a partir das eleições municipais de 2020, os partidos tiveram que se fortalecer internamente para poder sobreviver  num sistema que tende cada vez mais fechar o funil caminhando para o modelo bipartidário estadunidense. Aliás esse é o sonho da elite brasileira – caminhar para um sistema político-partidário dominado por duas organizações que disputaram entre si quem administrará os interesses do capital. Diferenciando-se apenas em que intensidade imporam medidas de austeridade.

É mais vantajoso lançar candidaturas próprias 

Não é de se admirar que haja nessas eleições tanto pré-candidatos (sobretudo ao executivo). Pois para os partidos (pequenos e médios) é uma questão de sobrevivência, já que não poderão se coligar para as eleições proporcionais. Em outras palavras, não poderão pegar carona em partidos mais fortes. De modo que é mais vantajoso lançar candidatura própria para dar uma maior visibilidade ao partido e a sua chapa proporcional do que se coligar com um partido maior e ficar invisível – pois obviamente o partido maior vai priorizar a sua chapa proporcional. 

Cláusula de desempenho

As eleições de 2018, sobretudo para o legislativo, foi uma amostra do que acontecerá com os partidos (pequenos e médios) que abrem mão de candidaturas próprias para apoiar outras (que o diga o PC do B) – não conseguiram atingir a cláusula de desempenho e tiveram que se fundir com outros partidos para continuar recebendo verba do fundo eleitoral. Em 2022 o sarrafo irá aumentar e os partidos que não se fortalecerem dificilmente conseguiram superar a cláusula de desempenho.

Questão de sobrevivência 

Nos processos eleitorais anteriores também era comum um número grande de pré-candidaturas ao executivo. No entanto muitos buscavam apenas fazer barganha para vender o passe mais caro para o candidato ou partido com maior estrutura. O que não é o caso de agora. Salvo exceções, a estratégia de sobrevivência é lançar candidatura própria. Óbvio, isso para os pequenos e  médios partidos. Já que os grandes partidos, mesmo não lançando candidaturas próprias para o executivo em alguns lugares, conseguem compensar em outros.

Nas pequenas cidades é diferente

No Tocantins, se notamos nas grandes cidades um número maior de candidaturas ao executivo. Nos pequenos a tendência é  outra. Uma explicação para esse fenômeno é, que, devido o fim da coligação proporcional, é melhor se lançar por um partido com maior estrutura. Com isso os pequenos e médios partidos que já quase não existiam no interior, diminuíram mais ainda. Já nas grandes cidades, fatores como o autofinanciamento e a militância – Como também a prioridade da Direção Nacional no momento de decidir a distribuição dos recursos favorece candidaturas puro sangue. 

Concentração de Poder

Diante dessa nova realidade teremos como resultado uma maior concentração de poder nas mãos de poucos partidos políticos. Ao contrário do que ocorreu nas eleições de 2016, onde o resultado foi uma grande fragmentação partidária. E essa concentração de poder ficará nas mãos de velhos conhecidos – O MDB e o DEM. Seguidos do PSD, PODEMOS, PP e PL.

Resistir é preciso!!!

Se por um lado você atinge os partidos de aluguel – partidos sem ideologia, sem programas e sem projetos – á não ser utilizar a estrutura partidária como moeda de troca para ganhar dinheiro. Atinge também os partidos ideológicos – com programas e projetos – sobretudo antissistema. Tudo bem que esses partidos nunca tiveram grande força no Tocantins e nesse contexto então é que não terão mesmo. Mas é preciso resistir e construir alternativas para barrar esse processo, que como dissemos no início, caminha para transformar o sistema político-partidário brasileiro numa cópia do modelo estadunidense.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

terça-feira, 1 de setembro de 2020

Aula interdisciplinar: Um olhar para pandemia de COVID-19 a partir da Arte, da Filosofia e da História

