quarta-feira, 1 de novembro de 2017

LÊNIN E A QUESTÃO DO ESTADO - II PARTE.


 PEDRO FERREIRA NUNES
GRADUANDO EM FILOSOFIA PELA UFT.

Aprendendo com as experiências históricas;
Ainda na linha de definir o que é o Estado, Lênin recorrerá há algumas experiências históricas para reafirmar o que foi dito anteriormente, isto é, o Estado como sendo produto dos antagonismos inconciliáveis de classes e como um órgão de dominação de classe. Para tanto ele buscará os escritos de Karl Marx em “Miséria da Filosofia” e no “Manifesto do Partido Comunista”. A partir dai Lênin mostra como os “pseudossocialistas” distorcem o pensamento marxista caminhando para uma ideia de conciliação de classes, sobretudo ao defender uma transformação gradual e lenta das condições de dentro do sistema.
... o único resultado dessa utopia pequeno-burguesa, indissoluvelmente ligada à ideia de um Estado por cima das classes, foi a traição dos interesses das classes trabalhadoras, como provou a história das revoluções francesas de 1848 e de 1871, como o provou a experiência da participação “socialista” nos ministérios burgueses da Inglaterra, da França, da Itália e de outros países, no fim do século 19 e começo do 20. (2010; 45)
Contra essa ideia Lênin defende a constituição do proletariado como classe dominante, que ao se apropriar do poder político, impõe a ditadura do proletariado e, por conseguinte a derrota da burguesia. Seguindo o pensamento de Marx, Lênin defende o operário como a classe revolucionária que tem o papel de vanguarda no processo revolucionário, nesse processo o partido é indispensável. Para Lênin a experiência histórica prova de maneira inquestionável que o Estado é um órgão de dominação de classe, logo “o curso dos acontecimentos obriga, assim, a revolução a “concentrar todas as forças de destruição” contra o poder do Estado; impõe-lhe, não o melhoramento da máquina governamental, mas a tarefa de demoli-la, de destruí-la”. (2010; 51)
No entanto tal posição não será assumida pelos oportunistas, que apesar de reconhecerem a luta de classes não leva essa até as ultimas consequências. Lênin destaca que a luta de classes é determinante no pensamento de Marx, no entanto reconhecer a existência da luta de classes na sociedade não faz de ninguém um marxista, pois até mesmo um liberal honesto não ousa negar a existência da luta de classes. Logo o que faz um marxista é a sua defesa da ditatura do proletariado. Nessa linha cabe uma citação bastante esclarecedora a esse respeito:
As formas dos Estados burgueses são as mais variadas; mas a sua natureza fundamental é invariável: todos esses Estados se reduzem, de um modo ou de outro, mais obrigatoriamente, afinal de contas, á ditadura da burguesia. A passagem do capitalismo para o comunismo não pode deixar, naturalmente, de suscitar um grande número de formas políticas variadas, cuja natureza fundamental, porém, será igualmente inevitável: a ditadura do proletariado. (2010; 55)
Logo podemos concluir que a perspectiva dos revolucionários deve ser a construção da ditadura do proletariado. Que terá o papel de destruir o Estado capitalista e avançar rumo à construção da sociedade comunista.
A Experiência da Comuna de Paris
Outro ponto importante destacado por Lênin em “O Estado e a Revolução” é a cerca da experiência da Comuna de Paris. A importância de analisar essa experiência histórica especificamente se dá na linha do que foi dito anteriormente a cerca de que não basta os operários tomarem o poder. No entanto, Lênin fundamentado no escritos de Marx, especialmente “O Manifesto do Partido Comunista”, “Guerra Civil na França” e o “18 Brumário”, não condenará os comunados.
Marx não condenou de forma pedante um movimento “prematuro”, como fez o renegado russo do marxismo Plekhanov, de triste memória, cujos escritos instigadores encorajavam à luta os operários e camponeses em novembro de 1905, e que, depois de dezembro de 1905, gritava como um verdadeiro liberal: “Não deviam pegar em armas”. (2010; 57)
As lições que os operários devem tirar dessa lição histórica é outra. Isto é, a tomada do poder deve ser seguida da destruição do Estado capitalista. Já que de acordo com Marx e Engels “não basta à classe operária se apoderar da máquina do Estado para adaptá-la aos seus próprios fins”. (2010; 58). Nesse sentido pelo que deve ser substituída a máquina do Estado depois de destruída? Para responder essa questão, Lênin continua refletindo sobre a experiência da Comuna de Paris. Na qual vimos um processo de radicalização da democracia, dando mais poder ao povo através da participação direta, reduzindo os salários dos parlamentares drasticamente, sucumbindo às forças armadas permanentes e por outro lado armando o povo. Bem como destruindo “a força espiritual de repressão, o poder dos padres”. Como também dos juízes e magistrados que deveriam ser eleitos como os demais servidores do povo.
