Conheci
as canções de Belchior no final da minha adolescência e logo se
tornaram parte da trilha sonora da minha vida. As três primeiras
canções desse grande artista que conheci e que me marcaram
profundamente foram – “Comentários a respeito de John”, “Como
nossos pais” e “Tudo outra vez”. Eram canções que ouvíamos
nas noites frias lajeadenses conversando sobre educação, política
e poesia – “saia do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem
que eu descida a minha vida...”. Mas foi quando deixei o interior
tocantinense para morar em terras goianas que as canções de
Belchior se tornaram mais presente na minha vida – aquelas letras
um tanto melancólicas refletiam justamente o momento que estava
vivendo.
Uma
das letras que marcaram os meus primeiros dias em terras goianas era
“Tudo outra vez – há tempo, muito tempo que estou longe de casa
e nessas ilhas cheias de distância o meu blusão de couro já se
estragou, ouvi dizer num papo da rapaziada que aquele amigo que
embarcou comigo, cheio de esperança e fé já se mandou”. Essa
canção sempre me vinha na cabeça, sobretudo quando sentava em
algum terminal esperando o ônibus para ir para o trabalho ou
voltando para o barracão onde morava. Lembrava que estava longe de
casa e que a companheira que havia ido comigo não aguentara e
voltara para o Tocantins. Ah, como sentia falta do Tocantins, do
Lajeado – das ruas, do rio, da serra, dos amigos e dos amores que
aqui deixara.
“Apenas
um rapaz latino americano” e “Apalo seco” foram canções
significativas também nesse período. “Tenho 25 anos de sonho e de
sangue e de américa do sul, por força desse destino um tango
argentino vai bem melhor que um blues”. Desde então quando era
questionado quem eu era e de onde vinha – dizia: “Eu sou apenas
um rapaz latino americano, sem dinheiro no banco, sem parentes
importantes e vindo do interior”. Eu não seria capaz de fazer de
minha própria inspiração uma definição tão perfeita de mim
mesmo. E quando entrei para faculdade de Serviço Social, Belchior
continuou a me acompanhar. Nesse período ouvia muito “Galos,
noites e quintais” nas minhas noite de solidão lembrando da minha
adolescência no Lajeado – “quando eu não tinha o olhar
lacrimoso que hoje trago e tenho... eu era alegre como um rio, um
bicho, um bando de pardais, como galos quando havia, quando havia
galos noites e quintais, mas veio o vento forte e a força fez comigo
o mal que a força sempre faz, não sou feliz, mas não sou mudo,
hoje eu canto muito mais”.
Depois
veio a militância politica junto aos operários, aos camponeses
pobres e aos estudantes. Embalado pelos versos de “Velha roupa
colorida – Você não sente nem vê, mas eu não posso deixar de
lhe dizer meu amigo, que uma nova mudança em breve vai acontecer”.
De “Conheço o meu lugar – não há motivo para festa ora essa
não sei rir a toa, fique você com a mente positiva, eu quero voz
ativa ela é que é uma boa”. Passava noites em claro escrevendo
propaganda subversiva para espalhar nos acampamentos e assentamentos
de camponeses pobres interior à dentro como também em outras
frentes de lutas que participávamos. O que relatei nos bastidores do
diário da ocupação da superintendência do INCRA-GO: “Á noticia
também chegou ao ouvido de outros camaradas que começaram a
comemorar, no entanto foi preciso alertar para que não se fizesse
muito alarde e nem se espalhasse. Em seguida segui para a sede do
movimento Terra Livre no setor universitário, chegando lá comprei
umas cervejas, coloquei algumas canções do Belchior e comecei a me
inspirar para escrever as notas”. (2014; 92).
E
essa não foi à única vez que fiz questão de declarar a
importância das canções desse grande artista para mim – do
quanto me influenciaram e continuam a me influenciar, por exemplo, no
poema “Minhas Paixões” onde declaro: “Ouvir Belchior, tomar
uma cerveja gelada, fumar um gostoso palheiro, andar nas ruas de
madrugada”. Ou no poema “Teu olhar” que escrevi: “Teu olhar
de menina me fascina, como as canções de Belchior, como a vida no
interior, como um guerrilheiro que luta movido pelo amor”. Belchior
também esta presente nas minhas crônicas e contos. Como por
exemplo, na crônica “Tudo bem que se fizesse um shopping em
Miracema, mas era mesmo preciso acabar com o mercadão?” Escrevi:
“Como diz a bela
canção do Belchior ‘ É você que ama o passado e que não vê
que o novo sempre vem’. Será que sou assim? Não é que eu odeie o
novo e muito menos amo o passado. O fato é que eu não posso aceitar
a lógica de que o novo para subsistir precisa destruir a nossa
história. Não, não posso aceitar essa lógica. Claro que o novo
deve vir, mas para tanto não precisamos destruir a nossa história”.
(2013; 2).
Já
se passaram muitos anos desde que escutei pela primeira vez “saia
do meu caminho, eu prefiro andar sozinho, deixem que eu descida a
minha vida...” Muita coisa mudou, mas continuo fazendo desses
versos uma filosofia de vida. E assim continuo sendo um rapaz latino
americano com um diploma de sofrer de outra universidade e que ainda
é um estudante que sonha e escreve em letras grandes pelos muros do
país que viver é melhor que sonhar e que o amor é uma coisa boa.
Obrigado Belchior! Obrigado por esta ao meu lado estes anos todos
fazendo parte da trilha sonora da minha vida. Uma vida que continua
não sei até quando, mas da qual espero me despedir fumando um
cachimbo, tomando um conhaque e ouvindo suas canções.
Pedro
Ferreira Nunes
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