Obra do Artista Eduardo Kobra

ARTE

  • Das muitas definições acerca do que é a Arte, opto pela da Maria Lúcia de Arruda Aranha, que diz se tratar de um conhecimento intuitivo do mundo. Que através do sentimento produz o seu objeto de conhecimento. 
  • É um dos conhecimentos mais antigos do mundo como percebemos ao estudar a história da música e das pinturas rupestres;
  • Esse contexto de pandemia tem sido um terreno fértil para produção artística nos mais diversos campos. Para citar alguns exemplos, destacaria no campo literário a antologia Ruas Vazias – O Coranavírus em prosa e verso (Editora Veloso) que apresenta olhares diversos a partir da literatura acerca do momento que estamos vivendo. No campo musical um projeto que salta aos olhos é o do Sepulquarta, comandado pelos integrantes da banda Sepultura. E no campo das artes plásticas destacaria o trabalho do Eduardo Cobra e do Banksy;
  • As obras de arte nos sensibilizam para os problemas que estamos enfrentando através dos sentimentos que elas nos transmitem. Como também nos ajuda a suportar as angústias e incertezas que o contexto atual nos trás. Como disse o ator Rodrigo Santoro numa entrevista recente – imagina como seria o isolamento social sem uma música, um livro, um filme. A partir desse exercício imaginativo você terá uma dimensão acerca da importância da Arte.
  • As obras de arte que estão sendo produzidas nesse contexto serviram como objeto de conhecimento  (Doc. Histórico) para que no futuro as pessoas possam estudar e refletir sobre como atravessamos esse momento histórico;
  • Assim como as obras artísticas feita no passado nos ajuda a compreender o modo de vida e as aspirações de outros momentos da nossa história. 


FILOSOFIA

  • Tal como a Arte, a Filosofia não tem uma única definição. Mas temos que optar por uma. Diante disso fiquemos então com a do Horkheimer que compreende-a como crítica ao estabelecido. Esse tipo de conhecimento, fundamentado no logos, nasceu na Grécia, como alternativa ao mito e a religião;
  • Nas palavras do Valério Rodhen: “A filosofia afirma a liberdade das ações humanas, reivindica a necessidade geral da crítica, opõem-se a tradição, à resignação e lança luz sobre hábitos tão arraigados que parecem naturais”;
  • Os problemas e  dilemas que o contexto atual tem nos imposto tem sido terreno fértil para reflexões e produções filosóficas. Podemos pegar como exemplo, trabalhos do Slavoj Zizek, Chomsky, Byung Chul Han, Judith Butler, Bruno Latour, Joke J. Hermsen, Vladimir Safatle,  Giorgio Agambem entre outros;
  • Uma questão filosófica que o contexto atual nos trás é se estamos o usando o saber em nosso proveito. E também, o que fazer para minimizar os impactos da pandemia; Porque mesmo diante dos alertas sanitários devido o número crescente de casos e mortes continuamos agindo como se nada tivesse acontecendo. E sobretudo quais as perspectivas para o mundo pós-pandemia;
  • Essas questões tem mobilizado diferentes áreas da Filosofia. Tendo como resultado importantes reflexões que nos ajudam a compreender esse momento e vislumbrar as perspectivas futuras – como nossas ações e suas consequências determinaram o mundo de amanhã; 
  • As discussões no campo filosófico contribuem para o surgimento de novas ideias e novos valores morais, como pensadores do passado contribuíram para ideias e valores que cultivamos hoje;
  • As produções filosóficas atuais criam importantes objetos do conhecimento (doc. histórico) para que no futuro as pessoas possam estudar e refletir sobre como atravessamos esse momento histórico.


HISTÓRIA 

  • A História pode ser compreendida como um conhecimento mediante documentos. Pertence ao campo que denominamos de Ciências Sociais. E se é uma ciência precisa de comprovação para ser considerado um conhecimento válido. O que significa dizer que não basta narrar um determinado evento, é preciso comprovar que esse evento de fato ocorreu;
  • Para tanto é necessário um certo distanciamento do objeto em questão. Para que essa narrativa não seja contaminada pelo calor do momento. Um exemplo que podemos pegar é o impeachment da presidenta Dilma Rousseff – sobretudo em torno da narrativa de que teria sido um golpe ou não. Ao historiador cabe dizer como foi e não o que foi;
  • Em relação ao contexto atual o historiador vai narrar como se deu a pandemia de COVID-19, destacando o papel desempenhado pelos principais personagens dessa trama. E aqui o conceito de trama  cai bem, pois a história é uma espécie de romance real – que deve se fundamentar em documentos, como produções artísticas e filosóficas produzidas no e sobre o contexto atual;
  • A narrativa sobre esse momento histórico certamente servirá para que, no futuro, as pessoas entendam o que ocorreu – as medidas que se tomou e as consequências. E a partir daí evitar os erros cometidos. Assim como nós aprendemos, ou deveríamos aprender, com os eventos históricos do passado.


