quinta-feira, 29 de junho de 2017

A revolta dos lambaris

Para meu sobrinho Pedro Henrique e a pequena Sophia.
As águas do Tocantins estavam agitadas e não era pelo vento do mês de agosto, ou pelos motores dos barcos de pescas que remexiam cada milímetro daquele rio em busca de peixe. O que estava deixando as águas do rio Tocantins agitadas naquela manhã era a revolta dos lambaris.
- Chega, não dá mais. Não podemos aceitar pacificamente sermos comida dos peixes grandes.
- Mas camarada beradeira, como é que iremos resistir aos ataques das cachorras, dos jaus, das caranhas, das piranhas e da piraiba? Não tem jeito, essa é a nossa sina.
- Isso quando não nos resolvem pescar né?!
- Então?! Ainda por cima tem os pescadores.
- Vamos resistir, vamos nos organizar, vamos lutar pela nossa vida camaradas mandi e piau pirico.
- Mas nós já fazemos isso.
- A verdade é que cada um faz por si e deus por todos, e sempre acabamos nos dando mal. Por que não fazermos juntos? Somos maioria e juntos teremos mais força para resistir aos ataques dos predadores.
Os lambaris haviam acabado de sofrer um ataque de um cardume de cachorras sedentas de fome. E neste ataque a pobre beradeira havia perdido queridos amigos. O que foi a gota d’água para que ela se revoltasse e tentasse convencer os outros lambaris a se rebelar e resistir aos ataques dos peixes grandes.
No entanto não seria fácil convencer os outros lambaris de que era possível lutar contra os peixes que queriam lhes devorar. Aliás, pensavam que a pobre beradeira só podia esta louca – onde é que já se viu – frágeis lambaris enfrentar feras sedentas de fome, como as cachorras, por exemplo. As cachorras era o peixe mais temido dos lambaris, pois era o único que ousava a ir até a beira do rio atrás de sua presa. Se o lambari saísse d’água ela ia atrás busca-lo.
Assim não havia alternativa para os lambaris se não nadar, nadar e nadar, pois o mais lento com certeza iria virar alimento para aquelas feras.
Mas a beradeira estava convencida de que aquilo tinha que ter um fim. Eles não podiam viver eternamente fugindo. Precisavam se unir e enfrentar os predadores. Precisavam lutar por suas vidas.
- Se todos nós lambaris nos unirmos eles não nos pegaram. Não se esqueçam, somos maioria e juntos somos mais fortes.
- Como que nós vamos enfrentar aquelas feras camarada beradeira? Você está louca? É morte na certa. Se correndo delas a gente já morre imagina se nós decidirmos enfrenta-las. Não dá, não dá.
- Como não, nós nunca tentamos camarada cascudo.
- Se algum lambari tentou não está vivo para contar a história. Não é mesmo?
- Deixa de pessimismo camarada cascudo. Por que não tentarmos. De qualquer jeito a gente vai morrer. Pelo menos morreremos lutando pela nossa vida, morreremos com dignidade.
- Até você camarada piau?
- Muito bom camarada piau. Falou bonito.
- Vocês já pensaram se todos os lambaris daqui se unir – os piaus, os mandis, as beradeiras, os cascudos, os piricos. Todos, todos. Nós podemos sim resistir e vencer o ataque das piraibas, dos jaus, dos pintados, dos barbados, das piranhas, das caranhas e até das cachorras.
As palavras do piau mexeram profundamente com todos ali, e os lambaris que antes eram totalmente arredios à ideia apresentada pela beradeira de resistirem aos ataques dos peixes predadores agora já começavam a se convencer do contrário.
- Bom, apesar das palavras do piau continuo achando uma loucura. Mas se todos, todos, toparem eu também topo.
- Que bom camarada cascudo. É isso mesmo, a gente só vai se todos forem. E quem for tem que ir até o fim. Certo?
- Certo camarada piau. E então, todos topam?
Todos disseram sim.
A traíra que observava toda aquela discussão em silêncio saiu da sua toca e seguiu rumo ao canal onde estava um cardume de cachorras.
- Amigas cachorras trago-lhes uma noticia que vocês não irão acreditar. Não vão acreditar mesmo.
- Então diga logo que não temos tempo para perder com você não senhora traira.
- Isso mesmo, estamos nos preparando para sair para uma caçada atrás de uns lambaris agora mesmo.
- E você está nos atrasando.
- Desculpe amigas cachorras. Mas a noticia é muito importante para vocês.
- Então diga logo, hora!
- Mas antes de lhes dizer quero algo em troca.
- Ha, ha, ha. Tinha que ser né. Você não dá ponto sem nó não é dona traira?! Vai lá desembucha. O que você quer em troca pela noticia?