Lênin ressalta, porém, que a comuna se contentou “em substituir a máquina do Estado destruída por uma democracia mais completa”. No entanto, era preciso aprofundar na tarefa de derrotar a burguesia e a sua resistência. Para Lênin “essas medidas reformistas são de ordem puramente governamental e política e, naturalmente, não atingem todos os seus significado e todo o seu alcance senão com a “expropriação dos expropriadores” preparada ou realizada, isto é, com a socialização da propriedade privada capitalista dos meios de produção”. (2010; 65)
Sobre o parlamentarismo, Lênin destaca que o mesmo deve ser suprimido. No entanto ele destaca que “o meio de sair do parlamentarismo não é, certamente, anular as instituições representativas e a elegibilidade, mas sim transformar esses moinhos de palavras que são as assembleias representativas em assembleias capazes de “trabalhar” verdadeiramente”. (2010; 67). Com isso ele procura-se diferenciar da linha oportunista de Plekhanov e Kaustky que se silencia diante das contradições do parlamento como também dos anarquistas que despreza totalmente a representatividade.
Marx soube romper impiedosamente com o anarquismo, pela impotência deste em utilizar-se até mesmo da “estrebaria” do parlamentarismo burguês, principalmente quando a situação não é, de forma alguma revolucionária; mas, ao mesmo tempo, soube fazer uma critica verdadeiramente revolucionária e proletária ao parlamentarismo. (2010; 66)
Para Lênin o parlamento burguês é um lugar de “discurso” que serve apenas para desviar o foco do que realmente está acontecendo, além de se configurar num balcão de negócios. Ele, no entanto destaca que mesmo numa democracia operaria não é possível suprimir a representatividade, “mas já não há parlamentarismo como sistema especial”. Nessa linha Lênin (2010) destaca que “nosso esforço para derrubar a dominação da burguesia é um esforço honesto e sincero e não uma expressão “eleitoral”, destinada simplesmente a surripiar os votos dos operários...”.
Lênin destaca a importância de se destruir a burocracia e a hierarquização. No entanto ele ressalta que isso não se dá do dia para noite. Isso sim seria utopia: “Não somos utopistas. Nunca “sonhamos” poder dispensar bruscamente, de um dia para outro, toda e qualquer administração e toda e qualquer subordinação...”. (2010; 70).
Outra questão apontada por Lênin é a cerca da organização do Estado Nacional. Aqui ele defenderá Marx da distorção do seu pensamento pelos oportunistas, em especial Bernstein. “Marx é centralista.” Desse modo qualquer ideia de ver nas suas ideias a defesa do federalismo é deturpar o seu pensamento. Lênin destaca, no entanto que é preciso ver o centralismo de outra forma, não construído de cima para baixo, mas de baixo para cima. Por que os oportunistas negam o centralismo? Por que não querem “nem destruir o poder do Estado nem de eliminar o parasita”. (2010; 74).
Nesse sentido Lênin defende a destruição do Estado parasita e ressalta a importância da Comuna de Paris como sendo a primeira experiência na história de uma tentativa nesse sentido. Sendo que as revoluções russas de 1905 e 1917, “não fazem senão continuar a obra da Comuna, confirmando a genial análise histórica de Marx”. De que “o Estado está condenado a desaparecer”. (2010; 76).
Ainda abordando a experiência da Comuna de Paris, Lênin buscará a partir dos escritos de Engels esclarecer alguns pontos, por exemplo, a cerca do que deve ser o Estado proletário em contra posição ao Estado capitalista. Nesse sentido ele vai abordar o “problema da habitação” onde Engels expõem a questão da expropriação. De acordo com Lênin (2010) “O Estado atual efetua expropriações e sequestros de casas. Do ponto de vista formal, o Estado proletário “efetuará, também, expropriações e sequestros de imóveis”. No entanto isso não ocorrerá sem que aja a destruição do Estado, pois nos marcos do Estado capitalista isso é impossível.