CONCLUSÃO 

A Arte, a Filosofia e a História são três tipos diferente de conhecimento que dialogam entre si, e desse diálogo criam novos objetos do conhecimento – que nos ajuda a compreender o nosso modo de vida e alcançar o fim desejável. Aquele que segundo Aristóteles basta por si mesmo – a felicidade.


PROPOSTA DE ATIVIDADE 

A partir da perspectiva apresentada que tal propor aos seus alunos elaborar um breve relato acerca desse momento que estamos vivendo? Como ponto de partida proponha as seguintes questões orientadoras: O que sentiram falta nesse período longe da escola; Quais as dificuldades encontraram para estudar em casa; O que fizeram para passar o tempo no isolamento social; E o que esperam da continuidade do seus estudos no pós- pandemia. E ao final crie um produto  (livro, vídeo ou coisa do género) com esses relatos e compartilhe.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular, licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente é Professor da Educação Básica no CENSP-LAJEADO.

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: Introdução à Filosofia. 3° Ed. Revista – São Paulo. Moderna,  2003.

ROHDEN, V. Quem tem medo da Filosofia?. In Introdução à Filosofia. Universidade Católica de Pernambuco – Departamento de Filosofia. Subsídios Didáticos – Fascículo I. Recife, 1984. Pág. 3-8.

VEYNE, Paul Marie. Como se escreve a História. Brasília. Editora UNB, 1982.

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Punk Rock em defesa do meio ambiente

É cada vez mais urgente a necessidade de nos mobilizarmos e lutarmos contra a devastação das florestas, dos rios e do cerrado. Nessa luta, a arte é e sempre foi uma grande aliada – tanto na literatura, como no cinema, no teatro, na dança, nas artes plásticas e na música. Na música, aliás, há uma infinidade de artistas que fizeram canções com o objetivo de sensibilizar e conscientizar o público para a importância e necessidade de protegermos e preservarmos o meio ambiente. 

Como não temos condição de abarcar toda essa infinidade vamos pegar apenas três exemplos de artistas do punk rock – a opção pelo punk rock é pelo seu caráter subversivo e anticapitalista – pela sua visceralidade, por não fazer concessão ao status quo, por meter o dedo no problema sem meias palavras. E alguns artistas que encarnam muito bem esse espírito são os “Ratos de Porão, a “Cólera” e os “Inocentes”. E é exatamente canções dessas bandas que destacarei aqui – se nosso objetivo é falar do punk rock em defesa do meio ambiente as canções que destacarei creio que cumpre muito bem esse papel.

Cólera e a canção “Verde”

“Onde haviam riachos limpos/ hoje só vemos estrume humano/ o chão que era coberto de folha seca/ está encoberto pelo concreto./ Quem quer que mate atoa/ quem queima e corta/florestas e reservas/ só pensa em lucrar/ mas isso é roubar/”. Com esses versos a banda punk paulista Cólera inicia a canção “Verde” do icônico álbum “Verde, não devaste” lançado em 1989. Desde então essa canção se tornou um clássico da banda sendo executada nos shows ao vivo.

A composição chama atenção para o avanço da destruição ambiental alertando para as consequências não apenas á fauna e á flora, mas á nós mesmos que dependemos da natureza para sobreviver como enfatizam no refrão – “Minha vida/ sua vida/ nossas vidas/ depende do verde/ e depende do verdejar/”.

Infelizmente nem todo mundo olha para a natureza como nossa fonte de sobrevivência mas como um meio de obter mais e mais lucro. Não importando o quanto de flora e fauna tenha que ser destruído para tanto. Fazem isso, segundo eles, em nome do desenvolvimento. Mas o que estão fazendo é roubar como ressalta a canção: “O homem não pensa muito/ na hora de explorar/ por mais que destruam vidas/ só pensam em lucrar/ mas isso é roubar/.” Roubar terras, roubar recursos naturais, roubar as vidas dos povos tradicionais que são obrigados a abandonar seus territórios. 