- Vocês tem que prometer que não iram atacar nem a mim e nem a minha família.
- Não se preocupe que nós não comemos carne imunda. Agora vai logo qual é a noticia tão importante que você tem para nós? Que seja boa mesmo, pois se não ti comeremos só de raiva.
- Acabo de assistir uma discussão entre todos os lambaris que decidiram que não vão mais fugir de nenhum peixe grande. Principalmente de vocês cachorras.
- E o que aconteceu? Decidiram se suicidar em massa?
- Ah, desse jeito nossas caçadas vai perder a graça.
- Eles decidiram que iram enfrentar vocês e qualquer peixe que tentarem pega-los para comer.
- O que?
- É isso mesmo.
- Ha, ha, ha. Essa eu pago pra ver. Vamos ver se eles são tão corajosos assim.
- Não vai sobrar um para contar história. Não é mesmo comadre?!
- Não lhes disse amigas cachorras que a noticia era quente?!
- Ok. Você já fez a sua trairagem de hoje, agora vasa. E companheiras se preparem que vamos à caçada.
- Eita, vamos botar pra quebrar cachorrada.
Sedentas de ódio o cardume de cachorras partiram destruindo tudo que viam pela frente atrás dos lambaris. Elas não acreditavam que os lambaris seriam capazes de enfrenta-las, mas se eles fossem doidos o suficiente para isso não ficariam vivos para contar a história.
Todos os lambaris estavam em alerta, pois sabiam que a qualquer momento poderiam sofrer um ataque. De repente um aviso do piau pirico.
- Camaradas se preparem que lá vem às cachorras.
No entanto com a aproximação do perigo muitos lambaris começaram a correr.
- Não fujam vamos resistir. Vamos resistir.
O grito da pobre beradeira parecia ser em vão, pois os lambaris continuavam fugindo cada vez que o cardume de cachorras se aproximava.
- Ha, ha, ha. Eram esses aí que iam resistir. Tão é fugindo como sempre.
- Eu não vou fugir, eu vou resistir.
- Não seja boba camarada beradeira, todos estão fugindo você vai ficar sozinha e vai virar comida.
- Não importa, vou morrer lutando.
- Estou contigo camarada beradeira. Vamos morrer lutando. Disse o piau flamengo.
E assim foram os dois resistir sozinhos ao ataque das cachorras.
- Estão loucos vão morrer.
E de fato não resistiriam por muito tempo. A luta deles contra as cachorras era suicida.
- Vocês vão pagar caro por sua ousadia. Gritou a cachorra líder do cardume.
As cachorras partiram sem piedade para cima do piau e da beradeira.
- Camaradas não vamos deixa-los morre sozinhos. Vamos ajuda-los. Gritou o cascudo.
E de repente começou a surgir lambaris, lambaris e mais lambaris, tanto lambaris que as cachorras nunca haviam visto em suas vidas. Surgindo de todas as locas e atacando-as. Elas até conseguiam matar alguns, mas quanto mais elas matavam, mais lambaris surgiam.
- É impossível vence-los. Precisamos fugir se não morreremos todas aqui. Olha o tanto de ferroada de mandi que já levei, estou toda sangrando. É já que ás piranhas e os candirus vão nos devorar.
Enquanto as cachorras partiam derrotadas os lambaris comemoravam a vitória heroica que haviam acabado de conseguir contra um dos seus principais predadores do rio Tocantins.
- Viva a revolta dos lambaris!!!
- Viva!!!
Todos gritavam festejando.
Mas a beradeira que estava toda ferida do ataque que havia sofrido, e que, no entanto havia sobrevivido, alertava a todos.
- Camaradas, essa foi apenas uma batalha, a partir de agora que a guerra vai começar e todos os predadores desse rio tentaram nos derrotar de qualquer jeito e por isso precisamos esta preparados para enfrenta-los.
E a beradeira tinha razão mais uma vez, a noticia da revolta dos lambaris e a derrota das cachorras havia se espalhado por todo o rio Tocantins. E agora todos os outros predadores estavam se preparando para atacar os lambaris.
- Não podemos aceitar isso. Precisamos o quanto antes suprimir essa revolta. Já pensou se isso se espalhar por todo o rio Tocantins e depois para todos os rios do Brasil e do mundo? Dizia as caranhas.
- Vamos esmagar essa revolta antes que vire uma revolução. Dizia os jaus.
No entanto um por um foi sendo derrotado – jaus, piraiba, barbado, pintado, caranha. A revolta dos lambaris tornava-se cada dia mais forte e se espalhava por todo o rio. Com isso os peixes predadores tiveram que virar vegetariano se não quisessem morrer de fome. E os lambaris puderam viver em paz nas águas do Tocantins.


