sexta-feira, 17 de junho de 2016

Conto: Um certo barbudo

Era quase noite, a criançada tomava as ruas para brincar despreocupadamente, os vizinhos sentados em suas cadeiras jogavam conversa fora, outros desciam rumo ao colégio. O vento frio do mês de junho descia das serras e deixava aquela pequena cidade com um clima agradável, totalmente ao contrario do calor infernal que fizera durante o dia.

Quando aquela figura passou por ali, chamou a atenção de todos. Em uma cidade onde todo mundo conhece todo mundo, não seria difícil perceber que aquela figura não era dali. Ainda mais um sujeito tão diferente – era de altura mediana, tinha a pele morena, um olhar triste, seguia com a cabeça baixa, usava uma calça jeans azul desbotada, e uma camiseta verde, tinha um chapéu preto na cabeça e uma grande mochila nas costas, a tira colo trazia um embornal de crochê e um violão na mão, era possível ver varias tatuagens em seu braço - em destaque uns lagartos e um nome de uma mulher, além das tattos chamava muito atenção a sua longa barba.

Sem falar ou cumprimentar ninguém ele seguiu o seu caminho. Deixando todos ali intrigados – quem seria tal figura? De onde vinha? O que queria ali aquele barbudo?

O tal barbudo instalou-se em uma casa a muito abandonada, mas que ainda se encontrava bem conservada. Ficava próximo a uma praça, um pouco afastada do centro da cidade, mas com uma vista maravilhosa para a cordilheira de serras que cercavam o local.

Como a cidade não era grande bem como o numero de habitantes logo a novidade da chegada de figura tão diferente naquele local tornou-se de conhecimento de todos. As crianças encantaram-se por aquele barbudo, os jovens o admiravam, algumas mocinhas até suspiravam ao vê-lo, mesmo ele não sendo bonito. Os adultos achavam que ele seria um vagabundo, outros, em especial os mais idosos tinham medo dele.

Ele seguia a sua vida por ali, não tinha contato e nem amizade com ninguém dali. Passava grande parte do seu tempo em casa fazendo seu artesanato – sim ele era um artesão. Quando terminava de fazer seu trabalho jogava tudo na mochila seguia até a beira da rodovia para pegar um carro até a capital ou mesmo outras grandes cidades do interior do estado onde vendia seus trampos. As vezes passava até uma semana ou mais sem voltar para casa. Todos na pequena cidade já começavam a imaginar que fim teria tido o barbudo – era assim que ele era conhecido por ali, já que ninguém sabia o seu nome. Mas de repente ele aparecia de novo por ali, passava mais algum tempo fazendo mais artesanato com material que ele recolhia nas serras do local e depois desaparecia novamente.

Ele chegava em sua casa sempre na boca da noite. Ligava o som, gostava de ouvir uma musica diferente da que o pessoal dali ouvia. Diziam que era rock clássico – Janis Joplin, Bob Dilan, The Doors. Um que todos conheciam era Raul Seixas. Da janela podia vê-lo preparando um mate quente para tomar. Mas as vezes ele acendia um cachimbo e sentava em uma cadeira de balanço olhando para o céu, ou então tomava um conhaque e tocava seu violão cantarolando aquela musica diferente que ele tanto gostava.

Dificilmente o viam sorrindo, conversando com alguém – era um solitário. Tinha um olhar triste, o que teria acontecido para que ele vivesse daquela forma tão melancólica? Muitos tinham vontade de aproximar-se dele, de conversar, de fazer amizade, no entanto tinham receio de serem repelidos já que ele aparentava ser tão fechado.

Quem seria responsável por tamanha tristeza. Ele tinha o nome de uma mulher tatuado no braço – Maria Lucia seria ela a responsável por tamanha tristeza? Quem sabe.

Era manhã cedo, no horizonte surgiam os primeiros raios de sol. Eu seguia para o colégio e como sempre passei em frente à casa do barbudo para quem sabe vê-lo por ali, mesmo de longe. Mas eu bem sabia que ele não era de levantar muito cedo.

 Eu era muito jovem, uma criança ainda, mas era apaixonado por aquela figura incrível, eu o admirava muito, ele fora com certeza a minha primeira paixão. Mesmo que ele não falasse comigo, que se quer me desse um sorriso, mas eu estava lá todos os dias a tarde brincando na rua em frente a sua casa para vê-lo com sua guapa de tereré.

Eu era uma criança ainda, mas era apaixonada por ele, como queria ser eu a mulher que tinha o nome tatuado no braço dele. Mas ele se quer notava que eu existia, também eu era apenas uma criança. Porém eu tinha a esperança de me tornar um dia a sua companheira e juntos, andaríamos por esse mundo afora embelezando as pessoas com nosso artesanato.

Naquela manhã que eu passava em frente a sua casa indo para o colégio aconteceu algo incrível. Para minha surpresa quando eu me aproximo da casa dele me deparo com ele. Estava trajado tal como no dia que chegara ali. A minha surpresa maior ainda foi quando pela primeira vez desde que ali chegara ele me cumprimentou, olhou para mim e sorriu. Eu retribuí o gesto radiante de felicidade.

- Bom dia.

- Bom dia. Tudo bom contigo meu!?

- Sim. E com o senhor?

- Eu estou bem. Você esta indo para a escola?

- Sim.

- Posso ti dar um presente?


Eu era ainda muito jovem, ainda uma criança, mas aquele seria o dia mais feliz da minha vida e também o mais triste. Feliz por que ele falou comigo e me deu um presente que ainda guardo até hoje – um símbolo da paz. Mas triste por que aquela foi a ultima vez que o vi, pois ele nunca mais voltou ali. Ninguém dali soube que fim ele levou, mas eu espero que ele tenha reencontrado a sua Maria Lucia.

Pedro Ferreira Nunes - Poeta e escritor popular tocantinense.

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