Boa parte da devastação dos recursos naturais, especialmente nas florestas é para produzir produtos que serão consumidos nas cidades. Desse modo quando consumismo determinados produtos também estamos dando a nossa cota de contribuição para que essa destruição continua. Por isso precisamos nos conscientizar e dá uma basta nesse modelo de desenvolvimento. Pois afinal de contas como diz a canção – “nossas vidas dependem do verde”.

Ratos de Porão e a “Amazônia nunca mais”

Quem já foi num show dos Ratos de Porão provavelmente já ouviram o João Gordo alertando antes dessa canção – “Cuidado se não Amazônia nunca mais”. Essa composição é do álbum “Brasil” lançado em 1989. E se tornou um dos muitos clássicos da banda que é executado frequentemente nas apresentações ao vivo.

“A mãe terra não é de ninguém/ assim dizia quem morava aqui/ a mata virgem é força do bem/ e os animais vida e razão/”. A canção inicia mostrando a visão dos índios sobre a Amazônia para em seguida denunciar – “mas o homem branco/ com seu sujo poder/ escravizou e prostituiu/ se aproveitou da pura inocência/ dos verdadeiros filhos do Brasil”.

Ai temos de um lado os guardiões das florestas – os povos indígenas que vive numa relação de comunhão com matas e bichos. Do outro lado o homem branco com sua sede por lucro que não pensa duas vezes em aniquilar tudo que se oponha em seu caminho. “Morte!/ Para quem defende o verde e os animais/. Doenças!/ Misérias, queimadas, devastação/. Por que ninguém faz nada para os deter? Cuidado!/ Senão, Amazônia nunca mais/.”

É uma canção escrita há mais de 30 anos, mas é como se tivesse sido escrita hoje. A destruição da floresta amazônica, a violência contra os povos tradicionais e aqueles que os apoiam nunca avançou tão a passos largos como agora. Há 30 anos os Ratos de Porão alertam: “cuidado! Senão, Amazônia nunca mais”. Desde então muita gente tem se mobilizado pela urgência dessa pauta. Mas infelizmente o alerta continua necessário, cada vez mais necessário. Pois “o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/ o mundo depende do inferno verde/”.

Inocentes e a “Miséria e fome”

O Clemente – vocalista, guitarrista e compositor da banda – relata que a primeira vez que essa canção foi gravada não passou pela censura da ditadura militar. E mesmo modificando algumas partes depois da primeira tentativa continuou censurada. De modo que só foi lançada oficialmente em 1988 quando já havíamos superado o regime ditatorial. Ao contrário das duas canções anteriores “Miséria e fome” não fala diretamente da questão ambiental mas de algumas das suas consequências. 

“É tão difícil viver entre a miséria e a fome/ senti-la na carne e ter que ficar parado/ calado./ É tão difícil entender como homens armados/ expulsam outros homens das terras em que/ Eles nasceram e se criaram/ que são deles por direito/ para lá plantarem nada/ nada/.” 

Essa composição mostra de maneira magistral as consequências do progresso prometido pelos ruralistas – enquanto alguns poucos lucram – a maioria, especialmente indígenas, quilombolas e camponeses pobres – sobrevivem entre a miséria e a fome. Isso quando não são expulsos dos seus territórios para dá lugar a desertos verdes. E ao serem expulsos de suas terras acabam engrossando as periferias das grandes cidades aumentando mais ainda a miséria e a fome. 

Desse modo a luta em defesa do meio ambiente passa também pela denúncia da situação de miséria e fome pelo que passa a maioria dos povos do campo – povos que são submetidos a uma situação de opressão continua.

Para combater a miséria e a fome tanto no campo como na cidade precisamos de um modelo agrícola voltado para produção de alimentos de forma sustentável e não voltado para o lucro. Um modelo agrícola que proteja o meio ambiente e não que o tenha como uma barreira.

Essas três canções de ícones do punk rock nacional mostram de forma contudente as agressões ao meio ambiente e suas consequências – uma situação que não é de hoje e que ao contrário de melhorar tem piorado. Por isso mais do que nunca continuam necessárias. 