Pedro Ferreira Nunes
Casa da Maria Lúcia. Lua Nova – Verão de 2017. Lajeado do Tocantins.

quarta-feira, 21 de junho de 2017

Todo Apoio a Greve Geral Dia 30 de Junho para Derrotar as Reformas do Desgoverno Temer!


Dia 30 de junho a classe trabalhadora cruzará os braços mais uma vez em todo país para derrotar as reformas do desgoverno Temer. E nós do Coletivo José Porfírio apoiamos incondicionalmente a greve geral e conclamamos a todas as organizações dos trabalhadores no Tocantins a se somarem ao movimento.

A última greve geral mostrou a nossa capacidade de articulação quando fizemos manifestações em mais de 100 cidades tocantinenses – com destaque para as mobilizações em Palmas, Porto Nacional, Araguaína e Miracema – um fato inédito na história do Tocantins. Á nível nacional a greve também foi vitoriosa conseguindo paralisar totalmente o país – apesar de todo o bloqueio da mídia e do desgoverno Temer tentado deslegitimar o movimento.

Não tínhamos nenhuma ilusão que com uma greve geral de um dia conseguiríamos derrotar as reformas e derrubar o desgoverno Temer. Portanto a importância maior da greve geral de abril foi mostrar a nossa capacidade de reação a estes ataques. Quanto a isso não há duvida – a nossa capacidade de resistir e lutar cresce a cada dia. Seja no campo, seja na cidade – operários, camponeses e estudantes perceberam que só com luta podemos reverter os ataques aos nossos direitos.

Agora estamos em outro patamar, o desgoverno Temer já não existe – respira por aparelhos e cabe a nós desliga-los. Até mesmo setores da burguesia perceberam isso e tentam se desfazer dos anéis para manter os dedos. Isto é, tentam se livrar de Temer para garantir que as reformas avancem no congresso nacional. Porém estas também perderam força. E quanto mais tempo passa, mais difícil será para aprova-las, sobretudo porque deputados e senadores estão mais pensando na sua sobrevivência do que em aprovar reformas que são amplamente rejeitadas pela população.

No entanto isso não quer dizer que já vencemos a batalha. É preciso continuar lutando incansavelmente para enterrar definitivamente essas reformas como também o desgoverno Temer que tenta reagir mesmo sem nenhuma condição para tanto. A Greve Geral dia 30 de Junho será decisiva dai a importância de todas e todos participarem do movimento, construindo uma mobilização histórica, maior do que fora a greve de abril.