A respeito da supressão do Estado, Lênin destaca a polêmica de Marx e Engels com os anarquistas. Ao se colocar contrario a tal supressão, não significa que ele seja contrário à abolição do Estado. Pelo contrário, isso ocorrerá na medida em que forem abolidas as classes. O fato é que “o proletariado precisa do Estado só por um certo tempo”. Sendo assim a posição a cerca da supressão do Estado não é tão diferente entre anarquistas e comunistas. Porém Lênin ressalta (2010) que “nós sustentamos que, para atingir esse objetivo, é indispensável utilizar provisoriamente, contra os exploradores, os instrumentos, os meios e os processos de poder politico, da mesma forma que, para suprimir as classes, é indispensável à ditatura provisória da classe oprimida”.
Lênin volta por tanto sua critica aos reformistas e falsa polêmica que eles travam com o anarquismo. Um debate no qual os anarquistas ganham, mas pelo fato dos reformistas negarem o marxismo. Seguindo essa linha ele exporá uma dura critica a II Internacional, especialmente fundamentado no que Engels expõem no programa de Erfurt. Onde percebemos a defesa da necessidade da luta pela radicalização da democracia que deve caminhar para ditadura do proletariado. Logo, é preciso “desenvolver a democracia até o fim, procurar as formas desse desenvolvimento, submetê-las à prova da prática etc., eis um dos problemas fundamentais da luta pela revolução social”. (2010; 97). Que tem a tarefa de eliminar a democracia. Eliminar a democracia? É justamente isso que defende Engels ao abordar a questão da nova geração. De acordo com Lênin (2010) “a nova geração “educada em uma nova sociedade de homens livres e iguais” e que “poderá livrar-se de todo aparato governamental”, de qualquer forma de Estado, inclusive da República democrática”.
As condições Econômicas e o definhamento do Estado
Quais as condições econômicas para o definhamento do Estado? Eis o problema que Lênin abordará no capitulo V do “O Estado e a Revolução”. Um primeiro ponto a se destacar aqui é que não existe um prazo para esse definhamento. Lênin ressalta, no entanto o caráter evolucionista da teoria de Marx. Sendo que nessa teoria da evolução um ponto central que é esquecido tanto pelos utopistas como pelos oportunistas é que entre o capitalismo e o comunismo existe um período de transição histórica. E nesse período de transição é preciso um processo de radicalização da democracia bem como de implantação da ditadura do proletariado.
Só na sociedade comunista, quando a resistência dos capitalistas estiver perfeitamente quebrada, quando os capitalistas tiverem desaparecido e já não houver classes, isto é, quando não houver mais distinções entre os membros da sociedade em relação à produção, só então é que “o Estado deixará de existir e se poderá falar em liberdade”. (2010; 109)
Seguindo essa linha, Lênin destaca que o comunismo passa por diferentes fases. Tal afirmação parte da analise do que Marx escreve na “Crítica ao programa de Ghota”. Sendo que de acordo com Lênin (2010) “a primeira fase do comunismo ainda não pode, pois, realizar a justiça e a igualdade. Hão de subsistir diferenças de riqueza e diferenças injustas; mas o que não poderia subsistir é a exploração do homem pelo homem...”. Essa fase do comunismo é identificada como socialismo. Nessa fase o Estado ainda subsiste, pois “para que o Estado definhe completamente, é necessário o comunismo completo”. (2010; 114).
Desse modo, respondendo a cerca da questão de qual deve ser as condições econômicas para o definhamento do Estado, Lênin falará que é do “comunismo elevado a tal grau de desenvolvimento que toda oposição entre trabalho intelectual e o trabalho físico desaparecerá...” (2010; 115). E quando isso ocorrerá? Lênin é enfático – Não poderemos saber. Não entanto a superação dessa separação entre trabalho intelectual e trabalho físico que é característica da sociedade moderna deve ser levada a cabo.