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. 

quarta-feira, 19 de agosto de 2020

ESCOLA VAZIA: Um olhar dos estudantes do CENSP-Lajeado sobre educação em tempos de pandemia

Apresentação 

Esse trabalho é fruto das atividades das aulas remotas dos seguintes componentes curriculares: Arte, Filosofia e História - das Turmas: 33.01 e 37.01 (3ª Séries Reg. e EJA) do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência.

O desafio lançado a eles foi o de fazer um breve relato dessa experiência que estamos vivendo com a suspensão das aulas presenciais imposta pela pandemia de COVID-19. O relato poderia ser em forma de verso ou em prosa. Ou mesmo de um desenho que simbolizasse esse contexto de suspensão das aulas presenciais e a experiência com as aulas remotas.

Sugeriu-se que nesse relato eles poderiam abordar pontos como: O que sentiram falta nesse período longe da escola; Quais as dificuldades encontraram para estudar em casa; O que fizeram para passar o tempo no isolamento social; E o que esperam da continuidade do seus estudos no pós- pandemia.

O resultado foram breves relatos que mostram como os nossos estudantes estão atravessando esse período - com muita angústia diante dos desafios que se colocam enormes – sobretudo o uso da tecnologia. Mas também a distância dos colegas – o abraço amigo. E dos Professores ajudando naquele conteúdo que não está entrando na cabeça. Diante disso é natural, percebermos o anseio de todos para que as coisas voltem ao “normal”.

No entanto enquanto isso não é possível, e talvez nunca mais seja, pelo menos não dá forma que era antes da suspensão das aulas presenciais. Alguns estudantes compreendem a necessidade das aulas remotas (mesmo com as dificuldades) como uma alternativa para que eles não sejam prejudicados no seu processo formativo mais do que já foram. E é por essa compreensão que demonstram gratidão com os Professores e a equipe Gestora do Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência.

Acredito, que apesar de singelos, esses relatos são importantes registros históricos que mostram o espirito desse período que estamos atravessando. E por tanto, não poderiam deixar de serem publicizados.

Além de um importante registro histórico, que possa servir também para que reflitamos sobre os limites e desafios da educação em tempos como o que estamos vivendo. E a partir daí pensar em políticas educacionais que superem esses limites e desafios – imposto não só pela pandemia, mas também pelo avanço tecnológico cada vez mais intensos.

Pedro Ferreira Nunes - Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente atua como Professor da Educação Básica no CENSP -Lajeado.

Baixe no link: Relato de Experiência: Escola Vazia  

quarta-feira, 12 de agosto de 2020

Breve reflexão sobre Arte Popular e Música Popular brasileira a partir do Filósofo Adolfo Sánchez Vásquez

O que é Arte popular? Eis a questão que pretendemos responder a partir das reflexões estéticas do Filósofo Adolfo Sánchez Vásquez. Nessa linha o primeiro ponto para o qual chamamos atenção é acerca do fato de que de acordo com Vásquez  (2011) a expressão “arte popular” é objeto diário das mais grosseiras mistificações. Diante disso ele defende a necessidade de buscar reestabelecer o seu verdadeiro significado. 

Para Vásquez (2011) “uma das mistificações mais comuns consiste em identificá-la com o que nós chamamos de Arte de massas, ou arte própria do homem alienado e coisificado da sociedade industrial capitalista”. Ele salienta que não se deve confundir a arte popular com a arte mais consumida, mais “popular”, isto é, a arte de massas, tão pouco é legítimo estabelecer um sinal de igualdade entre ela e uma arte de costumes, regionalista ou provinciana; isto é, como uma arte populista. Dito isto, percebemos que para Vásquez existe a arte popular,  a arte de massas e a arte populista. Esta última está ligada aos costumes, a segunda ao consumo e a primeira?

De acordo com Adolfo Sánchez Vásquez (2011) “a arte popular é expressão profunda das aspirações e interesses do povo numa dada fase histórica e, como tal, mantém certa relação com a política, mas essa relação, por um lado não é exterior, algo que se imponha de fora, e, por outro, não é direta e imediata”. É a mesma linha que segue Oliveira (2019) ao afirmar que “toda arte é potencialmente política porque, para além de sua função social, ela é resistência, afeto, insubordinação e, muitas vezes, é a tomada de consciência de que as bandeiras partidárias são menos relevantes do que o ato de existir em sociedade e nela insistir nas revoluções diárias”.