O momento histórico exige de nós toda dedicação e sacrifício – força e coragem na luta pela transformação da sociedade. Com o exemplo e a coragem dos camaradas que há 100 anos atrás fizeram a primeira greve geral no país e dos camaradas que abalaram o mundo na Rússia, sigamos sem vacilar. Aliás, não há homenagem melhor nesse centenário da Revolução Russa que manter acesa a chama da luta pela emancipação da classe trabalhadora. Portanto, vamos lá, dia 30 de junho mais uma vez mostrar para as elites oligarcas desse país “que se não podem se vestir com nossos sonhos, não falem em nosso nome”.

Pedro Ferreira Nunes
Pelo Coletivo José Porfírio

Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO, Lua Minguante – Verão de 2017.

Cada camarada que se opõe a ditadura militar e deseja resistir fazendo alguma coisa, mesmo pequena que a tarefa possa parecer. Eu desejo que todos que leram este manual e decidiram que não podem permanecer inativos, sigam as instruções e juntem-se a luta agora. Eu solicito isto porque, baixo qualquer teoria e qualquer circunstâncias, a obrigação de todo revolucionário é fazer a revolução.

Manual do Guerrilheiro Urbano, Carlos Marighela.

Cesar Simoni e a política de Segurança Pública no Tocantins

Secretário de Segurança Pública -TO
A divulgação recente do atlas da violência 2017 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) não trouxe nenhuma novidade a cerca da crescente violência no país. Violência que vem sendo denunciada há algum tempo por movimentos sociais – pelo fato de ter um alvo especifico – jovens negros da periferia e mulheres. O que foi inclusive fruto de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) no senado federal.

Diante disso o que cabe ressaltar nesse episodio é a resposta das forças de segurança diante dos dados oficiais. E é justamente por se tratar de dados oficiais – dados levantados por um órgão de Estado – que a Segurança Pública se viu obrigada a dar uma resposta. Pois se se tratasse de um levantamento de uma ONG, seria peremptoriamente ignorado ou negado. Portanto, é ai que está à importância do atlas, pois apesar de apenas afirmar o que já se sabia pelos movimentos sociais, acaba dando legitimidade a pauta dessas organizações.

No entanto nosso objetivo principal aqui é analisar a resposta dos órgãos de segurança pública, mais especificamente, a resposta dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins. Comecemos, portanto fazendo algumas perguntas: Qual foi à postura do Governo Estadual através da Secretaria de Segurança aos dados apresentado pelo atlas da violência 2017 no Tocantins? Quais serão as ações tomadas para reverter o quadro de crescente violência no Estado? A fala do senhor Cesar Simoni – atual Secretário de Segurança Pública nos dá essa resposta.

Antes vejamos os dados que obrigaram os órgãos de Segurança Pública do Tocantins a se posicionarem. De acordo com o IPEA entre 2005 e 2015 houve um aumento de 164% no número de assassinatos no estado. A taxa de homicídios avançou 128% - indo de 14 para 33 mortes para cada 100 mil habitantes, isso em 10 anos. Seguindo a tendência nacional, os jovens na faixa etária entre 15 e 29 anos são os mais vitimados no Tocantins. Por exemplo, em 2015 o aumento foi de 176% em relação a 2005 de vitimas nessa faixa etária. Os dados do IPEA também mostraram que os mais atingidos são os jovens negros – 32,8 mortes para cada 100 mil habitantes. Já entre as outras etnias o índice é de 27,9 mortes para cada 100 mil habitantes. Também cabe destacar o aumento dos índices de violência contra as mulheres – em 10 anos teve um aumento de 128% no Tocantins.

Diante desse quadro qual foi à resposta do Secretário de Segurança Pública do Tocantins? A culpa é do estatuto do desarmamento. Para Cesar Simoni “desarmar o cidadão foi um ato impensado, um resultado que não aconteceu”. Logo, portanto é preciso armar o cidadão, pois para Simoni “hoje qualquer bandidinho entra em um restaurante, rende todo mundo com um revolver 32, atira e mata uma pessoa e sai ileso. Se ele soubesse que poderia três, quatro ou cinco armados não faria isso”.