Nessa linha ele afirmará que o “Estado poderá desaparecer completamente quando a sociedade tiver realizado o principio: “De cada um conforme a sua capacidade, a cada um segundo as suas necessidades”. Isto é, quando se estiver tão habituado a observar as regras primordiais da vida social e o trabalho se tiver tornado tão produtivo, que toda a gente trabalhará voluntariamente, conforme a sua capacidade”. (2010; 116). Isso que parece um tanto utópico, especialmente na sociedade capitalista, sobretudo no estagio de desenvolvimento que nos encontramos, pode sim ser alcançada segundo Lênin. No entanto ele deixar claro que não é um processo que se dá do dia para noite. Mas ele não tem duvida que com o desenvolvimento da consciência coletiva “a porta se abrirá, de par em par, para fase superior da sociedade comunista e, por conseguinte, para o definhamento completo do Estado”. (2010; 122).
Polêmica contra os oportunistas que vulgarizam o marxismo
Lênin focará a sua critica aos principais teóricos da II Internacional – Kautsky e Plekhanov. Que teve sua falência, sobretudo por que perdeu de vista “a questão das relações do Estado e da revolução social”. Se afastando do marxismo de tal forma que acabou por vulgariza-lo. Ele dá o exemplo da polêmica que Plakhanov trava com os anarquista. Onde existe despreza a questão “mais essencial na luta contra o anarquismo, ou seja, as relações da revolução e do Estado, e a questão do Estado em geral”. (2010; 124). Lênin retomará novamente a analise de Marx sobre a experiência da Comuna de Paris. Enquanto os anarquistas viam nessa a confirmação da sua teoria de que o Estado precisa ser destruído, por outro lado não davam uma resposta se ao demolir a velha maquina Estatal, o que deveria substitui-la. É justamente o fato de não fazer esse debate a cerca da questão do Estado “sem notar, a esse respeito, o desenvolvimento do marxismo antes e depois da Comuna”. (2010; 125) Que faz Plekhanov escorregar para o oportunismo.
Em seguida Lênin analisará a polêmica de Kautsky com os oportunistas. Para o líder Bolchevique o que há na verdade não é uma polêmica entre Kautsky e Bernstein, o que há na verdade é uma capitulação – quando afirma que a questão da ditadura do proletariado pode ser deixada para o futuro. Quanto a isso Lênin é enfático: “Entre Marx e Kautsky, á um abismo na concepção do papel do partido proletário e da preparação revolucionária da classe operária”. (2010; 127) Lênin apontará, por exemplo, o fato de Kautsky omitir o papel revolucionário do proletariado como também em relação ao parlamento, no qual ele é incapaz de perceber a diferença do parlamento burguês da democracia operária. Nessa linha Lênin afirma (2010) Kautsky, como os outros, deu, aqui, provas de “veneração supersticiosa” pelo Estado, de “crença supersticiosa” na burocracia. Seguindo essa Linha, Vladimir I. Lênin analisará a polêmica que Kautsky traça com Pannekoek.
Nessa disputa, é Pannekoek que representa o marxismo contra Kautsky: foi de fato Marx quem ensinou que o proletariado não pode apoderar-se do poder pura e simplesmente, o que não faria senão passar para novas mãos o velho aparelho do Estado, mas sim que deve quebrar, demolir esse aparelho e substituí-lo por um novo. (2010; 133)
Ao dizer o contrário na polêmica que trava com Pannekoek, Kautsky nega o marxismo e cai no oportunismo. Aliás, não apenas Kautsky, mas toda a II Internacional. Sobretudo pelo fato de não terem tido a capacidade de aprender com a experiência da Comuna de Paris, pelo contrário, buscaram deturpar tal experiência, como também por perderem de vista a necessidade de destruição da maquina estatal, construindo outra no lugar. E seguindo essa linha Lênin conclui: “a deformação ou o esquecimento do papel que desempenhará a revolução proletária em relação ao poder não podia deixar de exercer uma influencia considerável hoje, quando os Estados, providos de um aparelho militar reforçado pela concorrência imperialista, se tornaram uns monstros belicosos, exterminando milhões de homens para decidir quem é que reinará no mundo”. (2010; 140)
Lênin pretendia acrescentar mais dois capítulos a essa obra. Analisando e tirando as lições das revoluções russas de 1905 e 1917, no entanto as tarefas a frente do governo Soviético o impediu. A esse respeito ele escreveu: “é mais útil e mais agradável fazer “a experiência de uma revolução” do que escreve sobre ela”. Depois veio a doença e a morte.
 *II Parte do artigo apresentado na IV Semana Acadêmica de Filosofia e Teatro UFT - Os 100 anos da Revolução Russa.

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