Voltando a Vásquez, ele nos diz que “a arte verdadeiramente popular – em todas as épocas – sempre esteve em estreito contato com a vida humana, com o povo, revelando assim um profundo conteúdo ideológico”. Trata-se portanto de uma arte tendenciosa. Pois “expressa os mais elevados interesses de um povo numa fase histórica dada”. Isso, porém, não significa fazer desse tipo de arte um anacronismo. Pois “sendo fiel ao seu tempo, a arte sobrevive a ele e, desse modo, continua vivendo com o próprio movimento da vida real” (2011, p. 251).

Ainda de acordo com Vásquez  (2011) “uma arte popular assim entendida, sem a carga das mistificações que se associam a essa expressão, é, em suma, a arte universal de todos os tempos; a arte que não se contenta com uma forma bela e que, fundida com esta, oferece o rico e profundo conteúdo ideológico que corresponde às aspirações e esperanças de um povo, numa fase histórica do seu desenvolvimento”.

A partir dessa afirmação podemos dizer que o Adolfo Sánchez Vásquez rompe com a dicotomia entre arte popular e erudita. Sobretudo a visão de que a arte erudita seria aquela que representa valores universais e a arte popular os costumes locais. A partir da perspectiva do Vásquez sobre a arte, talvez seria mais interessante falar em arte popular x arte antipopular.

Vásquez (2011) salienta que na maioria dos países do mundo contemporâneo  “não existe uma verdadeira criação popular; seus frutos, em muitos casos, não são mais do que pálidos vestígios de um impulso criador hoje inexistente”. Para nosso filósofo “uma vez que se esgotaram suas possiblidades criadoras no terreno artístico, encontramos apenas o consumidor: mas o consumidor pacífico, impessoal e desumanizado”. Nesse contexto a arte é mais um instrumento de alienação do que de libertação. Sendo assim essa arte não pode ser denominada de arte popular. Pois a arte popular, por sua perdurabilidade “compartilha do destino autêntico das grandes criações individuais: o de superar o particular humano para assim enriquecer o universal” – ao contrário da Arte descartável que domina atualmente.

A reflexão do Vásquez sobre arte popular me fez lembrar de uma discussão que se tem hoje no Brasil acerca de qual seria a verdadeira música popular brasileira. Com alguns defendendo que seria a música Sertaneja, por ser sem dúvidas, a mais ouvida atualmente. Enquanto a chamada MPB estaria mais elitizada. Mas se seguirmos a tese do Adolfo Sánchez Vásquez não é pelo fato de ser a música mais ouvida na atualidade que faz do Sertanejo a verdadeira “música popular brasileira”. Na verdade ela se encaixaria no que o filósofo denomina de arte de massas. 

Tendo a seguir o que diz o filósofo. Eu particularmente sempre achei que tem mais elemento das nossas matrizes culturais na música de uma banda de rock como o Sepultura (ouça canções como Itsari, Ratamarata, Kaiowas, Phanton Self, Capital Enslavement) do que em muitos artistas da música sertaneja na contemporaneidade (não sei nem se dá para classificá-los de Sertanejos pois os elementos da cultura sertaneja estão cada vez mais ausente de suas composições). Desse modo o Sepultura, mesmo tocando metal com letras em inglês, faz arte popular mais do que muitos daqueles que são denominados de artistas populares – Vásquez nos diria que se o fator a se considerar for a popularidade certamente são – mas se o aspecto for a criação ligada as aspirações da coletividade – não.

Por Pedro Ferreira Nunes – Educador Popular e Licenciado em Filosofia pela Universidade Federal do Tocantins. Atualmente leciona Artes e Filosofia no Colégio Estadual Nossa Senhora da Providência. 

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

OLIVEIRA, Alecsandra M. de. Arte e Política, eterna questão. Disponível em: https://jornal.usp.br/artigos/arte-e-politica-eterna-questao/. Acesso em: 27 de jul. 2020.

VÁSQUEZ, Adolfo Sánchez. As ideias estéticas de Marx. 3° Ed. São Paulo: Expressão Popular, 2011.