Refletimos sobre esse exemplo. Será que de fato o “bandidinho” desistiria ou a possibilidade de um tiroteio vitimar muito mais pessoas com tanta gente armada não seria muito maior? Nos parece que a resposta é óbvia. E para tanto não precisa ser um perito em segurança para deduzir no que resultaria um tiroteio com pessoas despreparadas num restaurante.

Além de defender o armamento da população – voltando a uma espécie de faroeste. Os representantes dos órgãos de Segurança Pública do Tocantins também falaram na criação de mais delegacias e no aumento de contingente da policia militar através de concurso público. Isto é, aumentar os instrumentos de coerção e punição – seguindo a lógica de remediar em vez de prevenir. Nada se falou, por exemplo, em investir na inteligência, para atuar na perspectiva de evitar que crimes aconteçam. Não se falou, por exemplo, que o problema não é prender, pois se prende até de mais no Tocantins. A questão é quem se prende. De acordo com Silva (2016) “prisões da miséria que assola negros, que são assolados pela pobreza”. E que se quer tem direito a julgamento, pois o Tocantins ocupa o primeiro lugar no ranking de presos sem condenação, são 75% segundo dados do DEPEN de 2015.

Cabe, no entanto ressaltar que o discurso do secretário de Segurança Pública do Tocantins não é um discurso isolado. Representa muito bem um discurso cada vez mais forte na sociedade – e que no Congresso Nacional tem na bancada da bala o seus representantes. Bancada que, aliás, tentou revogar o estatuto do desarmamento. A famigerada bancada da bala é hoje a principal bancada no Congresso Nacional com 275 deputados, superando a bancada do boi e a evangélica. Mas que no final das contas formam uma única bancada a BBB (da Bala, do Boi e da Bíblia).

Este grupo, do qual o senhor Cesar Simoni faz parte esta longe de querer resolver a crise na segurança pública brasileira. Aliás, os dados acima, nos faz refletir se se trata de fato de uma crise ou de um projeto em curso – um projeto de higienização e criminalização da pobreza. E ai não tem como citar Darcy Ribeiro no seu celebre texto “Sobre o óbvio” quando ele fala da “crise educacional”. De acordo com Ribeiro (1986) “a crise educacional do Brasil da qual tanto se fala, não é uma crise, é um programa. Um programa em curso, cujos frutos, amanhã, falarão por si mesmos”. Podemos estender isso para a questão da segurança pública também.

Por fim, longe de defender o cidadão, o que se vê por parte desse grupo do qual o Secretário de Segurança Pública do Tocantins faz parte, na verdade, é a defesa dos interesses da indústria armamentista. Que ninguém se iluda quanto a isso.

Pedro Ferreira É Educador Popular e bacharel em Serviço Social. Atualmente cursa Filosofia na Universidade Federal do Tocantins.

terça-feira, 13 de junho de 2017

Arte de resistência: Algo de novo pelos bosques e praças da capital.



É preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
Gadamer
 
Foi numa noite fria lajeadense tomando conhaque e fumando cachimbo que tomei conhecimento do projeto do artista plástico Rogério Caldeira intervindo na paisagem da capital – expondo suas obras de arte nos bosques e praças. Peças feitas a partir de lixo eletrônico.
Se comparado com outras grandes cidades Palmas é um tanto fria, fragmentada, sem uma grande presença de arte urbana nos seus muros, praças e bosques. Não que não exista arte urbana em Palmas, o problema é que está muito guetizada, muito enclausurada em espaços específicos. Rogério Caldeira que divide sua vida entre Palmas e Lajeado tem subvertido isso – em vez de aceitar essa guetização, tem exposto nas praças e nos bosques, ao alcance de tudo e de todos.
Seja na praça dos girassóis, feira do bosque, espaço cultural, rodoviária, prainha da UFT ou em Taquaruçu – se você ainda não se deparou provavelmente irá se deparar com uma das obras de arte desse artista plástico tocantinense – convidando-o a refletir e a interagir já que a intenção de Rogério Caldeira é que o espectador não permaneça passivo diante do seu trabalho. Mas que também possa intervir modificando-os já que não se trata de algo intocável como as obras de artes expostas em museus e galerias. E com isso mesmo sem saber o artista está buscando aquilo que afirmou o filósofo alemão Hans-Georg Gadamer de que “é preciso ver a obra de arte como se estivéssemos vendo o mundo diante de nós. Vendo a obra de arte como o mundo e não como um objeto, ela deixa de ser meramente perceptível para se tornar conhecimento”.
O projeto não tem nome, não tem patrocinadores, é ele (artista) por ele mesmo. O que não é de se lamentar já que lhe garante total liberdade de criação. E foi justamente isso que me encantou no projeto e me fez escrever essas linhas. Pois precisamos de mais iniciativas nesse sentido. Iniciativas que fortaleça a arte no Tocantins, libertando-as das amarras do sistema hegemônico. Rogério Caldeira no melhor estilo anticapitalista subverte a ordem estabelecida expondo o seu trabalho na rua.
As obras
Á maioria das peças são feitas a partir de lixo eletrônico, especialmente televisores, além de outras sucatas que o artista recolhe pelas ruas da capital. Ele leva para seu atelier onde a transformação acontece. O que antes seria lixo descartado na rua é transformado em obra de arte. Muitos dirão que não se trata de uma ideia original – transformar lixo em arte. E de fato não é. O que não deixa de ser importante especialmente no contexto regional – onde a arte e a cultura são extremamente desvalorizadas e a questão ambiental completamente ignorada, pelo menos do ponto de vista prático.
No entanto ás obras de Rogério Caldeira vai muito além da questão ambiental, em uma conjuntura de questionamento do papel dos meios de comunicação, elas nos convida a refletir sobre esse domínio muitas vezes invisível – determinando o que devemos vestir, o que devemos comer, o que devemos beber, o que devemos ouvir, o que devemos fazer e no que devemos crer. Em contraposição o artista nos chama atenção para a possibilidade de construção de uma outra narrativa. Dai o convite para interferirmos nas suas obras de arte.
Questão política
Apesar do artista negar uma intencionalidade política, o fato é que se trata de um trabalho extremamente político. Mas compreendemos o seu receio em assumir claramente uma postura política, sobretudo pelo conceito equivocado que a palavra política tomou na sociedade atual, no qual os meios de comunicação que ele crítica tem um papel fundamental nessa desvirtuação. Geralmente quando ouvimos a palavra política ligamos a partidos políticos institucionalizados e a corrupção.
Mas política de acordo com o pensamento grego clássico, o qual devemos resgatar, trata-se segundo Japiassú (2001) de “tudo aquilo que diz respeito aos cidadãos e ao governo da cidade, aos negócios públicos”. Ainda de acordo com Japiassú (2001) “em sua concepção e na tradição clássica em geral, a política como ciência pertence ao domínio do conhecimento prático e é de natureza normativa, estabelecendo os critérios da justiça e do bom governo e examinando as condições sob as quais o homem pode atingir a felicidade (o bem-estar) na sociedade, em sua existência coletiva”.
Não dá, portanto para negar que o trabalho artístico de Rogério Caldeira seja eminentemente político. No entanto o que cabe questionar é se se trata de uma arte política engajada ou militante. Quanto à diferença entre arte politica engajada e militante recomendo a leitura do seguinte artigo “Resistir é preciso! Arte popular no Tocantins”, de minha autoria ou “O sentido político da arte hoje”, de autoria do Pedro Duarte. Para mim trata-se de uma arte política engajada especialmente pelo fato de que Rogério Caldeira não faz parte de nenhuma organização política, com uma proposta ideológica contra-hegemônica. O que acaba o aproximando da arte politica em geral que é feita no Tocantins.
Á margem
Por outro lado, Rogério se coloca á margem do modelo hegemônico no Tocantins, ao contrário de muitos desses artistas. Por exemplo, ele produz e expõe sua arte a revelia do poder público e dos espaços de exposição artística monopolizados por uma pequena elite de artistas. Também não é dependente de editais públicos, que muitas vezes obriga o artista a abrir mão da sua liberdade. Com isso mostra que é sim possível fazer uma arte comprometida com emancipação. Uma arte que é um convite para que ocupemos as ruas e praças de nossa cidade.
A importância do trabalho
Quem conhece minhas posições através dos meus artigos sabe que sou extremamente crítico a questão artística e cultural no Tocantins. Uma crítica que não é apenas ao governo e a falta de politicas públicas voltadas para cultura, mas também aos artistas que não se organizam e se contrapõe a essa realidade – preferem ficar mendigando por migalhas na forma de edital. Dai a minha felicidade diante desse projeto do artista plástico Rogério Caldeira, pois se trata justamente de uma ação que vem de encontro com o que defendemos para o fortalecimento das artes no Tocantins. E foi justamente por isso que me propus a escrever essas breves linhas que espero contribuir para que o seu trabalho tenha uma maior visibilidade.
Por fim, que iniciativas como essa possa inspirar mais artistas a ocuparem os muros, as praças e os bosques da nossa capital e de todo o estado. Criando um ambiente mais agradável, mais humano – onde os outdoors e as propagandas do comercio não dominem a paisagem.
Pedro Ferreira Nunes – É educador popular e estudante de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins.


Poesia: Carta para minha mãe no norte

                                            Para Minhas irmãs Vera, Kátia Cleide e Katiane.

Mãezinha querida
quando vier das bandas do norte
não se esqueça de trazer:

Bofe de gado seco
Buchada fresquinha
E óleo de coco babaçu.

Traga também farinha de puba
Feijão trepa pau
E um pouco de andu.

Não se esqueça das macaúbas
Do doce de buriti
E dos cajus.

Queremos cachorra seca
Galinha caipira
E jau.

Traga nos fumo de corda
Da chácara dos nossos avós,
Uma cachacinha com murici
Não tem coisa melhor.

Esperamos-lhe no mês de junho
Para festa do divino.
De Goiânia a trindade vamos caminhar
Para nossas promessas pagar.

Traga nos noticia de vovó
Das nossas tias e de todos por ai.
Estamos todos com muita saudade
Esperamos que faça boa viagem.

Suas netas não vêem a hora
Da senhora chegar.
Faremos uma grande festa
E aquele chambari para almoçar.


Pedro Ferreira Nunes. Casa da Maria Lúcia. Lajeado-TO. Lua Nova. Verão de 2017.

terça-feira, 6 de junho de 2017

Sobre a consulta eleitoral na UFT para Reitor e Vice-reitor

Nesta sexta-feira (09/06) a comunidade acadêmica da Universidade Federal do Tocantins (nos seus setes campus) vai novamente as urnas para escolher reitor e vice que comandará a principal universidade do nosso estado no próximo período. Logo é importante a participação de toda a comunidade acadêmica para garantir que os futuros ocupantes da reitoria tenham o aval de todos os seguimentos da universidade, isto é, estudantes, professores e técnicos administrativos.

Nesse sentido a consulta eleitoral é importante, pois mesmo se tratando de uma consulta informal – onde estudantes, técnicos administrativos e professores tem paridade no voto, é onde de fato definirá os eleitos para reitoria, já que caberá ao Conselho Universitário posteriormente, apenas homologar a decisão da comunidade acadêmica. Sendo assim, não podemos boicotar o processo, pois queiramos ou não, haverá consulta eleitoral, e o resultado dessa consulta eleitoral será homologada mesmo que apenas um segmento da universidade, no caso os técnicos administrativos, joguem peso. Pois são de fato, os que mais estão se mobilizando.

Fazemos esse alerta por que fomos um dos que desde o inicio questionamos o porquê de um processo eleitoral tão importante como esse ser feito á toque de caixa. Quando estamos finalizando um período letivo no caso de Palmas, quando alguns cursos e alguns campus já estão em recesso, quando boa parte dos estudantes e professores já estão com a cabeça nas férias. Mas o fato é que apesar de todos os questionamentos, tanto por parte dos estudantes (que se posicionaram publicamente através de uma nota assinada por 31 entidades estudantil do interior e da capital) como dos professores através do SESDUFT, o fato é que a campanha eleitoral esta a todo vapor. E boicotar para tentar reverter posteriormente na justiça não nos parece ser o melhor caminho. É prolongar uma situação de incerteza que só prejudica toda a comunidade acadêmica.

Viver a UFT ou UFT Forte?

Duas chapas disputam as eleições para reitoria da Universidade Federal do Tocantins. A chapa “Viver a UFT” com o número 11, composta pelos professores Bovolato e Ana Lúcia, reitor e vice-reitora respectivamente. E a chapa “UFT Forte” com o número 22, composta pelos professores Adão e Márluce Zacariote, também reitor e vice-reitora respectivamente.

Todos estes faziam parte do mesmo grupo dentro da UFT e, por conseguinte defendiam o mesmo projeto de universidade. Por exemplo, Bovolato já foi diretor do Campus de Araguaína e foi eleito vice- reitor na ultima consulta eleitoral ao lado da professora Isabel Auler. Aná Lúcia é atualmente a diretora do campus de Palmas. Adão foi secretário de educação no primeiro ano do governo Marcelo Miranda (nessa atual gestão) e Marluce atualmente é pró-reitora de comunicação da UFT. Todos são oriundos da antiga Unitins.

O que aconteceu para que esse grupo se dividisse em dois? A disputa eleitoral tem mostrado que se trata mais de uma briga pelo poder do que por projetos diferentes de universidade.

E quem sai na frente é a chapa “Viver a UFT”, não por que é o suprassumo da Universidade Federal do Tocantins, mas por que o outro lado consegue ser pior. O professor Adão trás no currículo uma gestão fracassada a frente da secretária estadual de educação e conta com o apoio do ex-reitor Márcio da Silveira responsável por uma operação da Policia Federal no campus de Palmas e de se silenciar diante das agressões de seguranças da Kátia Abreu a estudantes dentro do campus. Com um apoio desses a chapa “UFT Forte” tem mais a perder do que ganhar. Porém com uma campanha eleitoral que tem sido travada, sobretudo no campo virtual, não dá para decretar a vitória de ninguém de forma antecipada.

Construir uma Alternativa de Esquerda na UFT para o próximo pleito eleitoral

Para além do atual processo eleitoral é necessário que os setores de esquerda, coerente e consequente, se organizem para oferecer a comunidade acadêmica um projeto alternativo de universidade. Pois é fato que os dois grupos atuais que disputam a reitoria não representam um projeto alternativo, mas a continuidade de um projeto em curso desde a criação da UFT. Enquanto não nos unificarmos para construir essa alternativa continuaremos a reboque, sem força para enfrentar as elites que no final das contas é quem tem definido quais os rumos da Universidade Federal do Tocantins. O que é um tanto arriscado, sobretudo na conjuntura de sucateamento das universidades públicas e, por conseguinte de sua privatização.

Mais do que nunca precisamos de uma alternativa que afirma a necessidade de uma universidade pública, gratuita e de qualidade. Essa alternativa que deve ser verdadeiramente de esquerda, não é só necessária como possível. Exemplo maior foi à vitória do professor André Luiz para direção do campus de Miracema, derrotando um grupo que comandava aquele campus quando ainda se tratava da Unitins. No entanto essa alternativa não é algo que se constrói do dia para noite. Por tanto precisamos começar o quanto antes construir esse projeto alternativo que vai muito além da mera disputa por cargos na estrutura burocrática da universidade. Mas que seja sobretudo um polo de transformação da sociedade atual.

Pedro Ferreira Nunes é da Coordenação Geral do Centro Acadêmico de Filosofia da Universidade Federal do Tocantins – CAFIL/UFT.